“Ruído”: Um retrato da dor e do luto inconcluso

A fala e a expressão de enorme sofrimento da protagonista central, é uma das características marcantes da película.

Depois de 10 anos de reflexão e, com certeza, de pesquisa, a diretora mexicana Natalia Beristain apresenta o filme “Ruído”, que aborda a dor intensa e o sentimento agudo pelo desaparecimento de mulheres no México. Ela afirma que:“falamos de números de desaparecidos e desaparecidas, estamos falando de histórias de vida, famílias desfeitas e dores indescritíveis”.

A impactante história registra um caso real em que desde a primeira cena na abertura da película, se destaca a participação brilhante da atriz Julieta Egurrola como Julia, mãe de dois filhos e que vive o luto suspenso pelo desaparecimento de sua filha Gertrudis (Ger) de 25 anos. No filme não há trilha sonora, mas ruídos que acompanham quase que a totalidade das cenas, trazendo uma sensação enervante e de impotência para Julia que é tocada pelos ruídos e envolvendo de forma intensa quem o assiste. A fala e a expressão de enorme sofrimento da protagonista central, é uma das características marcantes da película.

O longa-metragem engloba o sentimento de ausência da filha de Julia, desaparecida há longos nove meses, a esperança e desesperança de encontrá-la como da persistência na busca da desaparecida e de indignação quanto a inoperância do Estado. A onda de violência causada pelo tráfico humano e de drogas, a corrupção, a negligência e a omissão das autoridades são angustiantes. A violência não termina no desaparecimento, ela recomeça em cada repartição pública durante esse processo. Também mostra a mobilização e protestos de milhares de mulheres, a maioria jovens denunciando o estado opressor e patriarcal que não resolve os crimes de feminicídio, de tráfico de mulheres. Palavras de ordem: “Cada pessoa desaparecida faz parte do nosso corpo”, “justiça” e “você não está só”, entre outras, circundam e unem Julia às manifestantes do movimento feminista, sendo uma das poucas cenas, se não a única, em que Julia se mostra confiante e co-participante de sua história. Ela não está só!

Leia também: Ausência de políticas às mulheres aumentou feminicídio no país

A diretora afirma que o filme busca mostrar os laços e o papel da sociedade civil, do feminismo que tem tido um relevante papel na denúncia da dor vivida por familiares e que essa união recolocam a esperança na humanidade. Os familiares, a maioria mulheres, vão da esperança à resignação em uma busca eterna em um padecimento que não tem fim, tornando-se o único objetivo de suas vidas. O longa disponível na Netflix sensibiliza e aumenta nossa agonia e esperança de que haverá uma solução.

Segundo informa o site g1.globo.mundo, as mulheres no estado do México, morrem em um ritmo assombroso, tendo uma cifra de mais de mil assassinatos de mulheres no ano de 2022, tornando-se um problema de saúde pública, e um retrato do machismo cultural, à desigualdade de gênero, à misoginia e um resultado de um estado inoperante, composto por autoridades que revitimizam as mulheres. Desde 2007 o México conta com a Lei Geral de Acesso das mulheres a uma vida livre de violência, que coíbe o crime de feminicídio. No entanto, os crimes estão longe de serem evitados e de serem punidos.

O Brasil convive com elevadas estatísticas de violências cotidianas praticadas contra as mulheres – o que resulta em um destaque perverso no cenário mundial: é o 5º país com maior taxa de homicídio de mulheres. Fato intolerável é uma mulher ser assassinada no Brasil a cada 2 horas e vítima de feminicídio a cada 7 horas. E a cada 10 minutos uma mulher é vítima de estupro. A maioria, vítima de feminicídio – morte de mulheres por discriminação de gênero ou machismo – em razão de uma cultura misógina e sexista, ofensivamente conivente com os agressores. É por isso que, mesmo após tanto esforço do ativismo e tantas conquistas dos movimentos sociais, ainda há muito a ser discutido e enfrentado pela sociedade no que diz respeito ao combate às violências contra a mulher e à aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006) e da Lei do Feminicídio (13.104/2015).

Sabemos que a violência de gênero atinge as mulheres de todas as camadas sociais, desde a base até o topo da pirâmide social, mais fortemente contra as mulheres periféricas e negras. Em todas as partes do planeta mulheres são mutiladas, violentadas e assassinadas todos os dias. Essa violência provém da cultura machista e do patriarcado que coloca a mulher em posição de subordinação e subalternidade em relação ao homem.
Ruído, pode ser uma referência para a esmagadora maioria do planeta, em sua particularidade de demonstrar a necessidade do combate a essa violência e opressão sobre as mulheres, sendo um desafio cotidiano para todas e todos que almejam uma sociedade justa, fraterna e igualitária.

Referências:
https://aodisseia.com/ruido-conheca-filme-mexicano-netflix/
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/01/03/feminicidio-no-mexico-um-antigo-problema-ainda-sem-resposta.ghtml
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf

Ficha Técnica Netflix (2022)
Título original: Ruido
Direção: Natalia Beristain
Roteiro: Natalia Beristain, Diego Enrique Osorno, Alo Valenzuela
Duração: 105 minutos
País: Argentina, México
Gênero: drama
Ano: 2022

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor