A (falta de) graça das piadas de internet

Em tempos de reconhecida pressão ideológica da televisão e imprensa é lógico optar pela internet, que nos permite escolha de conteúdo. O lazer na rede não é passivo, diferente da TV. Não acessamos sites fascistas, racistas, de pedofilia ou xenofobia se não os procurarmos. Mas com freqüência encontramos, em nossas caixas de entrada, materiais que não solicitamos. São propagandas, power-points, filmetes, e as preconceituosas mas pretensamente engraçadas piadas.

As geralmente desagradáveis piadas típicas da sociedade de poucos ganhadores e muitíssimos perdedores. A sociedade padrão branco, rico, jovem adulto e vencedor é o modelo só pode achar graça em quem não lhe é igual. Portanto, rir de quem não é igual ao padrão pode trazer a quem lhe compartilha a graça alguma identidade e parecença.
 
O desagradável nem ao menos se apresenta como tal. Desagradável pode vir travestido de ingenuidade, de graça. Pode parecer inclusive com lembrança, alguém que está sempre presente. Alguém que nos faz rir um pouco no meio da tensão. Parece natural receber as inevitáveis piadas homofóbicas, racistas, machistas, com seus vídeos pretensamente engraçados, mulheres de grandes peitos de silicone dançando o último reboleichon ou de qualquer outro jeito deplorável. Certo, tem quem goste do reboleichon, mas eu prefiro um Petkovich no youtube desmontando a apresentadora anticomunista. Fantástica cena.

Certo, as vezes aparecem inclusive piadas engraçadas. São poucas. Porque incrivelmente não existem piadas de burgueses, de banqueiros, de machistas, de racistas. Algumas poucas sobre algum governante em especial (Os Bush da vida), apesar de terem sido engraçadas. São poucas, as engraçadas, porque poucas conseguem operar a catarse da legítima comédia.
Piadas chegam a parecer um tipo de bulling social quando provocam o escárnio e o deboche de seu igual. As piadas do português podem ter sido das poucas possíveis reações dos brasileiros subjugados. É fácil de entender: Portugueses dominaram o país, façamos o escárnio do opressor Ponto. Como arma, como desabafo, como reação. Ponto para aquela situação. Passou faz tempo, mas a imagem ficou construída. Outras raças? Melhor a minha. Tem piada de judeu mesquinho, árabe louco, africano selvagem, português babaca e brasileiro esperto. É a louvação do jeitinho brasileiro. O Brasil, um país quase continente, é pródigo nestas "brincadeiras" entre os estados. Em um bar de Aracajú encontrei toalhas com piadas sobre gaúchos. Como encontro piadas de nordestinos em São Paulo, de cariocas em Goiás, de baianos no RS. Como no mundo inteiro se fazem piadas de povos entre povos, notadamente dos classificados de inferiores por quem se julga superior.

Mas o nordestino ou gaúcho da piada não é um tipo qualquer. É geralmente o nordestino pobre, a carioca devassa e o mineiro espertalhão, o gaúcho grosso, o paulista traído, o gordo esfomeado. A piada é feita sobre o perdedor, sobre o diferente do estabelecido. As piadas tratam de quem consideramos inferiores. De quem não merece respeito. De quem deveria "pôr-se em seu lugar". Na piada alguém tem se dar mal para outro alguém tirar vantagem. Com a piada justificam-se os estigmas. E a piada dilui a carga de autocrítica com o preconceito e mantém o conhecido, reforça as identidades grupais e alivia a árdua tarefa da desconstrução dos paradigmas que o capitalismo nos impôs desde o nascimento.

E é desta forma que reproduzimos e mantemos os conceitos. Rindo da graça do preconceito fazemos com que se torne natural, reproduzimos as idéias sem nenhuma autocrítica.

Alimentamos o racismo e o machismo desde nossas crianças, tão engraçadinhas contando a piada da loira e do negrão… Nem de leve se pensa que as loiras são sempre mulheres, os negros sempre estúpidos, os gays sempre fiasquentos e as lésbicas invariavelmente mais másculas do que os caminhoneiros.

Nas piadas, prostitutas podem apanhar. Coerente com o anedotário popular uma ganguezinha de classe média no Rio de Janeiro espancou uma doméstica e justificou: Pensamos que era prostituta. Índios são ignorantes e atrasados: Outro feito, fogueira de índio. Piadas onde todo e qualquer político é um ladrão descarado e contumaz. Bem ao gosto de quem se beneficia com a idéia de já que nenhum presta, tiremos vantagem de algum e pronto! Eis o candidato do dia. Aquele que me dá imediatamente algum ganho pessoal.

Piadas desagradabilíssimas continuam a circular na internet. Pior, circulam porque pessoas de bem, honestas, muitas vezes comprometidas com as lutas as repassam. Pessoas interessantes, que acham graça daquilo que muitas vezes já achamos também. Sem se darem conta da correia que estão alimentando, da importância desta ideologia para quem nos quer dominados, divididos. E rindo, uns de nós de outros nós mesmos. Como bem serve aos que nos oprimem e exploram. E fazemos de graça o serviço de preservar nossa dominação.

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