“Não tem nada mais político que o futebol”, diz Casagrande em entrevista

Casão também falou sobre ‘amor e democracia’ contra o bolsonarismo e deu detalhes do jogo de futebol que fará com indígenas, em defesa da demarcação de terras

Imagem: Reprodução Instagram

O jornalista Juca Kfouri recebeu em seu programa Entre Vistas, exibido pela TVT na última quinta-feira (1º/9), o ex-jogador de futebol, bicampeão pelo Corinthians, e um dos articuladores da chamada Democracia Corinthiana – movimento que lutou pelo fim da ditadura militar no final da década de 1980 e que até hoje é tema pelo mundo afora –, Walter Casagrande Júnior.

Casão, como é conhecido, jogou na Itália, foi campeão mundial pelo Futebol Clube do Porto e disputou uma Copa do Mundo. Além disso, como descrito pelo próprio apresentador, Casão é, antes de tudo, “um libertário, apaixonado por música, cidadão pleno nas suas atividades políticas e que nunca teve medo de dar a cara a bater.”

Ao destacar sua oposição a Jair Bolsonaro (PL) e seu governo nefasto, há um mês do primeiro turno eleitoral, Casagrande diz não acreditar na reeleição do presidente, mas vê continuidade no “bolsonarismo” e salienta ser possível enfrentar também o movimento de extrema direita.

Segundo ele, “combater o ódio é sempre com amor. E para combater qualquer tipo de autoridade é sempre com democracia. Vamos combater o bolsonarismo tirando aquilo que eles conquistaram fora de qualquer estilo democrático, que são as armas, por exemplo. Isso aí tem que retroceder, essa facilidade de ter certificado de caçador, de colecionador, isso tem que acabar”.

Outra coisa, “que foi culpa nossa”, passa pela incorporação, em movimentos antidemocráticos, das cores da bandeira do Brasil e da seleção brasileira. Símbolos que, segundo o comentarista, foram “sequestrados” pela extrema direita, mas que na verdade são de “todo o povo brasileiro”.

“Nós não precisamos resgatar nada, eles [os bolsonaristas] têm o direito de usar a camiseta amarela e verde e a bandeira do Brasil. Mas nós também temos que começar a usar. Não é tirar, não é essa questão, senão não é democracia. Só que temos também que usá-las independentemente de eles usarem ou não”, defende. 

Ao falar ainda sobre as diferenças das diretas em que o comentarista participou e os dias atuais, sob governo Bolsonaro, Casagrande, hoje com 59 anos, mostra que tem uma vida marcada pela contestação. Na década de 80, quando o país ia aos poucos se livrando do regime militar, o ex-jogador lutou pela liberdade dentro e fora de campo. Como membro da Democracia Corinthiana, questionava a cultura autoritária do futebol, ao mesmo tempo em que defendia a volta de um país democrático.

Hoje, ele vê o movimento pela democracia dividido. “Eu acho um momento muito pior. Eles quando se juntam, estão todos juntos. E nós estamos fazendo um movimento picotado”, salienta. Casagrande recorda do movimento na década de 70 quando existia uma unidade, existia manifestação “junto”.

“Nós temos que mostrar a nossa força com unidade, sabe? Juntos. Fazer um movimento democrático, num único lugar, para ter aquele movimento de pessoas; para aquele vulcão voltar a entrar em erupção pela democracia.”, disse.

Ao lado dos povos indígenas

Paralelo ao futebol, Casão sempre se dedicou às causas de segmentos marginalizados pelo Estado, como dos povos indígenas. A ligação com essa questão começou quando o comentarista esportivo conheceu a roteirista do filme Democracia em Vertigem (2019), Moara Passoni, que atualmente dirige uma série sobre a Democracia Corinthiana. “Eu falei para ela que precisava fazer alguma coisa, que não estava aguentando ficar assistindo de camarote, dentro da minha casa, as coisas acontecerem”, explicou.

Com isso, Casagrande começou a participar e se reunir com todas as lideranças indígenas. Dos encontros, surgiu a ideia de “uma olimpíada; os jogos indígenas” mas, por conta da pandemia de Covid-19 e das dificuldades, o projeto precisou ser interrompido, sendo retomado este ano com a proposta de ser um jogo de futebol. O objetivo, de acordo com Casagrande, é fazer uma analogia sobre a marcação do campo de futebol. “Porque se você não marca um campo, não tem jogo. E se não tiver a demarcação de terras indígenas, também não tem um jogo na vida. Deles, nossa e de todo mundo”, destaca. “Minha ligação é muito forte com os povos indígenas e meu compromisso com eles é com a visibilidade”, acrescenta.

A partida “Sem demarcação não tem jogo” está confirmada para ocorrer no próximo dia 23, em uma aldeia próxima à cidade de Brumadinho (MG).

Expectativas sobre a Copa do Mundo

Walter Casagrande também falou sobre suas expectativas pessoais diante da Copa do Mundo que ocorre em novembro, no Catar, onde terá a experiência de uma primeira Copa fora da Globo depois de seis coberturas pela emissora. Agora, como colunista da Folha e do UOL, Casagrande promete não escrever apenas sobre os jogos. Observador da realidade fora dos campos, quer também abordar os comportamentos do país em que estará.

“Vou poder colocar para fora aquela sensação de torcida. Então, vai ser uma coisa supernova para mim no lado pessoal, emocional, sentimental, não sei como será. (…) Vou voltar a ser aquele garoto que ia para o estádio torcer”, descreve.

Casagrande pondera ainda não estar entusiasmado com a Copa do Mundo pelas controvérsias que cercam o país do Oriente Médio, sede do evento. “A Fifa não deveria fazer um evento de Copa do Mundo em países que têm um preconceito muito grande, ditadura, que não respeitam as mulheres, que não dá liberdade, não respeita a diferença de gêneros e que não têm nenhuma história no futebol. Eu sempre fui a favor, sempre gostei de Copa do Mundo em países e continentes diferentes, mas que tenham uma certa história no futebol (…) o Catar não tem.”, aponta.

“Não tem um interesse verdadeiro (do país) na Copa do Mundo, é uma questão muito política. E aqueles que falam que futebol e política não podem se envolver, começa a prestar atenção porque, todas são, mas essa Copa do Mundo, especialmente, é muito política. Está sendo lá por motivos políticos”, completa. Casagrande também diz que as grandes seleções não estarão em posição confortável. Para ele, o que estará em jogo “é a intensidade física e mental dos atletas, e as equipes tradicionais terão que empatar na intensidade”, finaliza.

Assista a entrevista na íntegra:


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