100.000 mortes em um Brasil menos humano?

Esse século XXI, tão cheio de velhas novidades, requer dos democratas e dos patriotas uma unidade já antes vista, quase uma unidade para tempos de guerra, que consiga juntar os mais variados espectros e cores da nossa ainda jovem democracia.

Há poucos dias alcançamos a marca infeliz de 100.000 brasileiros e brasileiras que vieram a falecer após terem contraído Covid-19. Tal número ecoou em toda a imprensa e atingiu com força o governo Bolsonaro. Tão grave quanto o número foi a tentativa nefasta do bolsonarismo de tentar naturalizar as mortes, o fez tecendo comparações com feminicídio, criminalidade, câncer e outros males em suas redes sociais, disseminando mais mentiras e meias verdades.

Tentar transformar o que era evitável em inevitável é algo abominável, um crime contra a ciência, contra os fatos e contra a vida executado por aqueles que, em defesa de sua narrativa, operam uma oficina de maldades que se presta a qualquer coisa para tentar diminuir o derretimento da imagem, reputação e figura pública do presidente que vai ficando marcado na História da República como o pior governante desde a proclamação de nossa independência de Portugal.

Vivemos em um momento histórico complexo e, ao mesmo tempo, perigoso e desafiador. A História é posta à prova por uma geração que nasceu após o impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo. Impulsionado pelos grupos de WhatsApp, o que deveria ser um salutar questionamento sobre a real consistência ou não de fatos históricos se transformou em uma sandice que tenta reescrever, borrar e apagar qualquer coisa que cause desconforto ou incômodo à narrativa populista tão em voga em nosso século XXI.

Mesmo tendo livros escritos por vários historiadores diferentes, fotos, vídeos, matérias de TV e outros mais, se questiona se realmente vivemos uma ditadura militar por 21 anos, entre outros fatos de nossa História… de fazer doer os ouvidos dos mais velhos que viveram e lutaram para que se pudesse votar, questionar e até mesmo propalar sandices como essas.

A História não é sagrada, cabe sim atualizações e reinterpretações baseadas em pesquisas, documentos e similares, mas não pode ser pautada por vídeos de Youtube ou grupos de redes sociais que se propõe a macular o que não têm competência para tal. Não estudaram isso, não entendem as técnicas, a ciência que há na História, no seu acurado estudo, análise de fatos e documentos, na maneira de ler escritos com as técnicas paleográficas que se estudam nas universidades, de buscar fontes confiáveis e variadas, de analisar autores e pesquisadores diversos, tudo isso em busca de uma construção com sustentação científica, sem “achismos” ou “oportunismos” que também marcam esse momento que vivemos, onde a ciência foi pintada como o inimigo a ser combatido, como se ela tivesse tomado partido a favor da esquerda, como se estudar e buscar dados e elementos que corroborem teses fosse um crime absurdo.

Essa raiva, tão marcante nas hostes populistas e bolsonaristas que assolam o mundo e o Brasil, refletem uma turma triste, com rancor por boa parte do que se produziu até hoje na sociedade enquanto parâmetros de convivência social, tolerância, relações interpessoais, instituições e afins. Para o bem e para o mal a sociedade avançou, a democracia tem vencido, com seus percalços lá e cá, mas esses que se apresentam como a novidade sofrem justamente por não quererem saber da História enquanto algo vivo, dialético.

Ao renegarem a História recaem na célebre frase de Marx que nos dizia que essa só se repete como farsa ou tragédia, por isso tomam atitudes e defendem teses que deixariam Plinio Salgado e seus integralistas corados, exaltam um formato de governante, um mito em si, que nada deve ao que os alemães fizeram com Hitler ao tratá-lo como uma figura sagrada, intocável e inquestionável, destroçando as demais instituições da República e a democracia daquele país, assim como os populistas brasileiros enchem o peito e o fazem nos dias de hoje contra o STF e o Congresso, nada disso é novo.

Esse século XXI, tão cheio de velhas novidades, requer dos democratas e dos patriotas uma unidade já antes vista, quase uma unidade para tempos de guerra, que consiga juntar os mais variados espectros e cores da nossa ainda jovem democracia. Essa união, surpreendentemente, é para defender algo que não deveria ser preciso fazê-lo: a democracia em si, o processo civilizacional descrito por Darcy Ribeiro, Celso Furtado e outros, o Brasil brasileiro, plural, feliz, laico e musical que sempre nos representou, e não essa patota triste, rancorosa e cheia de ódio que se apossou momentaneamente do Palácio do Planalto, esses não governam para os brasileiros, governam contra uma parte do nosso povo, alguns vão tomando pé do que isso representa, ainda que tardiamente. É preciso abraçá-los, acolhe-los, trazê-los para o lado de cá, cerrar fileiras. Por mais piegas que pareça, essa é uma luta do amor contra o ódio, amor pelo Brasil brasileiro, democrático. Pode parecer maniqueísmo ou simplificar algo complexo querer dividir o Brasil de 2020 em apenas dois lados, mas é isso que está dado, e não fomos nós, os que querem um Brasil feliz, que fizemos isso, foram eles e seu comandante em chefe, o único presidente da República que em seu discurso de posse atacou seus opositores diretamente, dividiu em dois o Brasil no primeiro pronunciamento que fez com a faixa presidencial, para sermos novamente um Brasil precisamos de um presidente que fale para todos, que ganhe a eleição e governe para quem o votou nele ou não e não esse arrivista que nem os cachorros e as emas suportam.

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