Candidaturas LGBT+ querem retomar agenda de liberdade e democracia contra Bolsonaro 

No dia do Orgulho LGBT+, o portal Vermelho entrevista lideranças que defendem o aumento da representatividade dessa comunidade nos parlamentos e governos para confrontar a agenda autoritária e repressiva.

A urna eletrônica foi o logo da 26a. parada LGBT+ de São Paulo, no dia 19 de junho. Foto: Cezar Xavier

O dia 28 de junho é o Dia do Orgulho LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexos e não binários), que justifica todas as celebrações de protestos do mês. Neste dia, em 1969, travestis de Nova York enfrentaram a polícia com barricadas e mudaram a história dando origem a um novo sentimento destas pessoas marginalizadas. No Brasil, após dois duros anos de pandemia, o movimento LGBT+ voltou às ruas para um grito de guerra contra o governo Bolsonaro.

A 26ª. Parada do Orgulho LGBT de São Paulo teve como tema “Vote com Orgulho, por uma política que representa”, reverberando o programa Voto com Orgulho, da Aliança Nacional LGBT+. Para contextualizar esse momento político, o Portal Vermelho conversou com a presidenta nacional da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT-SP), Claudia Garcia, com o diretor de Políticas da Aliança Nacional LGBTI+, Cláudio Nascimento, e com três pré-candidaturas do PT, PSB e PCdoB.

Claudia Garcia, por Cezar Xavier

Claudia Garcia falou conosco durante a 20ª. Feira Cultural da Diversidade, no Largo do Arouche, em São Paulo. Claudia explica que, como representante da entidade, não pode tomar partido de ninguém, afinal, no movimento ela se relaciona com militantes ligados a Ciro Gomes, Simone Tebet e ao PSDB. Mas não foi o que se viu nas ruas. As centenas de milhares de pessoas que compareceram gritavam contra Bolsonaro e vestiam bandeiras com imagens do ex-presidente Lula. Não havia outras alternativas em vista.

Leia também: “Fora Bolsonaro” foi grito de guerra da 26ª Parada LGBT+ de São Paulo

“A Parada não apoia um candidato. Apoia uma eleição democrática e dentro da Constituição. Quem é contra isso, ao questionar as urnas eletrônicas, por exemplo, está querendo dar um golpe perigoso contra o país”, pondera ela.

Para ela, a Parada deste ano foi o desabafo de uma comunidade que vive um governo repressor e recessivo e as pessoas estavam com muita vontade de se manifestar. Em sua opinião, a avenida Paulista lotada representou um grito de guerra para o começo de uma campanha eleitoral pesada. 

Para ela, a criminalização da LGBTfobia, por lei, ainda é uma questão, afinal, todas as conquistas importantes deste segmento se deram no judiciário, e não no Congresso Nacional.

Claudio Nascimento saudou a iniciativa da Parada paulistana. Ele torce para que esta Parada contribua decisivamente “para a comunidade avançar na politização frente ao desafio de uma agenda tão dura e um governo que foi tão pernicioso para o estado brasileiro”. “É importante um tema tão politizado, chamando o voto em pessoas com bandeiras progressistas, defendendo a democracia. Esta é uma eleição crucial para retomar a agenda de liberdade e democracia”, disse Claudio, que já foi gestor estadual do Rio de Janeiro, por dez anos, criando importantes programas para a comunidade LGBT+.

Leia também: Movimento LGBT+ e Parada de São Paulo priorizam voto representativo

Infelizmente, mesmo nos setores progressistas, ele observa a dificuldade de incluir de maneira “honesta, orgânica e substancial” as candidaturas LGBT+. “Na hora H não se discute tempo de televisão e apoio com recursos, além de espaço na agenda majoritária. Isso mostra que ainda temos que fazer tudo sozinho”, criticou, mencionando votações recordes como de vereadoras como Erika Hilton (São Paulo), Linda Brasil (Aracaju), Monica Benício (Rio de Janeiro) e a deputada Robeyonce (Pernambuco). “Todas dando um show, mostrando que somos capazes de conectar nossas pautas com as lutas democráticas e de igualdade econômica e social”, completou. 

Apesar disso, a cada eleição há recorde de candidaturas LGBT+. O que Cláudio nota de comum em todas as pré-candidaturas, é a garra de querer aumentar a capacidade de representação política de LGBT+ nos espaços de poder. “Não estamos abrindo mão das candidaturas aliadas, pois compreendemos que a agenda precisa ser construída em parceria com todos os parlamentares que defenderem a pauta, para não ficarmos isolados”.

Pré-candidaturas

O petista Michel Platini quer disputar pela Mandata Coletiva Somos, do Distrito Federal. Ele é tradutor de libras, militante das pessoas com deficiência, também, e presidiu o Conselho de Direitos Humanos, em Brasília. Tem orgulho de ter lutado pelo direito previdenciário de parceiros LGBT+ de servidores no DF. 

Leia também: Ministros de Bolsonaro ganham troféu LGBT Pau de Sebo 2022

Para ele, a pauta dos direitos humanos nunca esteve sob tanto ataque. Enquanto isso, a comunidade LGBT+ vive uma crise de representatividade institucional. “Não dá pra esperar apenas o apoio de aliados, porque somos alijados de políticas públicas, justamente por estarmos subrepresentados. Há muito que se conquistar nos parlamentos. A primeira bandeira a ser levantada é o direito à vida, o direito de sobreviver”, disse ele. 

O socialista Diego Xavier é de Curitiba, e sentiu necessidade de disputar como deputado estadual, após protagonizar com seu marido uma campanha publicitária da Volkswagen, que gerou agressões e ameaças a ele e seus familiares.

Ele conta como é difícil viver a sexualidade no interior conservador do Paraná, onde até seus sobrinhos sofreram ataques por causa da peça publicitária.

Leia também: Em 2021 houve 300 mortes violentas de LGBT no Brasil

Além da pauta de direitos humanos, sua candidatura pretende discutir empregabilidade para pessoas LGBT. “Os partidos não podem continuar usando as candidaturas LGBT+ apenas como suporte para outras”, disse. 

A pré-candidata do PCdoB a deputada estadual Dani Balbi (RJ) acredita no cenário de desgaste do governo Bolsonaro como favorável à eleição de representantes LGBT+, assim como a necessidade de adensar a pauta de enfrentamento ao conservadorismo econômico neoliberal. 

“Numa sociedade que enfrenta o neoliberalismo, é importante também enfrentar as fantasmagorias conservadoras e retrógradas”, disse.

Embora seja uma professora universitária com carreira consolidada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela novamente aceita a “provocação” do PCdoB para enfrentar o bolsonarismo, em pleno estado de Jair Bolsonaro. Ela tem plena consciência de como sua trajetória, com todas as dificuldades enfrentadas, é um ponto fora da curva para mulheres trans no Brasil.

Leia também: Livro debate direitos LGBTI+ em meio a conservadorismo político

“Por isso, é importante que a gente ofereça, através da estruturação de um plano de educação robusto e fortalecido, perspectivas para essas pessoas. Pessoas trans que precisam entrar no mercado de trabalho, que precisam se requalificar para sair da situação de marginalidade.”

Dani sabe muito bem os preconceitos e constrangimentos que toda transexual passa no cotidiano. Também passou por essas dificuldades e preconceitos do sistema de saúde com mulheres e homens trans, quando resolveu fazer sua transição de gênero. A solidão, tristeza e depressão que acompanham o processo foram enfrentadas com alguma ajuda, algo que muitas dessas pessoas não têm. Além disso, Dani sabe como é viver sem documentos adequados, tendo que manter um visual andrógino, sem assumir sua feminilidade desejada, para evitar constrangimentos maiores.

Quando questionada sobre as pautas mais retrogradas a serem enfrentadas, Dani avalia que, a presença das várias travestis e transexuais, assim como gays e lésbicas, no parlamento e nos governos, precisa ser acompanhado de um “adensamento da pauta”, para além da representatividade em si. As pautas econômicas mais retrógradas, segundo ela, são estruturantes e demandam um esforço de toda a sociedade para enfrentar o fiscalismo, a financeirização, as privatizações e o desmonte do estado nacional.

“A pauta prioritária é o desmonte do estado brasileiro, através da entrega dos nossos ativos nacionais, a política de pareamento do preço dos combustíveis com o preço oferecido no mercado internacional, o próprio desmonte das nossas áreas estratégicas, tanto para o nosso desenvolvimento, quanto para a consolidação da soberania. E eu falo das tentativas de privatização das universidades públicas, com cobrança de mensalidades, ou mesmo através da venda e desidratação dessas instituições”, concluiu, mostrando que as pautas nacionais também contribuem para reduzir a participação política de LGBT+, negros e periféricos.