A Lição de Moremi

Quase todo o filme transcorre no cenário de um tribunal instalado pela reitoria da Universidade, cujas cenas são criadas a partir das falas de Moremi, do professor acusado e de algumas testemunhas. Pode conter spoilers

Filme "A Lição de Moremi" I Foto: Netflix/Divulgação

O filmeA Lição de Moremi”, baseado em fatos reais, é inspirado no documentário da BBC “Africa Eye, Sex for Grades“, que registra denúncias de casos feitas por uma jornalista nigeriana em 2019. Segundo o site Negrê, a repórter Kiki Mordi filmou professores universitários oferecendo notas em troca de sexo.

A película, dirigida pelo nigeriano Kunle Afolayan, pode ser encontrada na Netflix e registra a trajetória, resistência e coragem de  Moremi Oluwa (Temi Otedola), estudante de uma Universidade na Nigéria, para denunciar assédio sexual e tentativa de estupro do professor  de seu curso de pós-graduação, Lucien N’Dyare (Jimmy Jean-Louis). Quase todo o filme transcorre no cenário de um tribunal instalado pela reitoria da Universidade, cujas cenas são criadas a partir das falas de Moremi, do professor acusado e de algumas testemunhas.

Moremi enfrenta preconceitos, ataques à sua reputação e questionamentos acerca de sua conduta, tanto de seus colegas de curso como de professores e da sociedade quando seu caso se torna público e é veiculado pela mídia. Sua amiga e seu namorado também entram na lista daqueles que hostilizam e desconfiam da estudante durante o processo de julgamento.

A personagem principal se destaca pela inteligência e dedicação entre seus pares. Ela é a mais jovem da turma e sempre se posiciona sobre as questões políticas, sociais e geográficas do continente africano.  Contudo, é desacreditada em meio ao processo disciplinar que se desenrola  na investigação. O professor é intelectual respeitado mundialmente pela atuação como docente e tutor.

Filme “A Lição de Moremi” I Foto: Netflix/Divulgação

O filme ainda nos encanta pela identidade com o povo e a representatividade cultural desse país africano, mostrando a beleza em cenários da Nigéria, Gana e Cabo Verde, bem como as cores alegres, fortes e vivas das lindas vestimentas desse povo, que concentra a maior população negra do mundo.

No Brasil a tipificação do crime de assédio sexual está inscrita no artigo 216-A do Código Penal: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, tendo uma pena de detenção de um a dois anos”.

O constrangimento através da coação, do incomodo, do cerceamento, do embaraço para troca de notas é uma constante em universidades da Nigéria conforme denúncia à BBC. Algo similar ocorre no Brasil, e casos assim são deixados muitas vezes em silêncio pelas próprias vítimas por temerem represálias e não acreditarem que polícia e justiça deem solução.

A relação hierárquica de poder que se estabelece sobre a vítima é uma das marcas do assédio sexual.

A expressão assédio sexual foi criada nos anos 1970 por feministas estadunidenses da Universidade americana de Cornell, para identificar a conduta de um superior hierárquico com conotação sexual, descrevendo-a como sexual harassment( Queiroz, 2015). Para essa autora, o assédio sexual se constitui numa das maiores problemáticas que atingem mulheres de todas as idades, classes e etnias, restringindo sua liberdade de ir e vir, de ocupar determinados espaços públicos, de escolher o que vestir.

A equipe do Intercept realizou um levantamento que revela que, desde 2008, pelo menos 556 mulheres, entre estudantes, professoras e funcionárias, foram vítimas de algum tipo de violência em instituições de ensino superior no Brasil. Entre os casos, há assédio sexual, agressão física e/ou psicológica e estupro – a maioria dentro das instalações universitárias e praticada principalmente por alunos e professores.

A lei Mariana Ferrer, de nº 14.245, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 23 de novembro de 2021 prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos. Ela permite aumento da pena pelo crime de coação no curso do processo, já previsto no Código Penal. O ato é definido como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio, e recebe punição de um a quatro anos de reclusão, além de multa. Essa pena fica sujeita ao acréscimo de um terço em casos de crimes sexuais. Foi uma importante conquista a sanção dessa lei que, inspirada no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, que mobilizou o movimento feminista do Brasil e repercutiu em diversos países pela criminalização da vítima. Isso provocou indignação pública e reação do movimento social pela omissão do sistema judicial, que deveria ter sido instrumento de acolhimento, jamais de tortura, humilhação, culpabilização da vítima e de absolvição do empresário estuprador.

Mariana Ferrer e o empresário André de Camargo Aranha, que estuprou a jovem I Fotos: Reprodução

Para o assédio sexual, ou mesmo para o estupro, apresenta-se o argumento da insinuação feminina, ou mesmo seu suposto histórico de comportamento duvidoso. O enfrentamento dessas violações pressupõe um movimento ampliado de contestação das condições de barbarização da vida humana impostas pelo capitalismo.

Ontem à noite (12/12), uma denúncia em meios de comunicação (Fantástico),  do professor de paleontologia da Unirio, sendo acusado por estudantes e colegas pesquisadores de abusos morais e sexuais. São diversas denúncias de um período de 2007 até a atualidade. A Unirio, universidade pública do Rio de Janeiro abriu um processo administrativo, depois de as estudantes de biologia apresentarem uma denúncia formal. Em nota, a reitoria disse que repudia assédio de qualquer tipo e abriu um processo contra o professor  Leonardo Avilla.

O filme é atual, instigante, envolvente. Moremi, como muitas jovens estudantes, lutou e conseguiu provar a violência praticada pelo professor. Miremos no exemplo e luta destas mulheres para contestar as nefastas consequências do sistema patriarcal e racista construído e legitimado historicamente, para transformar em um movimento amplo, unitário, para pavimentar um caminho para desconstruir e eliminar as práticas sexistas.

A Lição de Moremi

Título Original: “Citation” (Nigeria)
Lançamento pela Netflix: 6 de Novembro de 2020
Direção: Kunle Afolayan
Gênero: Drama


Referências:

http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo6/assedio-sexual-desigualdades-patriarcais-de-genero-e-legislacao-notas-sobre-as-realidades-brasileira-e-francesa.pdf

https://catarinas.info/universidade-sob-marca-da-violencia-de-genero/

https://negre.com.br/a-licao-de-moremi-um-drama-sobre-assedio/

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