A gestão social em ações coletivas da sociedade civil na região do Cariri-CE

Para essas organizações que possuem fins não econômicos, a ciência da administração propõe uma nova lógica de gestão: a Gestão Social. O conceito traz consigo uma discussão, ainda sem consenso.

Arquivo: Coletivo Camaradas

Este artigo tem como base uma pesquisa realizada sobre organizações oriundas da sociedade civil atuantes na região do Cariri, no estado do Ceará. Uma delas foi o Coletivo Camaradas. Fundado em 2007, na cidade do Crato, com a visão de ser uma organização política, de esquerda, de viés marxista, com atuação no campo das artes e da cultura, de base comunitária e na organização popular e congregando pessoas de várias áreas do conhecimento. Para essas organizações que possuem fins não econômicos, a ciência da administração propõe uma nova lógica de gestão: a Gestão Social. O conceito traz consigo uma discussão, ainda sem consenso formado, e que carece de uma maior precisão conceitual. Geralmente, está relacionada a como gerir os recursos de organizações e iniciativas que não se encontram delimitadas pelas características dos primeiro e segundo setores da sociedade e não se fundamenta em processos gerenciais tradicionais. Existem autores que acreditam que a Gestão Social é exercida apenas por atores sociais ou pela administração pública ao promover mecanismos de participação cidadã até mesmo por instituições da iniciativa privada (FRANÇA FILHO, 2008; FISCHER, 2002).

As perspectivas conceituais da Gestão Social podem ser consideradas como sendo genuinamente latino-americanas, predominando, em termos quantitativos, as pesquisas brasileiras e que se inicia no contexto das lutas sociais que objetivam promover mudanças políticas, econômicas e ambientais. Essas mobilizações surgem da atuação de diversos atores sociais e são viabilizadas através de diferentes formas (inter)organizacionais que buscam novos modos e finalidades para a gestão (TENÓRIO; ARAÚJO, 2021). Schommer e França Filho (2008) sugerem que a Gestão Social está relacionada à gestão das demandas e necessidades do social, e se concretiza pela dinâmica política de auto-organização da sociedade civil. Segundo os autores, essas formas de auto-organização, que surgem e possibilitam uma sociedade mais democrática, interagem entre si, com a administração pública e, em condições específicas, com o próprio mercado.

Sendo assim, após a redemocratização brasileira, tornam-se protagonistas os movimentos autogerenciados advindos da sociedade civil. Schommer e França Filho (2008) apontam que esses movimentos se organizam, inicialmente, a partir das interações entre pessoas em torno de um empreendimento coletivo, de objetivos compartilhados, partindo de necessidades e desejos comuns. Tais movimentos, desenvolvem assim, um ambiente particular, composto por elementos específicos: linguagem, instrumentos e modos de fazer próprios (SCHOMMER; FRANÇA FILHO, 2006). Dessa forma, o modo de gestão utilizado por esses grupos tende a gerar novos princípios de comportamento econômico, que em vez de se preocupar apenas com as leis da oferta e procura, passa a entender que solidariedade e economia podem caminhar juntas.

A Gestão Social permanece dando ênfase àquelas organizações que apresentam estruturas formais e institucionalizadas, e deixam de lado os movimentos sociais e coletivos que, apesar de serem menos estruturados, detêm importância política, social e cultural em suas localidades (TEODÓSIO, 2014). Por isso, essa pesquisa se debruçou sobre o estudo dos coletivos urbanos, os quais não só possuem demandas e/ou projetos políticos de caráter mais flexível, colaborativo e que possuem um impacto transversal, como também, ao se articularem com outros coletivos, organizações de movimentos sociais, com a esfera institucional ou com setores produtivos, podem se reestruturar ou mesmo dar origem a outras formas organizacionais (MARQUES; MARX, 2020).

A metodologia utilizada combinou a utilização da observação junto a atuação do Coletivo Camaradas com a comunidade, com a realização de entrevistas semi-estruturadas com o fundador e membros atuantes no coletivo. Especificamente, por meio da entrevista com o gestor principal, buscou-se entender sistematicamente a dinâmica de funcionamento da organização e a trajetória organizacional, como também as influências históricas e territoriais que o coletivo sofreu ao longo do tempo de existência. Além disso, obter uma compreensão da história de vida do fundador e entender as influências que o coletivo sofreu a partir do contexto histórico da comunidade e do fundador foi essencial para uma análise mais completa do coletivo investigado.

Dessa forma, foi possível constatar, consoante exposto por França Filho (2008), que as parcerias formadas entre os grupos da sociedade civil e entidades públicas visam potencializar a ação dessas iniciativas, indo além da instrumentalização da gestão. Esses arranjos já se mostram efetivos se considerarmos o tempo de existência de organizações como o Coletivo Camaradas e o estreito relacionamento que se estabelece entre ele e a comunidade. Em determinados momentos, essas organizações vão priorizar a sua autonomia administrativa e política frente ao poder público, que na maioria das vezes, ou não reconhece essas iniciativas sociais presentes no seu território, ou de forma diferente, não estarão preocupados em estabelecer um diálogo. Por isso, é possível identificar problemas na tentativa de estabelecimento do diálogo entre organizações sociais e poder público, já que esse último ator nem sempre irá priorizar a escuta das demandas da coletividade.

Outro aspecto que foi identificado no discurso do Coletivo Camaradas foi a emancipação, seja ela individual ou territorial, já que eles sonham justamente com a tomada de consciência por parte da comunidade de que ela deve reivindicar os direitos que possuem por meio de uma participação efetiva na esfera pública, por meio do que eles denominam de “revolução”. Além disso, outro aspecto que surge, principalmente, no discurso do fundador do Coletivo Camaradas é o de que as pessoas possam, por meio do conhecimento adquirido, realizar suas próprias escolhas sem permitir que alguém ou alguma organização possa controlá-las. Segundo os autores Cançado, Tenório e Pereira (2011) para que o conceito se torne uma realidade, é necessário um amplo processo de educação da população, caso contrário servirá apenas para legitimar ainda mais as relações de dominação.

Sintetizando, concluiu-se que os coletivos urbanos, com base nas perspectivas conceituais da Gestão Social, funcionam por meio da solidariedade, do interesse bem compreendido e da tomada de decisão coletiva, tendo como finalidade principal a emancipação dos seus integrantes, da própria organização e do território onde estão localizadas, sendo sempre movidos pela lógica da racionalidade substantiva. Não se busca aqui generalizar o modelo proposto para os demais coletivos urbanos existentes, mas convidar os envolvidos para um diálogo, a partir dos conceitos da Gestão Social, sobre a dinâmica dessas organizações.

Vanessa Veras integra o laboratório de Gestão Inteligente de Cidades da Universidade Estadual do Ceará – UECE.

REFERÊNCIAS

CANÇADO, Airton Cardoso; TENÓRIO, Fernando Guilherme; PEREIRA, José Roberto. Gestão Social: reflexões teóricas e conceituais. Cadernos Ebape.BR, v. 9, p. 681, set. 2011.

FISCHER, Tania. A gestão do desenvolvimento social: agenda em aberto e propostas de qualificação. In: Congresso Internacional del Clad sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. p. 1-16. 2002.

FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Definindo Gestão Social. In: SILVA JÚNIOR, Jeová Torres; MÂSIH, Rogério Teixeira; CANÇADO, Airton Cardoso; SCHOMMER, Paula Chies. Gestão Social: práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2008. 27-37 p.

MARQUES, Marcelo de Souza; MARX, Vanessa. Os coletivos em cena: algumas contribuições para o debate. Simbiótica, v. 7, n. 3, p. 8-32, jul-dez. 2020.

TENÓRIO, Fernando Guilherme. A trajetória do programa de estudos em Gestão Social (PEGS). Revista de Administração Pública, v. 40, p. 1145-1162, nov-dez. 2006.

TEODÓSIO, Armindo dos Santos de Sousa. Organizações da sociedade civil. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org.). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: Coleção Observatório da Formação em Gestão Social/UFBA, 2014. p. 128-132.