Demanda do SUS garante êxito de complexo industrial de saúde

Especialistas apontam necessidades estratégicas para um Complexo Econômico-Industrial da Saúde, que o governo Lula pretende resgatar no País.

Indústria farmacêutica brasileira tem forte dependência de insumos importados

Uma iniciativa interministerial retomou a agenda de fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde para reduzir a dependência do Brasil de produção farmacêutica e de equipamentos médicos importados, e assegurar acesso universal à saúde. É um setor estratégico para a reindustrialização do país e cuja fragilidade ficou ainda mais evidente durante a pandemia de Covid-19.

A expectativa é que, em até dez anos, 70% das necessidades do SUS em medicamentos, equipamentos, vacinas e outros materiais médicos passem a ser produzidos no país. Embora responda por 10% do PIB, a saúde possui déficit comercial crescente e atingiu recorde de US$ 20 bilhões em importações. 

Para viabilizar a expansão da produção nacional, o Ministério da Saúde articula uma ação interministerial e um amplo programa de investimentos voltados à inovação, tecnologia e ao desenvolvimento regional. Uma das ações imediatas mais estratégicas para a reconstrução desta agenda foi a criação do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS), que ficou enfraquecido nos últimos anos. O Geceis sucede o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde, extinto no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Para analisar a importância e os desafios desta iniciativa, o Portal Vermelho consultou a conselheira nacional de Saúde (CNS) e sindicalista da Fenafar (Federação Nacional dos Farmacêuticos), Débora Melecchi, e o médico sanitarista e professor da USP, Gonzalo Vecina Neto.

Importância nacional

Vecina vê chance de um Complexo Econômico-Industrial da Saúde dar certo, pela dimensão da demanda que terá. “O SUS transforma em consumidores 210 milhões de brasileiros. Tem um imenso valor de mercado a ser negociado”, afirmou, ressaltando, no entanto, que externamente, o Brasil representa apenas 3% a 4% do que é produzido no mundo. 

Débora, por outro lado, destaca o compromisso do governo federal com um projeto de desenvolvimento e geração de renda para o país. “O complexo se traduz neste olhar indissociável da economia da saúde, numa lógica de um grande guarda-chuva, que possibilita a articulação de políticas públicas, como ciência tecnologia e inovação, assistência farmacêutica. Sem esquecer da atenção básica em saúde, além do olhar para a soberania nacional e geração de empregos com vagas qualificadas, que resultam em PIB para o país”, completou.

O médico infectologista Marcos Boulos também opinou que está otimista com a equipe do novo Ministério, “com pessoas que trabalham com desenvolvimento de tecnologia de saúde”. “É muito saudável e espero que continuemos avançados neste setor”, declarou.

“Nós somos dependentes da biotecnologia internacional, por isso pagamos tudo em dólar. Imagine o gasto que foi com respiradores, que nos importamos por causa da pandemia de covid-19!”, afirmou Boulos. Ele considera esse um problema crônico no Brasil, por isso defende que é necessário o investimento em tecnologia de saúde para diminuir os gastos e fazer com que os brasileiros também produzam pesquisa de qualidade.

Prioridades estratégicas

A complexidade da iniciativa parece estar nas prioridades e questões estratégicas. A sindicalista é cautelosa em apontar que as prioridades requerem articulação num grande diagnostico dos “nós críticos do país, tendo a perspectiva de uma análise situacional das necessidades dos próximos meses”. “As prioridades dependem dos desmontes pelos quais passamos, e as reais necessidades sociais”, sinalizou. Mas ela citou a dependência externa dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs) e da produção de medicamentos para doenças raras e negligenciadas, que a indústria privada não tem interesse, devido à baixa lucratividade.

Vecina, por sua vez, citou o caso da insulina, que ameaça se tornar escassa nos estoques públicos e privados. “Nós consumimos 3% da insulina do mundo. Mas uma das quatro multinacionais de fabricação de insulina, a Novo Nordisk, comprou e fechou a Biobras, porque é dona de 15% do mercado mundial de insulina e não precisava dela. Nós que precisávamos”, lamentou. 

Para o sanitarista, é preciso haver uma política pública para olhar para o setor e dizer “isto vale a pena apostar”. Ele defendeu que a aposta precisa ter garantia de mercado e proteção mínima. “Estas quatro multinacionais fazem dumping e precisamos proteger minimamente a fábrica local dos tubarões. E criar incentivos quando a produção local é estratégica, como no caso da insulina”, explicou.

Ele citou o exemplo da parceria de desenvolvimento produtivo, feita em 2007, que permitiu que farmacêuticas como Crystalia, Libbs e EMS fabricassem produtos “ultracaros” que eram importados. “Tudo isso precisa de inteligência estratégica do estado do governo de plantão”, afirmou. 

Ele avaliou como positiva a junção de inteligências no Geceis, mas pediu atenção ao perfil “muito estatista” de uma parte do grupo, devido às dificuldades que os 21 laboratórios estatais sofrem com a administração pública, “excluindo o Butantan e a Fiocruz, que têm um braço privado que permite que as coisas andem”.

O desafio da indústria química

Apesar da dependência externa dos IFAS, Vecina considera um desafio a ser avaliado a fabricação desses insumos farmacêuticos no Brasil. Segundo ele, trata-s ele uma “indústria química suja”, num país que preza pela proteção ao meio ambiente. 

“A indústria de IFA do mundo inteiro foi parar principalmente na Índia, e um pouco na China, porque eles não têm cuidado com o meio ambiente deles e nem com a saúde do trabalhador. Produzir IFA no brasil pode ser muito caro, por causa do custo do meio ambiente e da mão de obra”, ponderou. 

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