Recessão na Alemanha aprofunda crise e pode fortalecer extrema direita

Maior economia da Europa encolhe pelo segundo ano seguido. Indústria sofre, custo de vida sobe e AfD se beneficia do descontentamento social às vésperas das eleições

A fábrica da BASF em Ludwigshafen, um dos pilares da indústria química alemã, enfrenta cortes na produção em meio à recessão. O alto custo da energia e a perda de competitividade agravam a crise econômica, aprofundando a instabilidade política e impulsionando a extrema direita no país Foto: BASF/ SE

A economia da Alemanha entrou em retração pelo segundo ano consecutivo. Segundo dados divulgados pelo Escritório Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis, na sigla em alemão), o Produto Interno Bruto (PIB) do país caiu 0,2% no quarto trimestre de 2024, na comparação com o período anterior.

A queda da economia no último quarto do ano passado consolidou a contração anual de 0,2% em relação a 2023. A piora nos indicadores econômicos intensifica a crise política que atinge a maior economia da Europa, alimentando o discurso de insatisfação social que impulsiona a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema direita, às vésperas das eleições de fevereiro.

A crise econômica se desenrola em um cenário de instabilidade política. Em novembro, a coalizão governista liderada pelo chanceler Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemã), desmoronou após a recusa do Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) em apoiar o orçamento de 2025, marcando o colapso político que levou à antecipação das eleições.

Os sociais-democratas e os Verdes defendem investimento estatal para alavancar a economia do país, enquanto os liberais dogmatizam a austeridade fiscal, o que aprofundou a crise política e a fragmentação da coalizão.

A ruptura da coalizão não apenas levou o governo ao colapso, mas também permitiu que a AfD alcançasse sua primeira vitória no Bundestag ao apoiar uma moção da CDU sobre políticas de imigração, demonstrando a radicalização da direita tradicional.

O gesto ficou conhecido como “Freibrief de Merz”, referindo-se à permissividade do líder conservador Friedrich Merz ao aceitar votos da extrema direita, o que rompeu uma tradição política na Alemanha. Merz lidera as pesquisas de intenção de voto, ao mesmo tempo que sucumbe a pressões eleitoreiras pelo pacote anti-imigração.

A retração econômica já era prevista por analistas, mas a contração maior do que o esperado evidencia a fragilidade da economia alemã. Segundo a Federação das Indústrias Alemãs (BDI, na sigla em alemão), a situação é a pior desde a reunificação em 1990.

Setores da industria com uso intensivo de energia sofreram uma forte queda desde o início da guerra na Ucrânia, afetados pelo aumento nos custos energéticos e pela interrupção no fornecimento de insumos russos.

A retração econômica tem atingido especialmente as indústrias altamente dependentes de energia, como os setores de papel, vidro, aço e produtos químicos.

Desde o início do conflito, essas indústrias registraram uma queda de aproximadamente 20% na produção. A elevação dos preços do gás natural e da eletricidade comprometeu a competitividade da indústria alemã, que historicamente depende de energia barata para manter sua posição de liderança na Europa.

O cenário de incerteza tem levado muitas empresas a reduzir investimentos e até mesmo considerar realocar parte da produção para países com custos energéticos mais baixos. Segundo uma pesquisa da Confederação das Câmaras de Comércio e Indústria Alemãs (DIHK), 45% das empresas intensivas em energia avaliam diminuir ou transferir suas operações para o exterior.

O impacto é visível na indústria química, um dos pilares da economia alemã, onde multinacionais como a BASF já anunciaram cortes significativos na produção local. A fragilidade desses setores reforça os temores de uma desindustrialização progressiva, aprofundando ainda mais o quadro recessivo do país.

Alemanha arrasta economia da Zona do Euro e amplia instabilidade política no bloco

A recessão alemã ocorre e contribui com o momento de estagnação econômica na Zona do Euro, evidenciando um cenário preocupante para a economia do continente, como destaca a análise sobre os desafios enfrentados pelos países do G7.

De acordo com o Eurostat, o PIB do bloco ficou estagnado no quarto trimestre de 2024, com a França também registrando retração de 0,1% e a Itália não apresentando crescimento no período. A Espanha, por outro lado, se destacou com alta de 0,8%, tornando-se uma das poucas grandes economias europeias a expandir.

A crise econômica alemã tem efeitos que vão além das fronteiras do país. A Alemanha, como maior economia do bloco, influencia diretamente o desempenho econômico europeu.

Os líderes europeus Ursula von der Leyen (União Europeia), Emmanuel Macron (França), Olaf Scholz (Alemanha) e Pedro Sánchez (Espanha) enfrentam um momento de estagnação econômica e instabilidade política no bloco. Com a recessão na Alemanha arrastando a economia da Zona do Euro, o avanço da extrema direita e as tensões geopolíticas ampliam os desafios para a União Europeia. Foto: Reprodução

A perda de dinamismo da sua indústria e o recuo nas exportações pressionam as cadeias produtivas da região e ampliam o pessimismo entre investidores. Além disso, os altos custos de energia e a rigidez fiscal imposta pelo governo após o colapso da coalizão semáforo aumentam a vulnerabilidade do país a um ciclo recessivo mais prolongado.

O impacto da guerra na Ucrânia também se reflete na economia europeia como um todo, mas na Alemanha os efeitos foram especialmente severos. 

Berlim direcionou bilhões de euros para apoio militar e financeiro a Kiev, enquanto ampliava seu orçamento de Defesa para atender às exigências da OTAN, sobretudo com as pressões de Donald Trump. 

Apenas em 2024, o país destinou 2% do PIB para gastos militares, o que ocorre em meio a um quadro de recessão técnica e inflação para a população.

O custo energético também foi determinante para a recessão. Com o fim do fornecimento de gás russo, a Alemanha passou a depender de fontes energéticas mais caras, pressionando a inflação e encarecendo a produção industrial. 

A combinação de crise econômica e instabilidade política gera um alerta para toda a União Europeia. Países como França, Itália e Holanda enfrentam o avanço da extrema direita, que se aproveita da insatisfação social para consolidar sua presença política. A eleição alemã de fevereiro poderá ter desdobramentos que extrapolam as fronteiras do país, influenciando o futuro do bloco em um momento crítico para a economia europeia.

Recessão e insegurança social como catalisadores da extrema direita

A instabilidade econômica tem sido um combustível para a insatisfação social e a radicalização política na Alemanha e no mundo. O aumento do custo de vida, a precarização do mercado de trabalho e a turbulência nos serviços públicos em algumas regiões geraram um ambiente fértil para discursos xenófobos e ultranacionalistas.

Pesquisas indicam que a AfD está consolidada como a segunda força política do país, ameaçando a hegemonia da CDU no espectro conservador, um fenômeno que tem sido impulsionado por a influência direta de Elon Musk no cenário eleitoral. O partido aproveita-se do medo econômico para difundir teses conspiratórias contra migrantes, sugerindo que o governo social-democrata prioriza estrangeiros em detrimento da população nativa.

A recessão alemã, aliada à fragmentação da direita tradicional, cria um cenário de alerta para analistas políticos, que veem paralelos entre a crise atual e momentos históricos que antecederam retrocessos democráticos na Europa.

A resposta da sociedade civil

A reconfiguração do cenário político alemão gerou uma resposta contundente da sociedade civil. No último fim de semana, protestos reuniram milhares de pessoas em diversas cidades do país, com a manifestação “Wir sind die Brandmauer!” (Nós somos a barreirande fogo, em tradução livre e em referência ao cordão sanitário contra a AfD) reunindo 200.000 em Berlim. O futebol também foi palco de protestos, com torcidas do Werder Bremen e Bayern de Munique exibindo faixas contra a siglande extrema direita e alertando para o crescimento da nazifascismo no Dia Internacional da Memória do Holocausto.

Os protestos fazem parte de uma mobilização crescente contra o avanço da extrema direita, como destaca a cobertura dos atos pelo país.

A recessão alemã, somada à instabilidade política, está redesenhando o equilíbrio de forças do país. A CDU, em crise de identidade, precisa decidir se manterá sua posição tradicional ou se continuará seu movimento de aproximação com a AfD. Enquanto isso, a esquerda busca se reorganizar e conter o avanço da extrema direita, que utiliza a crise econômica como trampolim para seu projeto político.

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