Carta aberta ao presidente da Câmara, por Orlando Silva

Finda a semana do mais grave atentado à democracia de nossa história recente, o presidente Arthur Lira não se manifestou, nem sequer uma postagem nas suas redes sociais. Não é esse o papel institucional e legal do chefe do Poder Legislativo.

Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB/SP. Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

Já se passaram alguns dias, mas confesso que ainda sigo impactado pelo deprimente espetáculo protagonizado por Jair Bolsonaro na última segunda-feira. Achei que já tivesse visto de tudo, mas um presidente da República – que, por força de nossa Constituição, acumula as funções de Chefe de Estado – convocar diplomatas de diversos países para desmoralizar a si próprio e à Nação que governa diante do mundo foi demais até para quem dele só espera o pior.

A repercussão do ato foi a negativa possível, aqui e alhures. Jornais de grande credibilidade internacional, como o americano The New York Times e o britânico The Guardian, apontaram que os embaixadores ficaram estarrecidos com o comportamento do brasileiro, que não cansa de apresentar acusações infundadas sobre o sistema eleitoral, prenúncio de sua possível tentativa de desestabilizar o país em caso de derrota.

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Entre os poucos que se pronunciaram, Pietro Lazzeri, embaixador da historicamente neutra Suíça, disse em bom diplomatês que deseja que as próximas eleições “sejam mais uma celebração da democracia e das instituições”. O torpedo mais direto e incisivo veio em nota oficial da embaixada dos Estados Unidos que, sem meias palavras, reafirmou confiança nas urnas eletrônicas e nas instituições: “As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e suas instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”, disse o comunicado.

Uma verdadeira avalanche de lideranças, entre as quais se destacam o presidente do Senado e do Supremo Tribunal Federal, veio a público repudiar os ataques e manifestar confiança na democracia brasileira. De igual modo, procuradores da República, entidades representativas de delegados e de peritos criminais da Polícia Federal e um sem-número de magistrados e membros do Ministério Público Eleitoral saíram em defesa da confiabilidade das urnas eletrônicas e desmoralizaram as aleivosias proferidas por Bolsonaro.

Até mesmo os chefes das Forças Armadas, à sua forma, demonstraram contrariedade com o reiterado comportamento do presidente ao se negarem a comparecer na fatídica reunião e, segundo a imprensa, prestarem solidariedade aos ministros e ao STF.

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Jamais se viu um chefe do Executivo ser tão cabalmente desmascarado e isolado como nesse episódio. Pudera, trata-se de ato de traição nacional, com direito a crimes de responsabilidade e crimes eleitorais às escâncaras.

Finda a semana do mais grave atentado à democracia de nossa história recente, o presidente Arthur Lira não se manifestou, nem sequer uma postagem nas suas redes sociais.

Francamente, não é esse o papel institucional e legal do chefe do Poder Legislativo, expressão maior da soberania do voto popular. Não é mera questão de vontade, mas de dever, pois entre suas atribuições está a de zelar pela dignidade da Câmara e respeito a suas prerrogativas constitucionais.

Quando as agressões de Bolsonaro à democracia passam a questionar a própria legalidade do resultado eleitoral, coloca-se em questão a legitimidade não apenas do Executivo, mas também dos mandatos dos atuais e futuros parlamentares. Tanto mais porque agora, em sua cruzada golpista, passou a ameaçar até a realização das eleições.

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O presidente da Câmara dos Deputados tem o dever de se manifestar publicamente para defender a democracia e o poder Legislativo. Nesse momento, ele não representa apenas a si, mas o parlamento. Não lhe é dado o direito ao silêncio!

Por fim, lembro de um episódio quando a PEC do Voto Impresso foi derrotada na comissão especial e deveria ter sido arquivada, na minha leitura do Regimento. Entretanto, o parecer de rejeição da fatídica PEC foi para uma exótica votação em plenário.

Na ocasião, o próprio deputado Arthur Lira disse taxativamente que a decisão da Casa colocaria fim à campanha difamatória contra as urnas eletrônicas. Chegou mesmo a afirmar que tinha esse acordo com o próprio Jair Bolsonaro e deu sua palavra como aval.

Não fosse pelo dever institucional já mencionado, será também em respeito à autoridade de seu cargo. Presidente Arthur Lira, Vossa Excelência precisa falar!

Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB/SP, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados

Publicado originalmente por Congresso em Foco