Um terço dos americanos assume que quer um líder autoritário

A grosseria e autoritarismo autocentrado de políticos como Trump ou Bolsonaro são as principais qualidades que atraem seus eleitores. Sua eleição não é um acaso, mas uma tempestade perfeita.

Muitos americanos, principalmente republicanos, procuram líderes que sejam capazes de violar os princípios básicos da democracia.

Três cientistas políticos de uma universidade na Pensilvânia (EUA) realizaram um levantamento nacional que mostra que uma grande parte do povo americano, de tendências políticas divergentes, busca líderes que sejam fundamentalmente antidemocráticos. Uma tendência preocupante que demonstra a latência da disposição de eleger políticos autoritários e dispostos a quebrar as regras civilizatórias da democracia.

Os pesquisadores percebem um desconforto generalizado das pessoas em lidar com os debates e divergências da democracia. Preferem eleger alguém que imponha seus pontos de vista e crenças ao resto da sociedade. O fato de eleitores do espectro progressista também apoiarem esse tipo de disposição política é ainda mais preocupante e revela o ambiente envenenado das sociedade divididas pelo ódio político.

Apesar de todas as reviravoltas dos últimos meses nos EUA, com derrotas flagrantes, inquéritos e prisões de golpistas republicanos e trumpistas, os autores registram que mais de 100 membros do Congresso que se opuseram aos resultados da eleição de Joe Biden venceram suas campanhas de reeleição. E pelo menos sete pessoas que compareceram ao comício “Stop the Steal” [Parem a Roubalheira] em 6 de janeiro, que culminou na invasão ao Capitólio, foram eleitas para legislaturas estaduais e duas foram eleitas para o Congresso.

Os estudiosos Tarah Williams, André Bloeser e Brian Harward costumam investigar como os cidadãos estão comprometidos com a democracia, portanto, procuram medir essa disposição entre os americanos comuns.

Usando uma amostra nacionalmente de 1.500 entrevistados, descobriram que uma grande proporção deles está disposta a apoiar líderes que violem os princípios democráticos.

A escala vai de Strong Democrats (democrata forte), Not strong Democrats (democratas não fortes), Lean Democrat (democrata fraco), Independente, Lean Republican (republicano fraco), Not strong Republicans (republicano não fortes) e Strong Republicans (republicanos fortes).

Apoio a líderes antidemocráticos

Cerca de duas décadas atrás, um importante estudo descobriu que cerca de 1 em cada 4 americanos apoiava líderes que são intransigentes e tomam ações decisivas, apesar da oposição. Essas pessoas disseram que também prefeririam que especialistas tomassem essas decisões, mesmo sem terem sido eleitos. O estudo atual replica essa descoberta quase 20 anos depois, mas lança luz sobre uma razão preocupante para essa preferência.

No Allegheny College Center for Political Participation, os pesquisadores perguntaram às pessoas sobre sua disposição de apoiar líderes que prometeram protegê-los por todos os meios necessários, mesmo que isso significasse violar os padrões de comportamento esperados em uma democracia, um conjunto de princípios frequentemente chamados de “normas democráticas”. 

As perguntas foram desenvolvidas com base em pesquisas existentes sobre as estratégias que os líderes com tendências antidemocráticas usam para obter apoio público. Desta forma, trouxeram a tona práticas de políticos autoritários que partem da eleição legítima para um processo gradual de endurecimento do governo, até a ruptura com a democracia e suas instituições.

No estudo, perguntam sobre comportamentos que prenunciam os estágios iniciais do declínio democrático. Por exemplo, perguntam aos cidadãos se eles achavam que “a única maneira de nosso país resolver seus problemas atuais é apoiando líderes duros que reprimirão aqueles que minam os valores americanos”. Também perguntam sobre violações explícitas dos princípios democráticos, como fechar organizações de notícias e “quebrar as regras para fazer as coisas”.

Por padrão, algumas dessas perguntas permitem que os cidadãos usem suas próprias interpretações de ações como “repressões” e “quebrar as regras”. O objetivo, segundo os sociólogos, era determinar se os cidadãos estavam inclinados a líderes que buscam o poder prometendo retribuição a alguns grupos e benefícios a outros, porque essa estratégia retórica costuma ser uma precursora de violações explícitas das instituições democráticas.

Da mesma forma, a formulação das perguntas é projetada para permitir que os entrevistados confiem em suas próprias ideias sobre o significado de “valores americanos” e “pessoas como você”. Nosso interesse era o que as pessoas permitiriam que os líderes fizessem para proteger sua ideia da América e dos americanos com quem se identificam.

Com isso, os autores descobriram que as pessoas que desejam esse tipo de liderança protetora, mas antidemocrática, eram de longe as mais inclinadas a querer líderes que tomassem medidas decisivas e intransigentes. “Essas pessoas não queriam apenas que seu lado ganhasse uma competição política pelo poder. Eles estavam literalmente dispostos a dizer que ‘dobrariam as regras’ para fazer isso, uma clara violação do ideal democrático de que todos devem seguir as mesmas regras”, explicam os pesquisadores.

Para cada item, descobriram que pelo menos um terço das pessoas que entrevistaram concordaram ou concordariam fortemente com essas violações sutis ou explícitas das normas democráticas.

Em todo o espectro político

Declarações antidemocráticas são adotadas por membros de ambos os partidos americanos, mas mais comumente pelos republicanos.

Por exemplo, cerca de 90% dos republicanos apoiariam líderes duros que reprimem grupos que “minam os valores americanos” – não importa como os entrevistados da pesquisa definam esses valores. Mais da metade dos democratas adotam a mesma posição. Talvez ainda mais notável, quase metade dos cidadãos que apoiam fortemente o Partido Republicano e mais de um terço daqueles que apoiam fortemente o Partido Democrata endossam a visão de que é aceitável “quebrar as regras” para que pessoas como eles alcancem objetivos políticos.

Isso ecoa outra pesquisa que descobriu que os americanos, em ambos os lados do corredor político, estão dispostos a sacrificar princípios e práticas democráticas se isso significar que seu partido político vencerá as eleições.

Um apetite por proteção

Os autores considera que a chave para entender essas visões é o desejo de proteção. “Muitos americanos veem os do outro partido como ameaças existenciais ao país – e também de mente fechada, desonestos, imorais e pouco inteligentes. Tudo isso coexiste com evidências crescentes de que mais pessoas estão dispostas a apoiar a violência política em certas circunstâncias”, dizem eles.

Muitos cidadãos preferem líderes dispostos a minar a democracia se isso significar proteger pessoas como eles de grupos que ameaçam seus valores ou status. Embora a maioria dos americanos não adote essas crenças, uma parte substancial do país o faz.