Brasil enfrenta estagnação na vacinação e aumento de casos de Covid

Combate à desinformação sobre a imunização segue sendo essencial para lidar com a doença

Foto: Breno Esaki/Agência Saúde DF via Agência Brasil

Há poucos dias, passou a vigorar,  por determinação do Ministério da Saúde, o encerramento da situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), que havia sido estabelecida em fevereiro de 2020 devido à pandemia de Covid-19. A resolução, à base da canetada, preocupa especialistas, principalmente num cenário em que se combinam a estagnação na vacinação contra a doença, o relaxamento de medidas restritivas e do uso de máscaras em diversas cidades e estados e o consequente aumento no número de casos e óbitos.

Nesta quinta-feira (26), o Brasil registrou 136 mortes por Covid-19, totalizando 666.248 desde o início da pandemia, além de 30 mil novos casos. Segundo boletim da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado nesse mesmo dia, o Brasil teve aumento de ocorrências da doença em todas as regiões durante os dias 15 e 21 de maio — 18 das 27 unidades do país e 20 capitais apontaram crescimento. Conforme o levantamento, cerca de 48% dos registros de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) foram decorrentes da doença, assim como 84% das mortes por SRAG. Os dados confirmam uma tendência que já vinha sendo observada pela instituição. 

Ao mesmo tempo, outro boletim divulgado na semana passada pela Fiocruz apontou para a estagnação da vacinação contra a Covid-19. Conforme os dados levantados pela instituição entre os dias 24 de abril e 14 de maio, apenas 32% das crianças entre 5 e 11 anos foram totalmente imunizadas e 60% tomaram a primeira dose. 

Entre os idosos com 80 anos ou mais, a cobertura vacinal com a quarta dose – recomendada hoje a partir dos 60 anos – é de somente 17,7% e 12,4% na faixa dos 75 aos 79 anos. A média segue abaixo do que seria satisfatório para as faixas etárias mais jovens e atinge pouco mais de 25% com a terceira dose entre os 18 e 19 anos. 

Nésio Fernandes – Foto: Sesa/Divulgação

Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e secretário da área no Espírito Santo, Nésio Fernandes lembrou que o colegiado chegou a sugerir ao Ministério da Saúde que o fim do Espin passasse a vigorar após um espaço de tempo maior para que o cenário pudesse ser analisado com mais acuidade, o que foi rejeitado pela pasta. “Consideramos que era necessário ter pelo menos 90 dias para poder confirmar a consolidação da tendência da queda de casos, internações e óbitos porque poderíamos ter – por condições de sazonalidade, novos comportamentos dos vírus circulantes e das cepas, da quantidade de suscetíveis crescente levando em conta a distância de mais de seis meses da última dose, os não vacinados e a população com o ciclo incompleto – um cenário que deveria ser melhor monitorado por parte do governo federal e das autoridades sanitárias”. 

Ele acredita que não deverá haver novos momentos tão dramáticos como as ondas vividas anteriormente, mas considera que uma nova oscilação no segundo semestre também é possível se, entre outros fatores, a vacinação não retomar a velocidade necessária e se não houver uma política nacional clara de combate às fake news e ao processo de desmobilização em relação à imunização. “Com as vacinas disponíveis e a cobertura mínima de 90% para cada faixa etária do esquema apto e com os medicamentos incorporados e amplamente disponíveis, nós podemos ter muita segurança de, em não havendo uma nova variante com escape pleno vacinal, ter uma perspectiva de controle da pandemia em patamares que não tivemos no Brasil”. 

Dentre os aspectos que Nésio destaca como responsáveis pela menor procura da população pela imunização está o fato de que a vacinação,  no Brasil, foi vinculada a uma comunicação de risco, como uma resposta às grandes ondas que tivemos. “Desde que as vacinas chegaram, a cada oscilação da curva de casos,  nós tínhamos um aumento da procura pelas vacinas. Na medida em que as curvas foram sendo atenuadas, principalmente em internações e óbitos, a população foi percebendo e recebendo uma mensagem de controle da pandemia. Temos pesquisas que apontam que 38% acreditam que a pandemia acabou”, explicou.

Ele esclareceu que “a natureza da vacina, seu principal uso é, na verdade, no sentido de ter estratégias de controle e prevenção e não de mitigação”. Ele usou como exemplo a poliomielite, que teve seu último caso registrado no país em 1989, mas cuja vacinação continua sendo aplicada. “Isso acontece porque a vacinação é uma estratégia de controle, de prevenção, para evitar que aquela condição de saúde anterior, provocada  pelo adoecimento por uma doença infectocontagiosa imunoprevenível, seja evitada”. 

Comunicação e saúde

Dentre os diversos males que o país enfrentou durante a pandemia está a disseminação de notícias falsas envolvendo a imunização, ações irresponsáveis e omissões do próprio presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores e o movimento anti-vacina. Para além dos reflexos catastróficos sobre o próprio combate à pandemia, tais elementos contribuíram diretamente para a queda na cobertura vacinal das crianças para uma série de outras doenças, cujo calendário de imunização já estava consolidado há décadas. 

Segundo informações publicadas pela Agência Senado, em 2021, em torno de 60% das crianças foram vacinadas contra a hepatite B, o tétano, a difteria e a coqueluche. Contra a tuberculose e a paralisia infantil, perto de 70%. Contra o sarampo, a caxumba e a rubéola, o índice não chegou a 75%. A baixa adesão se repetiu em diversas outras vacinas. Para que exista a proteção coletiva e o Brasil fique blindado contra as doenças, o recomendável é que entre 90% e 95% das crianças, no mínimo, estejam imunizadas. 

O enfrentamento a este quadro passa, na avaliação de Nésio Fernandes, pela ressignificação da comunicação com a população e da sua mobilização, uma vez que a vacina hoje já chega a praticamente todo o país. “É preciso enfrentar a grande campanha de notícias falsas que existe porque a desinformação, nesse momento, sem dúvida constitui o principal fator desmobilizador da vacinação, afetando também a cobertura contra outras doenças”. 

Por isso, o Conass está atualizando a estratégia de comunicação. “Queremos realizar um grande pacto nacional pela vacinação, mobilizando as instituições além do âmbito da gestão do SUS pela vacinação e o enfrentamento da fake news. Os próximos 90 dias serão determinantes para poder alcançar um grau de cobertura vacinal que nos dê segurança para o segundo semestre deste ano em todo o país”, disse Nésio. O secretário acrescentou que o Ministério da Saúde tem algumas campanhas de redes sociais que falam da vacina, mas de maneira frágil e pouco persuasiva e não combatem a desinformação. 

Por fim, ele lembrou que nos anos 1980, houve uma grande mobilização nacional contra a poliomielite envolvendo o poder público e diversos atores sociais. “Eu acho que aquele espírito precisava ser fortemente resgatado sob risco da gente perder a oportunidade de controlar a pandemia no país”, alertou.