A pandemia, a estratégia imperialista e a democracia

A pandemia está declarada, dando origem a algum pânico. As consequências do coronavírus dominam as atenções e preocupações de todos … ou quase todos, primando alguns pela indiferença e pela irresponsabilidade, na senda do negacionismo.

Origem do vírus, uma questão militar

A origem do vírus é motivo de controvérsia. Identificado primeiramente na cidade chinesa de Wuhan, surgem indícios de ter tido origem em outras paragens. São alinhadas correlações de eventos: naquela cidade chinesa realizaram-se, entre 18 e 27 de outubro de 2019, os Jogos Militares Mundiais, na sua 7.ª edição, mobilizando muitos voluntários: «Os Jogos recrutaram 236 mil voluntários. Desse total, 210 mil residem na cidade e vêm de todos os estratos sociais, incluindo líderes e pioneiros em nível nacional, estadual e municipal, além de estudantes universitários e estrangeiros.» e cerca de 10 mil atletas, treinadores e oficiais de mais de 100 países.

A hipótese tem como indício a pesquisa de uma bióloga evolucionária, Kristian Andersen, que «analisou sequências do 2019-nCoV para tentar esclarecer sua origem (…) Andersen publicou sua análise de 27 genomas disponíveis do 2019-nCoV em 25 de janeiro em um site de pesquisa em virologia.  Isso sugere que eles tinham um “ancestral comum mais recente” – significando uma fonte comum – desde 1 de outubro de 2019» . 

Segundo L. Romanoff, professor na Universidade de Fudan, em Xangai, trabalhos autónomos de cientistas chineses (da China Continental e de Taiwan) e japoneses concluíram que «existem diferentes variedades e mutações do novo coronavírus, inclinando-se para a conclusão de que todas elas apenas estão presentes nos Estados Unidos, país onde deve procurar-se o verdadeiro “paciente zero” da pandemia em curso. Salienta o virologista e farmacologista de Taiwan que a localização geográfica com maior diversidade de linhagens do novo coronavírus é certamente a fonte original, porque “um derivado não surge do nada”. E essa localização geográfica é o território norte-americano». Por outro lado a «cadeia de televisão japonesa Asahi, entretanto, deu conta de um relatório científico nipónico que, de forma autónoma, afasta igualmente a hipótese de o início ter sido em Wuhan, colocando-o antes nos Estados Unidos. O estudo defende que algumas das 14 mil mortes de cidadãos norte-americanos atribuídas à gripe comum resultaram, de facto, de infecção pelo novo coronavírus», e a existência de mortes que, inicialmente atribuídas à gripe comum, foram na verdade provocadas pelo coronavirus, como reconheceu recentemente o director do CDC norte-americano, Robert Redfield.

Segundo Romanoff, fica aberta a necessidade de se explicar por quê os Estados Unidos são o único país onde existem as cinco variedades conhecidas do novo vírus. Segundo este investigador, «países como a China, Tailândia, Coreia do Sul, Vietname, Singapura, Reino Unido, Bélgica ou Alemanha têm apenas uma espécie. E não é, em todos os casos, a mesma variedade. A da Coreia do Sul e de Taiwan é diferente da detectada na China, mais infecciosa mas menos mortal. As do Irão e de Itália também são diferentes das outras e entre si, o que significa que tiveram origem noutras fontes». Romanoff, segue as conclusões virologista taiwanês, o qual «cita o caso de um grupo de japoneses que viajaram para o Hawai em Setembro de 2019 e que regressaram infectados ao seu país sem nunca terem estado na China».

Uma notícia publicada em 24 de Novembro, no site Military.com «O principal laboratório biológico do Exército [dos EUA] em Fort Detrick relatou duas violações de contenção no início deste ano, levando aos Centros de Doenças e Controle interrompendo sua pesquisa de alto nível» . Para nos situarmos melhor, “violações de contenção” significa fuga de material que não deveria escapar dos laboratórios. A referência a “pesquisa de alto nível” nos remete para o nível de perigosidade da situação. Diz ainda a notícia: «As duas violações relatadas pela USAMRIID ao CDC demonstraram uma falha do laboratório do Exército em “implementar e manter procedimentos de contenção suficientes para conter agentes ou toxinas selecionados” que foram feitos por operações nos laboratórios de biossegurança 3 e 4, de acordo com o relatório.  Os níveis 3 e 4 de biossegurança são os níveis mais altos de contenção».

Aquela notícia havia sido trazida a público pelo New York Times ja a 4 de agosto, antecedida de outra notícia, publicada a 19 de julho , onde se lê: «Os erros recentemente documentados em laboratórios federais, que envolvem antraz, gripe e varíola, incitaram indignação pública à forma como o governo lida com patógenos perigosos.  Mas os episódios foram apenas uma pequena fração das centenas que ocorreram nos últimos anos em uma vasta rede de laboratórios académicos, comerciais e governamentais que operam sem padrões ou supervisão nacionais claros, mostram relatórios federais». 

No final do mesmo texto, lê-se: «As revelações mais recentes ressaltaram falhas potencialmente graves nas principais instituições do governo. (…) Em outro caso divulgado este mês [julho 2019], um laboratório C.D.C contaminou acidentalmente uma amostra de gripe relativamente benigna com uma perigosa cepa H5N1». Desenvolvendo a questão, afirma a matéria publicada pelo New York Times que o «Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, financiado pela União Europeia, também expressou preocupação com a pesquisa da gripe, afirmando: “Incidentes recentes nos lembram que acidentes de laboratório e fugas de laboratórios podem ocorrer com patógenos perigosos, mesmo se os mais altos padrões de segurança são aplicados.” Concentrando-se especificamente no trabalho recente da Universidade de Wisconsin por Yoshihiro Kawaoka – que usou a engenharia genética para criar um vírus da gripe aviária semelhante ao que matou milhões de pessoas em 1918 – o grupo afirmou que os acidentes representariam um risco para os trabalhadores do laboratório e para o público. Dr. Kawaoka disse em uma mensagem de e-mail que os acidentes no CD eram “muito preocupantes”. Mesmo assim, ele disse, os estudos sobre gripe precisam continuar porque “esses patógenos existem na natureza e podem ser usados ​​como armas biológicas”».

Assim, a correlação sequencial dos dados acima referidos apontam para a possibilidade de aquela fuga de material – agentes ou toxinas – estar relacionado com os eventos que se observaram em Wuhan e hoje assolam o Mundo. É certo que o presidente dos EUA nega que tenham sido militares norte-americanos a levar o vírus para a China, mas Trump negava até bem pouco tempo a importância do facto, mesmo depois de a OMS ter declarado estarmos a chegar a uma situação de pandemia (e, na cola negacionista de Trump vimos surgir Bolsonaro, o qual, vindo de um encontro com Trump e tendo hoje 15 elementos da sua comitiva infectados com Covid-19, permitiu-se violar a quarentena a que estava obrigado e participar de uma manifestação no espaço público cumprimentando várias pessoas).

Ilustração: Tainan Rocha

Comportamentos políticos e estratégia imperialista

Há um padrão comportamental nítido (ao nível de figuras políticas da mais alta responsabilidade) revelador da sua impreparação cívica, da sua falta objectiva de capacidade para estar nas funções que lhes incumbe o estatuto de chefes de estado. E esse padrão comportamental – o seu negacionismo irresponsável, no qual são seguidos pelo chefe do governo britânico, Boris Johnson – coloca em risco as populações dos seus países e aqueles com que mais directamente se relacionam. Esse padrão comportamental retira qualquer credibilidade às suas afirmações e, voltando à questão do laboratório militar norte-americano, à negação da possibilidade de terem sido os próprios militares norte-americanos a levar (inadvertidamente ou não) o vírus para Wuhan. A possibilidade, apontada a 23 de fevereiro passado pelo Diário do Povo, em Pequim, e reforçada em intervenção pública por um alto funcionário do ministério dos negócios estrangeiros chinês, adquire, cada vez mais, maior plausibilidade.

A Humanidade sofre, com esta pandemia, um violento choque a nível da saúde pública, a nível económico e também político. As medidas necessárias de contenção, essencialmente, de imposição de um regime geral de quarentena a centenas de milhões de pessoas. Regimes de excepção, autênticos “estádio de sítio” são paulatinamente impostos como necessidade de saúde pública. O clima de medo, decorrente da pressão mediática e do modo como as autoridades públicas vão conduzindo a informação sobre a pandemia apresenta dois vectores de sentido oposto: o medo incutido pela exploração mórbida e insistente dos casos, comum na grande imprensa e presente também nas redes sociais, e o medo decorrente da ausência de informação credível sobre uma realidade efectivamente perigosa, onde o negacionismo de Trump, Johnson e Bolsonaro campeia.

O negacionismo, colocado perante as evidências, dá lugar à política inversa. Boris Johnson, que seguia uma estratégia de criação de “imunidade de grupo”, com 60% da população britânica infectada, mudou de discurso: «Em vez de procurar alcançar a imunidade de grupo, o primeiro-ministro britânico anunciou agora a necessidade de “deter o contágio”, antes de este “esmagar o NHS”, o serviço nacional de saúde do Reino Unido. (…) Um estudo do Imperial College de Londres, sobre o impacto da pandemia e a partir de dados sobre o surto em Itália, previa, se nada fosse feito, 510 mil mortos no Reino Unido e 81 por cento da população afetada. Após incluir no estudo as medidas adotadas pelo Executivo, o número previsto de mortes diminuía para metade, ascendendo ainda assim a 250 mil óbitos, além de um sistema de saúde completamente submergido, cenário que terá feito Johnson arrepiar caminho» , mas em inversão impressionantemente tardia.

Qual a razão para esse aparente desnorte? A resposta encontra-se na estratégia política e militar norte-americana, mais especificamente na doutrina do choque, como elucida a jornalista Naomi Klein, em entrevista publicada no site Vice, no passado dia 13 de março , sob o título «Coronavírus é o desastre perfeito para o “capitalismo de desastres”». Nessa entrevista, Klein afirma que «essas são as condições perfeitas para os governos e a elite global implementarem agendas políticas que, de outra forma, seriam enfrentadas com grande oposição se não estivéssemos todos tão desorientados.  Essa cadeia de eventos não é exclusiva da crise desencadeada pelo coronavírus;  é a planta que políticos e governos seguem há décadas, conhecida como “doutrina do choque”, termo cunhado pela ativista e autora Naomi Klein em um livro de 2007 com o mesmo nome». Todavia, o conceito aparece já em 1998, num documento da Rand Corp., Instituição de investigação ligada à força aérea norte-americana, com o título «Cuba and Lesson of Others Communist Transitions», onde o conceito de «choques externos imprevistos» são tidos como aceleradores de mudanças políticas, num conceito de mudança sistémica que considera os objectivos de intervenção em «três categorias principais: pré-condições estruturais, aceleradores e Liderança».

Diz Naomi Klein: «A história é uma crônica de “choques” – os choques de guerras, desastres naturais e crises econômicas – e suas consequências.  Esse resultado é caracterizado pelo “capitalismo de desastre”, “soluções” calculadas e de livre mercado para crises que exploram e exacerbam as desigualdades existentes. Klein diz que já estamos vendo o capitalismo de desastre acontecer no cenário nacional: em resposta ao coronavírus, Trump propôs um pacote de estímulo de US $ 700 bilhões que incluiria cortes nos impostos sobre a folha de pagamento (o que devastaria a Previdência Social) e prestaria assistência a indústrias que  perderá negócios como resultado da pandemia». Medidas semelhantes no quadro da União Europeia não serão meras coincidências.

E a democracia?

Como dado complementar, neste quadro de crise global em que as populações perdem acesso às suas formas habituais de participação social – não esquecer que a necessidade de resguardo pessoal implicou, desde logo, a anulação prática dos direitos de reunião e de manifestação, por exemplo – a NATO insiste em realizar exercícios militares em larga escala. Num momento em que são restringidas os direitos fundamentais, entre eles o de circulação das pessoas, a Europa terá a presença de ca. 30 mil militares norte-americanos. Mau prenúncio para a saúde das democracias europeias para o qual há que estar alerta.

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