A esperança ainda se equilibra

Tempos duros, estes. Além do permanente e sistemático ataque aos direitos dos trabalhadores, agora a moda é o ataque ao conhecimento. Depois da arte, dos museus, a ofensiva atual é contra a universidade pública. E não é uma ofensiva qualquer. É uma ofensiva armada, com dezenas de policiais federais vestidos como se fossem à guerra, encapuzados, com armamento pesado.

E para quê tudo isso? Para levar à força, arbitrariamente, professores que não ofereciam risco a ninguém, que não se preparavam para fugir, que sequer sabiam que havia um inquérito ou qualquer procedimento judicial contra eles. Sem que fossem intimados previamente a depor, sem que houvesse a recusa de qualquer um, foram arrancados do seu trabalho e das suas casas, e conduzidos por forte aparato policial, como bandidos de alta periculosidade.

Não parece mais se tratar de casos isolados de autoritarismo e de uso arbitrário da lei por membros do judiciário, do Ministério Público ou da Polícia Federal. Parece que assistimos a uma ação orquestrada, de mais largo alcance. São setores determinados a destruir tudo o que represente o pensamento mais avançado. A cultura, a arte, a educação, viraram o inimigo número um de setores que cultuam a ignorância e a imbecilidade.

Não há nada capaz de deter essa sanha ditatorial com verniz moralista. Nem o suicídio do reitor Cancelier, da Universidade Federal de Santa Catarina, inibiu a meganhagem. Escondidos atrás de um véu de hipocrisia que diz combater a corrupção, na verdade esses setores combatem abertamente, utilizando o aparato estatal, pessoas e instituições que pensam e agem diferente deles.

Qualquer pensamento progressista no Brasil de hoje está sujeito a ataques furibundos, que já saíram dos zurros das redes sociais para os relinchos agressivos de tribunais e carceragens. Não demora muito, pelo andar da carruagem, e teremos bandos armados invadindo universidades com o grito de guerra dos franquistas, de “abaixo a inteligência, viva a morte”. Não demora muito, se não reagirmos, assistiremos esses mesmos bandos queimando livros em praça pública.

Enquanto cresce o autoritarismo reina também a desfaçatez. O “brasileiro do ano”, cinicamente, pede ao corrupto mor da república ajuda para combater a corrupção. Os salvadores da pátria que se encastelaram no judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal parecem, cada vez mais, com os inquisidores da igreja medieval. São, talvez, piores do que aqueles. Aqueles, em sua maioria, estavam convictos de que agiam em nome e a serviço de deus. Os inquisidores tupiniquins agem em nome e a serviço de interesses bem menos sagrados.

Tempos duros assim, como estes que vivemos, exigem de nós resistência e luta. Exigem denúncia e ação. Exigem que tomemos posição. Vale lembrar Drummond, vale lembrar que este é um tempo de partido, um tempo em que não somos coisas e por isso nos revoltamos.

É necessário, em tempos assim, que mantenhamos também a esperança. A reação firme e indignada de João Bosco contra a ação policial na Universidade Federal de Minas Gerais, a defesa que ele fez da universidade pública, o repúdio à utilização de um trecho de uma de suas músicas para batizar a operação policial (num escárnio à democracia e aos democratas), nos dá um pouco de alento.

Mesmo diante da rudeza dos tempos em que vivemos, ainda é possível crer que a esperança se equilibra. Na corda cada vez mais bamba da frágil democracia brasileira, a esperança continua a se equilibrar. E no coração dos que não são coisas, como ensinava Drummond, germinam as sementes da esperança e da luta por um novo amanhã.

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