Amorim alerta que Ocidente precisa ouvir a Rússia para evitar conflito maior

O assessor especial de Lula fez paralelos entre o cenário atual e aquele que antecedeu a 2a. Guerra, agora, sob risco da ameaça nuclear.

Celso Amorim, assessor de Lula para política exterior, em reunião com governo da Ucrânia. Foto: divulgação/Governo da Ucrânia

Em poucas palavras a Brian Harris, correspondente do Financial Times, em São Paulo, o chefe da Assessoria Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, foi direto ao ponto em expressar o que poucos têm coragem de falar abertamente na imprensa ocidental.

Enquanto os líderes dos países mais ricos e influentes do Ocidente fecham todo e qualquer canal de diálogo com Vladimir Putin, tornando seus representantes párias em organismos multilaterais, Amorim comparece na manchete do FT alertando para a necessidade das “preocupações russas” com a Ucrânia “ser levadas em conta”. 

Putin foi ignorado por anos, sempre que falava de sua preocupação com a segurança nacional, conforme o crescente cerco de suas fronteiras era feito pela instalação de bases da OTAN (o exército europeu criado na guerra fria contra a união soviética). Quando a Ucrânia provocou a Rússia afirmando sua vontade de abrigar uma base militar, Putin ainda tentou fazer valer sua reivindicação.

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Tratado de Versalhes

Ao recomendar a atenção às demandas russas, o assessor de Lula foi mais longe e advertiu que a postura dos líderes ocidentais pode provocar um conflito mais amplo, tecendo uma comparação entre o cenário atual e aquele que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Para ele, ao ouvir as “preocupações” de Putin, o Ocidente pode “impedir o escorregão em direção a uma paz dos vencedores na Ucrânia ao estilo do Tratado de Versalhes”.

Com isso, Amorim admite que a guerra pode até chegar a um cenário de derrota russa total em algum momento, com o recrudescimento da ajuda militar a Volodymyr Zelensky. Líderes ocidentais expressam sua vontade de humilhar Moscou. Mas como aconteceu com a Alemanha, no final da Primeira Guerra Mundial, o resultado pode levar a uma ampliação do conflito.

“Lembro-me da situação na Alemanha após a primeira guerra mundial: o objetivo era enfraquecer a Alemanha no [Tratado de] Versalhes e sabemos aonde isso levou.” Diz ele, referindo-se ao cenário de humilhação da Alemanha derrotada, que estimulou o surgimento de uma liderança como Adolf Hitler que estimulou o nacionalismo alemão e a invasão insana de toda a Europa. Numa época em que armas nucleares não eram uma ameaça.

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“Não queremos uma terceira guerra mundial. E mesmo que não tenhamos isso, não queremos uma nova guerra fria”, disse Amorim ao Financial Times. “Todas as preocupações dos países da região devem ser levadas em consideração, se você quer a paz. A única outra alternativa é a vitória militar total contra a Rússia. Você sabe o que vem depois? Eu não.”

Este tom de apontar para o inimaginável não parece descabido, se considerarmos que, em muitas décadas, nenhum conflito chegou a extrapolar os patamares deste, ao provocar reações beligerantes de tantos países diferentes. A dissolução da Iugoslávia, por exemplo, acabou se restringindo a um conflito regional, ainda que no coração da Europa.

Amorim também procura repelir raciocínios que tratam a Rússia e Putin pelo que ocorre a um ano e meio após a invasão da Ucrânia. Esta é também uma forma de relembrar os tratados feitos com a Rússia, que não foram cumpridos, e as hostilidades crescentes da Ucrânia, desde a revolução colorida de 2014. Até então, o país tinha uma alinhamento claro com os interesses de Moscou.

“Não podemos julgar a situação pelos últimos 1,5 anos. Esta é uma situação de décadas. [A Rússia tem] preocupações que devem ser levadas em consideração. Isso não é culpa da Ucrânia. A Ucrânia é uma vítima, uma vítima dos resquícios da Guerra Fria”.

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A neutralidade brasileira

A contato de Harris com Amorim para por aqui. O restante do texto procura investigar as diversas manifestações do governo brasileiro sobre a guerra, desde o governo Bolsonaro até as declarações de Lula.

Menciona, portanto, a resolução contra Moscou aprovada na ONU com a ajuda do Brasil. Mas reafirma as desconfianças dos países desenvolvidos com uma suposta posição pró-Rússia de Lula ou a repetição de propaganda russa e chinesa. Esta é, aliás, uma forma de silenciar as demandas russas.

No entanto, o jornalista entrevista Paulo Velasco (UERJ), que ressalta o fato da abordagem de Lula para o conflito na Ucrânia estar em linha com a tradicional diplomacia brasileira, que evita “posições extremas que possam comprometer os esforços para chegar a um entendimento”.

“O Brasil acredita que as sanções raramente são o melhor caminho”, disse Velasco. “Eles tendem a isolar o Estado que se envolve em comportamentos desviantes, minando sua confiança na comunidade internacional, que é essencial para chegar a acordos pacíficos.”

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Já, Oliver Stuenkel (FGV), destaca o fato dos países não-alinhados contra a Rússia estarem defendendo seus interesses comerciais mais pragmáticos. A presença do Brasil e da Rússia nos BRICs seriam uma justificativa clara para estes laços, assim como um contraponto importante à dominação econômica das potências ocidentais.

A reportagem coloca na conta de Zelensky o não-encontro com Lula em Hiroshima, ao citar a justificativa do Itamaraty após o atraso do presidente ucraniano.

O texto ainda lembrou o legado do envolvimento dos Estados Unidos na América Latina durante a Guerra Fria como uma possível motivação para a postura brasileira confrontar Washington. Ele cita Amorim, que negou que isso tenha influenciado a visão de Lula, destacando as “boas relações” do Brasil com os EUA e que a segunda visita de Estado do presidente foi à capital americana.

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