Sob investigação, Bolsonaro foge do Brasil pela porta dos fundos

Presidente evita informar o país sobre seu destino e promove ruptura inédita com ritos democráticos ao partir para Miami, nesta sexta.

Bolsonaro no Força Aérea 01 da FAB em julho de 2021. foto: Isac Nóbrega/PR

Com mandato terminando neste sábado (31), Jair Bolsonaro já saiu do país, as 14h02, sem dar satisfação sequer a seu vice ou a seus apoiadores. Segundo a imprensa, ele já está com reservas num luxuoso resort da Flórida (EUA), para onde vai com toda a família com despesas pagas pelos brasileiros. Vários fatores tornam essa viagem uma saída pelas portas dos fundos do Palácio. A principal delas é a confirmação de que não estará na cerimônia de posse para fazer a tradicional passagem da faixa presidencial para Lula. Ele sequer avisou de sua viagem seu vice, Hamilton Mourão, que assume a Presidência ainda hoje.

O silêncio por dois meses para evitar gerar provas judiciais contra si mesmo, decretos ao apagar das luzes, a dificuldade de declarar sua derrota para Lula, e o estímulos a manifestações golpistas e terroristas, reforçam esse clima de abandono desonroso. Apesar da coincidência, Bolsonaro parece se disfarçar para fugir em meio ao luto nacional pela morte de Pelé.

Para piorar, Bolsonaro não faz qualquer afirmativa em torno de sua situação após o governo, suas férias ou saída de Brasília, mantendo o ambiente sigiloso e opaco de seu governo. Na manhã desta sexta-feira, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo nas redes sociais em que não mencionou a viagem e fez comentários codificados sobre suas ações para bons entendedores. Apesar disso, falou em tom de despedida e não dá sinal de que voltará. Não à toa, seus apoiadores o xingam nas redes sociais.

As únicas informações obtidas são a partir de apuração detetivesca da imprensa. De acordo com sistema de monitoramento do tráfego aéreo, o avião presidencial tem decolagem prevista para as 13h45 da Base Aérea de Brasília com destino ao Aeroporto Internacional de Orlando, nos Estados Unidos. No final, o voo da FAB deixou o Brasil às 14h02.

A sensação de que Bolsonaro está em fuga do país é expressa apenas pelo Diário Oficial da União desta sexta-feira, que publicou a autorização para cinco assessores e uma militar seguirem com Bolsonaro para Miami. A publicação revela que ele fica durante todo o mês de janeiro no balneário americano, classificada como “agenda internacional”. Há quem diga que há uma ilegalidade no fato dele ter viajado hoje, quando o D.O. registra a viagem a partir do dia 1o. de janeiro. Outra equipe precursora já esteve em Orlando para preparar a recepção de Bolsonaro, desde quarta-feira (28). 

Apesar de tantos gastos públicos, o presidente não diz nada nem a seus apoiadores, nem ao resto do país. O fato de não ter comunicado sequer seu vice, deixa o país num vácuo de governo inédito, que soa a mais uma agressão aos ritos democráticos e mais uma das muitas traições à sua base de extrema direita, em vigília à espera de seu último golpe de estado.

Covardia e dano público

Sinalizações da fuga de Bolsonaro inundaram as redes sociais, desde ontem, em hashtags como #Jair, #Cagão e #BolsonaroCovarde, além de outras relativas ao clima de fim de governo (Operação Nero, 5 Trilhões, Golpe, Grande Dia). Nesta sexta, os trend topics incluem #Fugindo, #O Bolsonaro, #Acabou Bolsonaro, #Frouxo, #Patriotários e #Jair.

Embora o risco de prisão de Lula fosse certo, após o impeachment de Dilma, com oferta explícita de asilo político por parte de outros países, nenhum dos dois fez movimentações neste sentido. Lula, inclusive, enfrentou os 580 dias de cárcere, sempre afirmando sua inocência. Não é o caso dos Bolsonaros. Estão todos fora do Brasil, com sinalizações de correr atrás de uma dupla cidadania italiana, por exemplo.

Nesta quinta, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro por incitação ao crime e alarmismo, ao analisar declarações dele contra a vacinação e o uso de máscaras. Mas existem vários outros processos em andamento ou por abrir contra o ex-presidente que perde o foro privilegiado em um dia. Devido ao acúmulo de acusações e investigações, houve inclusive manifestações de organizações e personalidades apelando para medidas que impedissem Bolsonaro de sair do país. 

O deputado federal Rui Falcão (PT-SP) entrou com uma representação na Procuradoria-geral da República (PGR) contra a viagem. O deputado cobra a adoção de medidas preventivas e cautelares para evitar que o dano ao patrimônio público material e moral se concretize.

“Bolsonaro foge para aproveitar o Réveillon em Miami, com dinheiro público e deixa aqui no Brasil um legado de miséria e uma horda de delinquentes dispostos a cometer atentados”, diz o advogado Fabiano Silva dos Santos, que assina a ação ao lado de Marcos Aurélio de Carvalho e Pedro Estevam Alves Pinto Serrano.

“A viagem, que aconteceria na última semana do mandato de Jair Bolsonaro na Presidência da República, tem evidente caráter ilegal e imoral, já que a utilização da aeronave pertencente à FAB se destinaria a fins de natureza evidentemente particular e personalíssima”, argumentam eles na ação.

Eles acrescentam que o “abuso de poder e o desvio de finalidade no uso do avião” estão ainda mais evidenciados pelo “forte indício de que a viagem representa uma verdadeira fuga pessoal e política aos compromissos republicanos da tradição democrática, como é o caso da simbólica transferência da faixa presidencial.”

A ação destaca ainda o prejuízo ao erário, “já que o transporte aéreo privativo é serviço extremamente custoso, ao passo que diversas outras alternativas, especialmente através de voo comercial de carreira, poderiam ser adotadas”. “Fere-se, portanto, a regra constitucional da proporcionalidade e razoabilidade da conduta administrativa”, afirma.