Vender a Eletrobras é perder um pilar da reindustrialização do Brasil

A economista Clarce Ferraz também critica a privatização da Eletrobras como a perda de um elemento chave para a estruturação da transição energética limpa, renovável e justa.

Setor energético é elemento definidor da capacidade de desenvolvimento industrial.

A economista Clarice Ferraz é diretora do Instituto Ilumina e demonstra como empresas como a Petrobras e a Eletrobras são estratégicas como “pilares da industrialização” do Brasil. Ela criticou a possibilidade de privatização na Eletrobras , no próximo dia 13 de junho, durante o Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”.

O debate sobre a crise do setor energético no Brasil e os desafios para a sua recuperação, que continuou, na segunda (30), tratando mais especificamente do caso da Eletrobras, em vias de privatização. O seminário foi realizado pela Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos e também discutiu o papel da Petrobras nesse processo, na mesa anterior.

Vender a Eletrobras é parte da ilusão de que setor privado faz melhor

A fala de Clarice começa a 1h52m e dura 22 minutos:

Ela falou da privatização da Eletrobras como a perda de um elemento chave para a estruturação da transição energética justa. Foi com o objetivo de produção de energia barata e universalizado que a empresa foi criada. Ela também vê a empresa como um pilar estruturante da industrialização brasileira, como se diz da Petrobras.

Ela concorda que o futuro está sendo decidido hoje, com a definição do padrão de desenvolvimento e custo da energia. “Qualquer que seja o ponto de alavancagem de um projeto de industrialização, sem energia barata, está fadado ao fracasso”, disse ela.

Eletrobras precisa retomar capacidade de gerar excedente

Ela apontou também a importância da Eletrobras como empresa de geração de energia limpa e renovável. Um fator que tem sido definidor das dificuldades energéticas em outros países que dependem de combustíveis fósseis. Inclusive, ela salientou que a Petrobras precisa ser pensada como alavanca de desenvolvimento nacional, e não apenas como produtora de combustíveis, pois isso a define como uma empresa com mandato para acabar. “Só é possível defender essas empresas em nome de um projeto nacional”, declarou. Se elas não aderirem a um projeto de descarbonização da geração de energia elas perdem seu sentido para o futuro.

O processo de privatização da Eletrobras, independente dos roubos, subavaliações e irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), é uma condenação do projeto nacional de desenvolvimento do país. Ela salienta, assim, a necessidade de pensar estas estatais como vetoras de geração de uma cadeia produtiva pensada para a transição energética que supere os combustíveis fósseis.

Clarice citou o caso alemão, que já vinha falando num processo recessivo leve, após a pandemia, mas agora com a guerra na Ucrânia fala em algo mais severo devido ao alto custo de energia. “Sem energia barata, a economia não deslancha”, afirmou. Clarice se questiona porque os EUA estimulam o conflito, que ela considera um tiro no pé da própria economia.

Uma indústria poluente pode ficar vulnerável a regulações internacionais que são usadas por potências econômicas para protecionismo de sua indústria e seus produtos. “Somos os primeiros colocados para ser bem sucedidos num projeto de transição para energias limpas. Por que não nos preparamos para fazer isso?”

Representante de acionistas vê vícios na privatização da Eletrobras

Ela concorda com Aurélio sobre como o processo de privatização pode desarticular todo um sistema, gerando perdas de mais valia para toda a cadeia de beneficiários. A centralização da Eletrobras é o que permite a gestão inteligente e eficiente das diferentes bacias hidrográficas, que permite uma atenção as deficiências regionais, algo que se perde com a fragmentação. 

Ela apontou como o regulador de energia falha no cumprimento das suas funções. “O regulador não consegue nem controlar uma empresa do Amapá”, lembra ela sobre os apagões na empresa privada daquele estado do Norte. Com isso, ela pontua quais outros problemas podem surgir da falta de de regulação com a privatização generalizada do setor.

Na opinião dela, é essencial ter a Eletrobras e seus ativos, que são monopólios naturais, para desenvolver o projeto nacional. Sem ela não é possível. “Estamos contratando uma explosão tarifária, um problema de segurança nacional relacionado a Eletronuclerar e um problema seríssimo de geopolítica que é o desrespeito ao Paraguai por Itaipu”, resume ela.

Ela aponta também que o sistema de mercado guarda uma dessincronização no mundo das energias renováveis. Essas energias não vão caber nessa fórmula, e dependem de políticas desenvolvidas fora do mercado. “O custo do despacho na ponta, num dia de sol ou vento, pode ser zero. Como remunerar o investidor com preço zero? Ao contrário, sem vento e sol, o preço pode ser infinito. No Texas, botaram o teto em R$ 9 mil dólares por dias, falindo pessoas e industrias. Esse sistema de mercado não comporta transição e renováveis, pois sequer consegue dar preço”, explicou. 

“Temos que ficar com a Eletrobras, para retomar o papel que sempre foi dela”.

Eletricitários intensificam mobilização contra privatização da Eletrobras

A economista Clarice Ferraz é professora da Escola de Química da UFRJ, com mestrado em Energia pela École Polytechnique Fédérale de  Lausane (EPFL), mestrado e especialização em Gestão Pública e Meio Ambiente pela Universidade de Genebra, e doutorado em Ciências Econômicas e Sociais pela mesma universidade. Também fez pós-doutorado pelo Instituto de Economia da UFRJ e é diretora do Instituto Ilumina.

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