A fonte pode secar

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(Foto: Agência Brasil)

Durante a última campanha presidencial, jovens que integravam uma das rodas de militantes empenhadas na campanha de Hadadd-Manuela, surpreenderam seus companheiros ao relatarem a aderência da narrativa do então candidato Bolsonaro nos bairros periféricos do Recife.

Da narrativa e do gesto.

Mesmo quando gagueja diante de perguntas ou reconhece que não entende de economia, ele ganha adeptos entre os mais pobres, observaram. Nosso povo também gagueja em situações embaraçosas e não entende de economia…

Além disso, a ira anti-política convencional, que supostamente o candidato envergava, calhava fácil no sentimento de uma imensa maioria hipnotizada pela vigorosa campanha midiática que teve o PT (e a esquerda, por extensão), a prática política dita “velha”, políticos e partidos como alvo.

O ex-capitão surgia como um desengonçado Messias a apontar uma ruptura com o que estava estabelecido e a emergência de um novo ciclo no País.
Venceu.

E desencadeou um novo ciclo, sim – obscurantista, marcadamente fascistóide, movido pelos interesses prioritários do rentismo e pelo desmonte gradativo do Estado Democrático de Direito, das salvaguardas da soberania nacional e dos interesses fundamentais dos trabalhadores.

O porre midiático que visava lastrear o caminho para Alckmin contraditoriamente abriu larga vereda para o ex-capitão e a extrema direita. E para um projeto econômico ultraliberal que mesmo seus próceres mais convictos julgam estar defasado no tempo e nas condições de um mundo em crise econômica sistêmica, agravada com a pandemia.

Os perdedores de 2018 ainda permanecem atordoados. Alguns sequer compreenderam em profundidade a natureza da derrota e a dimensão da luta atual. Teimam em reproduzir fórmulas eleitoreiras que deram certo em passado recente, mas já não repousam sobre terra firme.

O fato é que agora já caminhamos para um novo pleito geral, tendo a presidência da República como cerne da disputa, e o jogo político se desenrola fundamentalmente na superfície, carecendo de bases consistentes.

Nas oposições, a predominância de projetos próprios visando a um primeiro turno (compreendido como alguns como “prévia” para uma unidade mais ampla num eventual segundo turno) e a escassez de entendimento em torno de uma plataforma destinada a vencer eleitoralmente e tirar o País da crise desenham o drama nacional.

Mas a superficialidade também comparece às hostes governistas, pelo menos ao núcleo palaciano que opera o cotidiano com o presidente.

Evidente que os interesses em jogo, empalmados pelo governo, contam com o concurso de muita gente graúda por trás das cortinas. A máquina governamental se move quase que em paralelo às atitudes tresloucadas do presidente.

E aqui e acolá surge uma dissonância grave – como no episódio da substituição do presidente da Petrobras, que deixou o tal Mercado perplexo e irado.

Mas a operação política, incluindo o relacionamento com o Judiciário e o Parlamento e a opinião pública, faz-se pelo presidente e seu núcleo dito “do ódio”.

Daí a repetição, ora mais intensa, ora espaçada, dos rompantes e cacoetes de Bolsonaro na linha do que os jovens da periferia do Recife diziam ter aderência entre os mais pobres (e certamente do gosto também de ampla parcela da pequena burguesia urbana conservadora).

Porém ocupa crescente espaço na cena o tal “general Fome”, cada vez mais intensamente presente nos lares da maioria. A fonte da ilusão pode secar na proporção em que o fogo de monturo da insatisfação libere labaredas de revolta.

Estarão as oposições à altura?

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