A pandemia e o pandemónio no mundo capitalista

A crise mundial que tem por mote o novo coronavírus arrasta-se já por 3 meses, na sua fase conhecida, desde que o SARS-CoV-2 foi identificado em Wuhan. A doença que aquele vírus dá origem, a Covid-19, já fez correr “rios de tinta” (ou, melhor dizendo, “de bites”, já que a informação, a análise e a crítica a respeito do tema é produzida e difundida em suportes virtuais, no mundo telemático que é, de momento, o único espaço seguro de circulação social (não é, na verdade, o único nem é, também, assim tão seguro como também se sabe).

Ilustração: Johns Hopkins University & Medicine

A crise manifesta-se nas suas várias vertentes sendo, em primeiro lugar, uma crise mundial ao nível da saúde pública. É nesse primeiro nível que observamos o impacto destruidor de uma doença para a qual as sociedades não possuem defesas, onde a capacidade de assistência médica se vê impotente perante a avalanche súbita de casos graves de afecção respiratória que exigem equipamentos médicos de cuidados intensivos.

Instala-se uma situação caótica no sistema hospitalar de alguns países (com casos mais agudos na Europa, nomeadamente na Itália e na Espanha). E, como primeiro critério de racionalização, impõe-se o confinamento das pessoas às suas casas, medida preventiva adoptada a nível global, no intuito de conter a rápida propagação do vírus e evitar o colapso dos sistemas de saúde.

A China, mais especificamente, a província de Hubei (na região central da nação mais populosa do planeta, com ca. 1,4 bilhões de habitantes), primeiro país a defrontar-se com o novo coronavírus, teve de defrontar-se também com a estigmatização inicial, lançada pelos EUA nos media internacionais no âmbito de uma ofensiva ideológica que acompanha outros níveis de conflito real (a nível comercial) e latente (a nível militar).

A China adoptou medidas drásticas de contenção da epidemia no seu território e, simultaneamente, desenvolveu esforços no plano das estruturas de combate à Covid-19 (construindo de raiz ou adaptando espaços para a criação de hospitais gigantescos em tempo record). O exemplo chinês, visto com alguma perplexidade no mundo ocidental, tornou-se modelar, seguido com variantes mais condizentes com as condições económicas dos diversos países.

Na verdade, as variantes referidas, mais do que resultantes da idiossincrasia cultural (do oriente e do ocidente), entendem-se ao nível da raiz ideológica do sistema social existente (socialista uns, capitalistas outros). As imagens são esclarecedoras, falando mais que mil palavras: o nível do equipamento e o respeito pela privacidade do paciente conforme são considerados no estádio de Wuhan (na imagem acima) e no estádio universitário de Lisboa (na imagem abaixo).

Ou, na forma confrangedora com que se tomam os cuidados de saúde em relação aos “sem abrigo” na cidade de Las Vegas, nos EUA (num estacionamento a céu aberto, com o cuidado de se marcar no chão as linhas delimitadoras de um confinamento à casa inexistente):

Sublinhe-se que, apesar de ser chocante ver como aquelas pessoas são relegadas, num momento de crise global de saúde pública, à sua condição de “sem-abrigo”, manifesta-se um certo sentido caritativo na delimitação daquele espaço de chão e na atenção que lhes dedicaram voluntários no apoio à sua instalação, na medição da temperatura, etc. A imagem revela a dimensão confrangedora da caridade que não vai ao essencial, no caso, à ausência de um tecto.

Mas o pandemónio do coronavírus assumirá a sua dimensão mais gritante ao penetrar em espaços de confinamento estabelecidos com algo natural: os lares de terceira idade. Será nessas estruturas sociais, na sua maior parte, estabelecimentos privados (onde, dito cruamente, os mais idosos aguardam o final da vida). Esses espaços acabarão transformados em verdadeiras armadilhas de contágio. Casos dramáticos são relatados em Itália, na Espanha ou em Portugal, onde os falecidos se contam, em cada um desses lares, às dezenas.

E, no momento em que este texto é redigido, os EUA alcançam a dianteira na pandemia, tanto em números de casos de infecção como de mortes pela Covid-19 atingindo a cifra de 500 mil casos e mais de 19 mil mortes, realidade que não se encontra totalmente refletida no quadro porque, como revela a cadeia de informação norte-americana NBC, ocorreram nos EUA mais de 2200 casos de falecimento em lares que não são considerados pelo governo federal na contagem oficial das mortes.

Seja em consequência das estratégias seguidas (do negacionismo que EUA, Reino Unido, Holanda [Países Baixos] e outros países seguiram, contrariando as indicações da OMS), a pandemia provocada pelo novo coronavírus assume a dimensão de um verdadeiro genocídio de idosos, onde as estruturas destinadas ao acolhimento dos idosos no final da sua vida, os lares de terceira idade, desempenham involuntariamente o papel de caritativa armadilha ao serviço do (inconfessado por muitos) objectivo de salvaguarda económica dos países que subordinam o valor da vida humana ao jogo dos cifrões (como o já muitas vezes referido ministro japonês dizia em 2013 e como os jovens políticos governantes holandeses hoje praticam).

Na matéria já referida, publicada pela NBC, é dada à estampa o aviso dramático: «um lar de idosos oferece conselhos sombrios: leve seus entes queridos para casa». A pandemia traz à evidência o pandemónio da saúde pública construída numa lógica capitalista. E, mesmo aquelas iniciativas geradas num espirito solidário, como os lares de terceira idade, quando subordinados a uma estratégia caritativa, na exiguidade dos recursos que lhes são atribuídos acabam por desempenhar um papel nefasto.

O papel nefasto dos lares, convertidos em armadilhas de idosos numa política económica de subvalorização da vida humana, é um elemento que acentua o forte contraste existente no posicionamento público dos governantes europeus (colocando de um lado os países latinos como Portugal, Espanha e Itália e, do outro, a Alemanha, a Holanda e mesmo a França), contraste de posições, entre a austeridade idiossincrática dos estados mais ricos e o sentido mais caritativo dos outros, que arrisca a quebrar de forma insanável a unidade europeia – a UE como pandemónio anunciado.

O Portal Vermelho optou preservar o português lusitano original do texto.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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Um comentario para "A pandemia e o pandemónio no mundo capitalista"

  1. LEIDE MARIA FAGUNDES ALVES disse:

    o capitalismo mostrou suas víceras com o aparecimentos do cronavírus,uma
    alerta para o mundo,deve se cuidar da saúde,com alimentação sem agrotóxico,distribuir terra,cuidar das florestas rios,lagos e mares,todos seres precisam serem respeitados

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