Por que Bolsonaro saiu menor do Jornal Nacional

Para “sobreviver” a uma entrevista deveras difícil, Bolsonaro recorreu a incontáveis fake news, dando margem para que agência de checagem de notícias e veículos da grande mídia o desmentissem em bloco. A cobertura pós-sabatina também é desfavorável ao presidente.

Imaginem um time de futebol que precisa vencer uma partida decisiva para ter chances reais de conquistar a competição em disputa. O jogo é entre dois concorrentes diretos ao título, e a vitória pode decretar justamente essa virada nos rumos do torneio.

Porém, logo no começo da partida, um jogador desse time é expulso e outro atleta sai contundido. Com a preparação para o jogo abalada, um empate passa a ser visto como um resultado honroso – o mal menor, o possível. A torcida pode até ficar orgulhosa da garra da equipe, mas o fato é que, a despeito do empate heroico, o troféu fica mais e mais distante.

Quando Jair Bolsonaro (PL) aceitou ir ao Jornal Nacional (JN), da TV Globo, na noite desta segunda-feira (22), para ser sabatinado, o objetivo central da campanha à reeleição não era o empate. A 41 dias de uma eleição em que, conforme o Datafolha, o presidente está 15 pontos percentuais atrás de seu principal adversário, a entrevista no principal telejornal do Brasil ganhava dimensão estratégica.

Aliados repisavam que era a grande chance de Bolsonaro tentar diminuir sua elevada rejeição, especialmente entre jovens e mulheres. Além disso, insistiam para o presidente dar publicidade a ações econômicas do governo, com destaque para as medidas eleitoreiras da “PEC do Desespero”. Não era dia de “jogar para a torcida”, mas para cativar eleitores indecisos e, eventualmente, recuperar parte dos votos de 2018 que hoje estão em outras candidaturas.

O ibope até correspondeu às expectativas. Ao longo dos 40 minutos da entrevista de Bolsonaro aos apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos, o JN alcançou uma audiência média de 32,4 pontos, conforme dados prévios. Foi a noite do ano em mais brasileiros acompanharam a atração. Só na Grande São Paulo, cada ponto na audiência corresponde a mais de 705 mil telespectadores.

Mas o desempenho de Bolsonaro frustrou aliados já na primeira resposta. Esperava-se que Bolsonaro ao menos desse uma “boa-noite”, cumprisse com o protocolo de agradecer à sabatina e ainda se dirigisse minimamente ao público, tirando o foco da pergunta dura. Nada disso ocorreu.

Bonner o questionou sobre as ameaças golpistas do próprio presidente e de seus apoiadores. Bolsonaro rasgou o script e se voltou ao velho papel de sempre, destilando mentiras, controvérsias e generalizações. Nervoso, com a boca seca, não chegou a perder a linha. Mas falou basicamente para sua base.

O embate prevaleceu assim até o final, embora Bolsonaro tenha ficado mais solto nos últimos minutos da sabatina, a ponto de brincar com os apresentadores antes da despedida: “Já acabou?”.

À imprensa, em off, muitos correligionários recorreram à mesma expressão: “Sobrevivemos”. Temia-se que Bolsonaro cometesse gafes e atos falhos ou passasse uma imagem que agravasse sua rejeição. Aquela tática idealizada nos bastidores – de falar para mulheres, jovens, eleitores mais pobres –, tudo isso já estava descartado.

Monitoramento da Quaest Consultoria indicou que, enquanto a entrevista estava no ar, 65% das menções Bolsonaro nas redes sociais foram negativas e apenas 35% foram positivas. Embora parte das hordas bolsonaristas tenha manifestado apoio e até euforia, o presidente saiu um pouco menor do JN do que entrou. O empate – não necessariamente heroico – está garantido. Mas as chances de reeleição se mantiveram reduzidas.

Por fim, cabe lembrar que, para “sobreviver” a uma entrevista deveras difícil, Bolsonaro recorreu a incontáveis fake news, dando margem para que agência de checagem de notícias e veículos da grande mídia o desmentissem em bloco. A cobertura pós-sabatina também é desfavorável ao presidente – a expressão “mentiroso no JN” foi a mais associada à entrevista, segundo a Quaest.

“Mentiram-me. Mentiram-me ontem / e hoje mentem novamente”, diz o poema de Affonso Romano de Sant’Anna. “Mentem / de corpo e alma, completamente. / E mentem de maneira tão pungente / que acho que mentem sinceramente.” Esta talvez seja a síntese da participação de Bolsonaro no Jornal Nacional. Na hora da virada, de uma vitória marcante, o presidente apenas sobreviveu – mentindo.

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