Celso Amorim: Com vitória na Colômbia, integração será feita de laços de afeto, além de confiança

Ao Portal Vermelho, o ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil avalia o impacto da vitória inédita da esquerda para os vizinhos latino-americanos e para a inserção do povo colombiano no poder.

Gustavo Petro, eleito presidente da Colombia. Na imagem, depois de votar no dia 19/6. Foto RS

No domingo (19), em que Gustavo Petro e Francia Marquez foram eleitos para a Presidência da República na Colômbia, o chanceler Celso Amorim viajava com o ex-presidente Lula num avião. “Por essa coincidência, eu me atrevi a ligar diretamente e tive a sorte de falar com ele [Petro] no dia mesmo da eleição”, relatou ao Portal Vermelho, o embaixador. “Para você ter uma ideia da solidariedade que existe hoje na região, quem me deu o telefone dele foi o Alberto Fernandez [presidente da Argentina]. É assim que estamos vivendo este novo momento na América Latina”, completou.

Para Amorim, que foi um dos idealizadores mais entusiasmados da integração da América Latina, quando dirigiu as Relações Exteriores do Brasil, este episódio exemplifica a importância da vitória inédita da esquerda na Colômbia. 

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Na opinião dele, a integração da América Latina é importante “de qualquer maneira”, independente de uma vitória de esquerda. “Nós conseguimos construir laços de confiança, mesmo entre diferentes e diversos. Mas quando a gente tem semelhantes, como é o caso agora, é muito melhor, porque além dos laços de confiança, a gente pode construir laços de ternura e afeto, de visões comuns de mudança da sociedade, de eliminação das discriminações”, defendeu ele. 

Amorim foi ministro das Relações Exteriores nos governos Itamar e Lula, e ainda ocupou o ministério da Defesa, no governo Dilma Rousseff. Neste período, ele encabeçou uma orientação diplomática de traçar uma política que visava reduzir a dependência dos Estados Unidos e da Europa, não só do Brasil, mas da América do Sul como um todo, com a consolidação do Mercosul, a criação da Unasul, entre outros organismos regionais.

Por isso, conforme explica ele, esta eleição é tão importante na sequência da Bolívia e do Chile. “Um país que nunca teve sequer um governo de centro-esquerda é uma grande e importante vitória”. São mais de 200 anos de República elegendo governos de direita no país, ininterruptamente.

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Gustavo Petro sagrou-se vencedor do pleito com 50,49% dos votos, contra 47,25% recebidos por Rodolfo Hernández, empresário e candidato da extrema direita, que chegou a ser chamado de ‘Trump Colombiano’ durante as campanhas eleitorais. 

“Conheci bem a elite colombiana, que aliás é muito preparada, e se gaba de falar o melhor espanhol, etc. Mas o povo estava à margem. Eu nunca vi uma pessoa como a Francia [Marquez], que acabou de ser eleita, circulando no meio da elite. Não é uma questão de dizer que vi um ou dois. Eu nunca vi ninguém”, disse Amorim sobre o fato da vice-presidenta ser representante dos afrodescendentes. Francia construiu sua história como militante ambiental, em defesa dos recursos naturais de suas comunidades quilombolas e indígenas, contra a exploração predatória das elites estrangeiras.

“O que você vê, agora, é, de fato, uma maior integração do país com base na igualdade e não discriminação”, observou.

Correlação de forças

O ex-ministro brasileiro está otimista com as potencialidades do novo governo colombiano. Embora a correlação de forças no país seja complexa e desfavorável, ele acredita que o cenário de solidariedade continental ajuda. 

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“Nada é facil, sobretudo quando se quer fazer algo ousado. Mas eu acredito que o ambiente no conjunto da América Latina é muito mais favorável nesse momento”, disse. Amorim acha muito mais difícil haver golpes como ocorreram no passado. “Há uma solidariedade que vai fazer com que esses países encontrem um caminho de progresso e justiça social”. 

A Colômbia tem graves problemas estruturais de segurança, tendo consolidado uma relação dependente dos EUA, devido ao enfrentamento de guerrilhas e milícias internas, além do tráfico de drogas. Governos vizinhos desconfiam do enclave militar americano que a Colômbia se tornou no continente. 

“Essas coisas vão ser resolvidas cada uma a seu tempo. Não adianta querer chegar varrendo tudo, porque não é assim que as coisas acontecem e se solidificam. Acho que a Colômbia vai encontrar seu caminho e vai fazer isso de maneira pacífica, em benefício do seu povo, da paz e evitando conflitos desnecessários. Eu confio na lucidez do Petro”, avaliou. 

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