Economista não descarta recessão e agravamento da fome no Brasil como efeitos da guerra
Para Simão Silber, disparada nos preços de commodities é consequência das sanções à Rússia e atingem o frete de produtos e a agroindústria.
Publicado 16/03/2022 18:36 | Editado 17/03/2022 12:05
A recuperação econômica mundial pós-pandemia havia apenas começado quando a invasão russa à Ucrânia provocou a disparada do preço de diversos produtos, especialmente nos casos do petróleo, aço e grãos. Especialistas se dividem quanto à possibilidade de uma recessão global, mas o impacto das sanções econômicas à Rússia já é visível: um indicador é a alta nos valores de alimentos e commodities no mercado internacional, por exemplo.
Organismos financeiros mundiais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial começam a movimentar seus modelos matemáticos para revisar a previsão de crescimento mundial. O que era 3,6% no pós-pandemia, já deve cair para cerca de 3% com a guerra. A queda não é mais significativa, considerando-se que a economia russa, de US$ 1,4 trilhões de PIB é considerada média, portanto, mais vulnerável a uma recessão em funções das represálias da guerra. O PIB russo é bem menor que o brasileira, de quase US$ 2 tri.
Em entrevista, Simão Silber, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), conta que, a curto prazo, é pouco provável que ocorra uma queda no valor do PIB mundial, o que representaria recessão. “O que se espera para 2022 é uma diminuição do crescimento [da economia], não uma recessão”, diz. Na Rússia, a recessão pode chegar de 5% a 10%.
O sistema financeiro russo, no entanto, pode entrar em crise devido às represálias mundiais à guerra. Além da própria Ucrânia, que, nas palavras do professor, está “destruída, em ruínas, após três semanas de ataques”, os países europeus tendem a ser os mais afetados pelos efeitos do conflito.
“O impacto na Europa será pior do que nos Estados Unidos, país que é relativamente independente na produção energética e de grãos”, completa Silber. Ele lembrou que os EUA estão craqueando o xisto betuminoso para substituir o petróleo.
Efeitos no Brasil
No cenário nacional, as consequências da guerra já são perceptíveis, embora os efeitos sejam indiretos. Mesmo sendo exportador de petróleo, o aumento dos valores dos combustíveis já ocorreu, quando na última sexta-feira (11), a Petrobras anunciou um reajuste de 18,8% no preço médio da gasolina e de 24,9% no do diesel, com base nas oscilações do valor do petróleo no mercado global.
O Brasil não compra trigo da Rússia, mas o preço do pãozinho aumenta, pois a Argentina não quer vender, esperando um aumento do lucro. Assim, o mercado já prevê, em apenas uma semana de impacto da guerra, um aumento da inflação no ano de 5,5% para 6,5%.
“Na esteira do reajuste do combustível, tudo sobe, porque o Brasil é um país rodoviário. Não temos ferrovias, não temos transportes marítimos, o que temos são caminhões, que precisam de diesel.”
A agroindústria também sofre com o impacto do aumento do preço dos fertilizantes, produto antes importado da Rússia. Como consequência, “o nível de pobreza vai aumentar muito no Brasil, porque as pessoas não terão dinheiro para se alimentar”, diz o pesquisador.
“O Brasil teria um crescimento muito modesto [na economia] este ano, mas agora a probabilidade de enfrentarmos uma recessão em 2022 não é desprezível”, finaliza. O economista relata que já se esperava uma recuperação de apenas 0,5% da economia, no arrasto de uma pandemia que tornou o Brasil o terceiro mais atingido pela doença no mundo. Agora, tende a ser “pífia”, segundo ele.
Edição de entrevista à Rádio USP