A institucionalização das frentes políticas e a gambiarra da Globo

Todo este desespero da família Marinho se justifica, pois sabem que exatamente esta federação é a que avança a passos largos para se concretizar

Partidos debatem a formação da federação (Foto: Humberto Pradera/PSB)

Todas as grandes transformações que ocorreram no Brasil aconteceram em decorrência da constituição de frentes e todos os retrocessos foram consequência de golpes. Para os esquerdistas, tais transformações se caracterizaram por conciliações que atrasaram a luta do povo. Ainda que certo grau de conciliação tenha ocorrido em determinados momentos, o fato é que as transformações corresponderam à correlação de forças de cada momento e para que acontecessem, a política de frentes foi determinante. A formação de frentes políticas ganhou ainda maior força quando, após a Constituição de 1988, quando foi adotado como regime o que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão, ou seja, um presidencialismo onde de fato é assegurada a pluralidade partidária, garantindo às minorias a representação nas casas legislativas.

Ocorre, no entanto, que nas chamadas democracias ocidentais, a pluralidade de representação é própria dos regimes parlamentaristas, assim como a formação de frentes governamentais, pois para constituir os gabinetes de governo é preciso que se constitua uma maioria no parlamento. Quando não se forma uma maioria ou ela se dissolve no decorrer do mandato, ou cai o gabinete de ministros e se procura formar uma nova maioria ou, na impossibilidade desta, são convocadas novas eleições para que o parlamento se recomponha. Não que não ocorram crises políticas e institucionais nesse tipo de regime, mas elas são muito menos traumáticas do que no presidencialismo, onde muitas vezes até pequenas crises resultam em rupturas institucionais. O presidencialismo puro funciona muito bem quando é uma democracia de fachada, como nos Estados Unidos, onde apenas dois partidos que são duas faces de uma mesma moeda se revezam no poder e detém todas as cadeiras no parlamento, decorrente de regras absolutamente excludentes, fazendo com que minorias ou outras correntes de opinião, mesmo tendo liberdade de se organizar, não consigam conquistar espaços institucionais.

O modelo de presidencialismo a partir da Constituição de 88 adotou alguns mecanismos próprios do parlamentarismo. A liberdade de organização partidária foi assegurada, permitindo a todas as legendas concorrerem em um sistema proporcional nas unidades federadas. Desta forma, todas as correntes de opinião ganharam a possibilidade de assegurar sua representação no Congresso, na expectativa de que este refletisse a pluralidade da sociedade brasileira. A possibilidade de os partidos se associarem foi estabelecida pelo mecanismo das coligações eleitorais.

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

As coligações, no entanto, se mostraram um instituto efêmero que na maioria dos casos se estabeleciam no início das campanhas eleitorais e se encerravam no dia da eleição. Ao centro do espectro político se multiplicaram os partidos sem distinção programática, atendendo exclusivamente aos interesses de seus caciques. Em um regime presidencialista, tal situação foi se constituindo em um entrave para a governabilidade, obrigando o ocupante de plantão do Palácio do Planalto a barganhar com estes partidos para assegurar uma maioria no Congresso em um verdadeiro ritual do toma lá, dá cá.

Haroldo Lima, um dos mais ativos constituintes, defendia a adoção do regime parlamentarista. Vitorioso o presidencialismo e muito provavelmente analisando de forma crítica a implementação do modelo adotado, levantou a ideia da constituição de federações de partidos, de forma que as diferentes forças políticas, sem perder a identidade partidária, pudessem se associar segundo afinidades programáticas e ideológicas. Tal configuração responderia não só às necessidades eleitorais partidárias, mas também, e principalmente, propiciaria maior estabilidade à governabilidade. Haroldo chamava tal mecanismo de frente de partidos e chegou a apresentar proposição semelhante ao recentemente aprovado ainda na década de 90. A intenção do parlamentar comunista era institucionalizar as frentes políticas, mecanismo do qual o seu partido, o PCdoB, acumulava grande experiência.

Em 2015, a Comissão de Reforma Política do Senado incorporou a ideia e apresentou projeto de lei instituindo as federações partidárias. A proposição ficou, no entanto, engavetada no Congresso e somente foi a votação, bem como aprovada, por exaustiva articulação da bancada do PCdoB, especialmente de seu líder, o deputado pernambucano Renildo Calheiros.

Bancada do PCdoB comemora no Senado derrubada de veto de Bolsonaro contra federações | Foto: Waldemir Barreto / Agência Senado

O projeto ficou engavetado por tanto tempo porque a solução idealizada pelas forças conservadoras e pelas elites era outra, adotando-se regras excludentes que inviabilizassem eleitoralmente a maioria dos partidos. Pretendiam americanizar o processo brasileiro com a sobrevivência institucional de dois ou três partidos apenas, de preferência todos de viés conservador como ocorre nos Estados Unidos. Impuseram a famigerada cláusula de barreira, acabaram com as coligações e a cartada final seria a implantação do sistema de voto distrital, transformando as eleições parlamentares em majoritárias como ocorre nos Estados Unidos. A Rede Globo, porta-voz das elites financeiras e dos interesses norte-americanos sempre foi ferrenha defensora desse projeto.

Usando a mesma tática que sempre usou e que passou a ser adotada pela extrema direita nas redes sociais, procura desqualificar o instituto das federações. Coloca todos os seus comentaristas, em especial na Globo News, e chama todo dia “especialistas” para bater incansavelmente na mesma tecla, visando criar um clima favorável a partir da falsa impressão de que sua opinião é senso comum na sociedade. Diariamente, com ares irônicos, seus vários comentaristas afirmam insistentemente que a Lei das Federações, que se chamará Lei Haroldo Lima, é uma gambiarra criada pelos pequenos partidos para driblar a proibição das coligações. Insiste também diariamente que as divergências entre PT e PSB são intransponíveis e que a federação que está sendo construída por estes dois partidos junto com PCdoB e PV tem pouquíssima probabilidade de se concretizar.

Todo este desespero da família Marinho se justifica, pois sabem que exatamente esta federação é a que avança a passos largos para se concretizar. Fosse uma gambiarra criada pelos pequenos partidos, procurando se agrupar, a formação de Federações não despertaria o interesse das grandes legendas. De fato, quando da sua aprovação em setembro passado, parecia que o assunto era de interesse quase que exclusivamente dos comunistas. Não há, porém, neste momento, um único partido que não esteja em negociação com outras agremiações para constituição de federações. Esquece, ou esconde, a Rede Globo que o líder comunista Haroldo Lima já lutava pela institucionalização das frentes políticas na década de 90, muito antes de se aventar o fim das coligações.

Mas não é só o presidencialismo à americana que escorrega pelos vãos dos dedos da Rede Globo com as federações. A constituição da federação composta por PT, PSB, PCdoB e PV encorpa a candidatura do ex-presidente Lula e poderá chegar próxima dos 150 deputados eleitos que, numa eventual aliança com o PSD de Kassab, praticamente assegurará a governabilidade necessária ao futuro presidente se a esquerda for vitoriosa. Ao passo que a candidatura de Lula cresce, atraindo setores do centro, a de Moro não sai do lugar. Sergio Moro foi trazido de volta dos Estados Unidos em consonância com uma expectativa da Globo de que se viabilizasse como terceira via, engolindo o bolsonarismo e, ao mesmo tempo, galvanizasse o antipetismo ainda latente em parcela do eleitorado médio. No entanto, patina, mostrando-se o juiz um total ignorante, tanto quanto Bolsonaro, a respeito de qualquer assunto de interesse do país. Não demonstra qualquer empatia e não consegue agregar absolutamente ninguém de peso ao seu projeto. Se existe alguma gambiarra no cenário político, não é a aprovação da Lei das Federações, mas sim a candidatura de Moro, fabricada pela Rede Globo.

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