Greve de entregadores põe em xeque precarização do trabalho por plataformas
Em meio à explosão de protestos, categoria exige reajuste de tarifas, segurança e regulamentação urgente
Publicado 10/04/2025 18:00 | Editado 12/04/2025 13:39

Na edição do Entrelinhas Vermelhas desta quinta (10), Walter Ferreira (presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Rio Grande do Sul) e Felipe Bruner Moda (doutorando em sociologia da Unifesp) debatem o Breque dos Apps, a paralisação nacional de entregadores que reuniu milhares no dia 31 de março. A categoria exige melhores remunerações, fim das suspensões arbitrárias e reconhecimento de direitos trabalhistas. A mobilização denuncia a queda vertiginosa nos ganhos: uma entrega de 3 quilômetros, que pagava R$ 12 em 2015, hoje vale R$ 6,50.
Enquanto empresas investem em inteligência artificial para cortar custos, trabalhadores apostam na mobilização. Uma nova paralisação já está em discussão para 23 de abril. “A pressão sobre os apps precisa continuar. Eles só entendem o recado quando mexemos no bolso”, disse Walter. Felipe alertou: “Sem regulamentação, a exploração vai se aprofundar. O Breque não é só por melhores condições, mas por um projeto de país”.
Assista a íntegra das entrevistas:
Justiça e STF: barreiras à organização
Walter Ferreira resume: “Somos tratados como números. Eles comemoram lucros bilionários, enquanto nós sangramos no asfalto.”
O líder sindical destaca que o trabalho por plataforma é a forma mais extrema de precarização no país. “Os entregadores não têm vínculo empregatício, não recebem benefícios e são punidos por motivos banais, como atrasos na entrega causados por supermercados”, afirmou. Dados do IBGE revelam que 95% dos trabalhadores por app são entregadores ou motoristas, o que torna a categoria símbolo da luta por direitos.
Ainda segundo o IBGE, 1,7% da população ativa já está subordinada a plataformas – tendência que avança para setores como saúde e educação
Felipe Moda criticou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que nega vínculo empregatício entre plataformas e trabalhadores. “A CLT é clara: trabalho mediado por apps gera vínculo. Mas o STF prioriza o mercado”, disse. Walter complementou: “Ganhamos ações em primeira instância, mas o STF derruba. As plataformas cobram até 39% do valor das entregas em taxas, mas não contribuem para a Previdência”.
Precarização em alta: O custo humano por trás do delivery
Moda relaciona a precarização à herança escravocrata do Brasil. “Muitos preferem os apps a empregos formais que os humilham. É uma tragédia que a informalidade seja vista como ‘liberdade'”, analisa. Walter concorda: “Patrões tradicionais xingam e exploram. Os apps, não. Mas isso não justifica a ausência de direitos”.
Moda destaca: “É o uberização da miséria: competição entre trabalhadores, salários abaixo do mínimo e zero proteção social.”
A escalada da informalidade revela um cenário alarmante:
- Riscos físicos: Acidentes triplicaram desde 2020, com jovens entre 18 e 25 anos como principais vítimas;
- Exploração econômica: Trabalhadores arcam com custos de combustível, manutenção e seguros, enquanto plataformas faturam R$ 24,5 bilhões em 2023;
- Humilhação sistêmica: Suspensões automáticas por atrasos, assédio de clientes e bloqueios sem direito à defesa.
Sindicalização frágil e estratégias de resistência
A categoria enfrenta divisões internas. Lideranças digitais, com milhares de seguidores, muitas vezes desdenham de sindicatos, enquanto entidades históricas lutam por espaço. Ferreira admite: “Precisamos sair das salas de reunião e ir para as ruas. Só unidos venceremos esse massacre.”
A taxa de sindicalização no Brasil está em 8,4%, a mais baixa da história. “É um desafio mobilizar trabalhadores que não se veem como classe”, disse Felipe. Walter destacou ações do sindicato: “Negociamos com o Ministério do Trabalho, mas as plataformas desistem quando percebem que terão de cumprir leis”.
Moda complementa: “As plataformas estimulam o individualismo, mas a greve mostrou que a solidariedade ainda resiste.”
O que os entregadores exigem?
A pauta unificada inclui:
- Tarifa mínima de R$ 15 por entrega (atualmente R$ 6,50);
- Seguro de vida e auxílio-acidente;
- Fim das suspensões arbitrárias;
- Reconhecimento de vínculo empregatício (hoje negado por plataformas e STF).
Walter Ferreira reforça: “Não queremos esmola. Queremos o direito de não morrer por um lanche de R$ 30.”
Para Moda, a saída está na pressão social: “Se o consumidor apoiar boicotes e exigir tarifas justas, o modelo atual não sobrevive.”
Enquanto isso, Ferreira faz um apelo final: “Governo, ouça nosso grito antes que o asfalto vire um cemitério de sonhos.”