Discurso anticomunista perdeu efeito eleitoral, diz cientista político

Xiomara Castro (Honduras), Pedro Castillo (Peru), Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia) foram eleitos para suceder governos neoliberais que, invariavelmente, afundaram seus países em crises econômicas e tensões sociais

Os povos latino-americanos se cansaram da “nova direita” e voltaram a apostar em presidentes progressistas. Na opinião de Alberto Vergara, cientista político da Universidade do Pacífico em Lima, no Peru, essa “onda esquerdista” mostra uma reviravolta na cabeça do eleitorado.

É o que ajuda explicar os recentes êxitos de Xiomara Castro (Honduras), Pedro Castillo (Peru), Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia). Eles foram eleitos para suceder governos neoliberais que, invariavelmente, afundaram seus países em crises econômicas e tensões sociais.

“Na região, existe um clima anti-incumbência, uma rejeição dos que estão no poder. Isso mostra que as pessoas estão cansadas”, diz Vergara em entrevista à BBC Mundo. “Também mostra que as pessoas querem experimentar outras opções e querem uma mudança.”

A seu ver, a pregação contra o comunismo perdeu efeito eleitoral, embora tenha sido base de um movimento de extrema-direita que levou ao poder nomes como Donald Trump, nos Estados Unidos, em 2016, e Jair Boolsonaro, no Brasil, em 2018: “A direita na América Latina tentou durante anos dissuadir as pessoas de votar na esquerda acusando-a de comunista, mas essa tática não funciona mais, pelo menos não para ganhar as eleições presidenciais”.

 “Diante desse espírito contra o status quo, a direita se apoiou em um discurso basicamente dos tempos da Guerra Fria, anticomunista, como forma de fazer política”, avalia. Uma vez no poder, porém, essa direita não entregou a promessa de melhorar a vida da população.  

“A esquerda interpretou melhor a necessidade de mudança e oferece um projeto com o qual você pode concordar ou não – mas que é um projeto do início ao fim. Já a direita parece ter ficado sem projeto”, compara o especialista. “Temos, de um lado, uma direita que tem dificuldade em oferecer algo novo e, do outro, uma esquerda que acaba oferecendo algo que ressoa mais com a mudança.”

Para Vergara, com a queda do Muro de Berlim e da experiência soviética, no final do século 20, emergiu uma direita “associada às reformas neoliberais, ao consenso de Washington e à vontade de liberalizar os mercados, internacionalizar a economia e administrar a macroeconomia da forma mais ortodoxa possível. Isso foi se esgotando como retórica e projeto”. Daí a vitória de tantos candidatos de esquerda na América Latina nos anos 2000.

Aquela direita, porém, foi sucedida por outra. “Nos últimos dez anos, tem surgido uma direita mais radical que a direita economicista do passado. A preocupação central dessa nova direita já não é tanto a economia, mas o que eles chamam de ‘batalhas culturais’”, opina Vergara.

“A direita atual considera que a do passado, mais neoliberal e centrada na economia, é uma ‘direita covarde’ – e que eles, representantes da direita mais radical, estão travando as batalhas ideológicas e culturais. A eleição de Bolsonaro talvez tenha sido o momento de maior sucesso para essa direita mais conservadora e antiliberal”, agrega. “Isso deu a eles a sensação de que você pode ter sucesso com plataformas reacionárias. No entanto, eles simplesmente pararam de ter vitórias presidenciais equivalentes.”

O cientista político avalia que essa “nova direita”, no conjunto do continente, “vem perdendo relevância” e não consegue mais adesões “fora desses circuitos de seguidores muito fiéis e ativos nas redes”. As derrotas, porém, ainda não a fizeram mudar de estratégia. Segundo Vergara, “o racional seria que a direita latino-americana entendesse que não tem conseguido êxito com esse rol conservador, autoritário e orgulhosamente antiprogressista”.

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