A dança niilista

O niilismo enquanto vertente filosófica tem muitos usos na contemporaneidade.

Cacuriá é uma dança típica do Maranhão

Em virtude da complexidade de seus atributos morais, mas também em virtude de muitas leituras equivocadas sobre o que na prática (e na teoria) ele realmente significa. E pensar sobre infortúnios da vida, a depender da frequência com que eles acontecem, nos coloca na situação de “por quê?” ou “por que comigo?” ou ainda “qual o sentido disso?”.

A resposta judaico-cristã, que alicerça a socialização primária do Brasil Colônia desde os primórdios da invenção desse país, nos conta que o sofrimento faz parte, ou seja, é uma etapa necessária e circunscrita em um plano meticuloso de redenção. Não há possibilidade de alcançar a felicidade sem que o flagelo nos alcance porque ele é quem dá suporte. É o flagelo (também inspirado no calvário de Cristo) que dará sentido ao estágio supremo de satisfação.

A chinela quebrada na volta para casa debaixo de forte chuva, ou o gás de cozinha findando quando você mais precisa dele. Negativas emocionais, frustrações, e uma série de outros episódios cotidianos que deixam qualquer indivíduo com as mãos no queixo, questionando a si próprio na escala do universo. A resposta niilista clássica para esses eventos é da ausência de fundamento ou de propósito maior. Nesse sentido, não há uma caminhada longilínea e progressista em direção a um ponto mais elevado ou mais esclarecido porque o topo mais elevado é Gólgota. A parada final da caminhada é propriamente a morte.

Ocorre que me coloquei a pensar, como se estivesse contemplando um quadro de Paul Merwart, que os passos dados não são em direção a um ponto futuro mas sim orquestrados em torno de uma dança. O cacuriá niilista. Essa dança típica do Maranhão, que tem suas origens com as festividades do Divino Espírito Santo, nos permite girar e girar sem que nenhum propósito maior seja alcançado. Abraçando a filosofia do absurdo de Albert Camus, o cacuriá niilista proporciona um mergulho em direção ao efêmero enquanto nos proporciona algum vislumbre de felicidade genuína.

A dor emocional que é parida através da angústia no fundo nada mais é do que a dificuldade em aceitar o sofrimento como inerente à existência humana. De Kierkegaard a Camus, de Sartre à Weber. Encarar a magnitude da falta propósito no choro do recém-nascido ou na contemplação de um filme vencedor do Oscar, nas lágrimas de alegria por saber que existe alguém que nos compreender ou no alívio do salário finalmente ter sido depositado na conta ou ainda no teto da varanda desabando e sujando a rede que você lavou um dia desses. A vida é ligeira demais para nos apreendermos a detalhes que, em geral, são os que mais nos assombram.

A casa de Sísifo, no sopé da montanha, já não existe mais. Ela fora destruída tempos atrás (essa é a parte que Homero não nos conta). Sísifo mora na jornada árdua, de empurrar montanha acima sua pedra, dia após dia. E da forma como Camus explicou, ele abraçou o absurdo da vida que tem. O convite para quem chegou até aqui no texto é este: o cacuriá nos salvará da quimera que é a vida.

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