A perda de Quino para o mundo, e para a Argentina em particular

Quino é um símbolo cultural que marcou gerações e sua perda é dolorida. Principalmente para os argentinos, que sabem valorizar os artistas e produtos locais

Quino foi um criador com um olhar muito aguçado e uma antena sempre bem orientada. I Foto: Adrián Pérez

Passado quase um mês da morte de Joaquim Salvador Lavado Tejón, mais conhecido em boa parte do mundo como Quino, uma sensação de perda ainda me percorre. Quino era daqueles que capturava um humor peculiar, de uma sagacidade e sensibilidade única, singular.

Desde minha adolescência tive contato com os livros que reuniam suas tiras, editados aqui no Brasil pela editora Martins Fontes, e posteriormente no mega livro Toda a Mafalda (que mais tarde descobrimos não ser toda mesmo, e fomos brindados com o novo Mafalda Inédita), acabei até adquirindo algumas edições argentinas e buscando pelos álbuns do autor que reuniam seus cartuns, na grande maioria sem texto, só desenhos com ricos detalhes e captura de situações do cotidiano, vários desses ainda nos fazem rir, e até mesmo chorar algumas vezes….

A perda de Quino foi largamente registrada na imprensa, o autor marcou toda uma geração, em particular na América Latina, sua Mafalda e seus questionamentos se tornaram um marco nas histórias em quadrinhos, e sua contestação do status quo na maneira de retratar a exploração do capitalismo nas famílias de classe média da Argentina e do mundo. A relação da menina com seus colegas e pais é um primor, com tiradas que estimulam a reflexão após boas risadas.

Não há e nem haverá um substituto à altura do que foi para o mundo Quino, o autor se vai e fica imortalizado no panteão do humor, dos quadrinhos e das charges. Mas há de se destacar a força de Quino em seu país de origem e de como esta nação trata o seu patrimônio cultural: Mafalda e seus colegas são retratados como estátuas localizadas em vários quarteirões, juntamente com outros personagens argentinos, a exemplo de Isidoro e Clemente, no bairro de Montserrat em Buenos Aires, no Paseo de la Historieta, por exemplo.

A perda de Quino foi, sem dúvida, mais doída para os argentinos, a maneira que tratam a sua memória cultural, artistas e produções é um exemplo a ser seguido. Na Argentina é comum encontrar camisas, artesanato e outros que ostentem e reproduzam figuras da música, da literatura, do teatro e dos quadrinhos, a valorização do local, do nacional é uma tradição mais que secular, o cinema argentino amealha as maiores bilheterias concorrendo contra os blockbusters estadunidenses de igual para igual.

Os quadrinhos argentinos foram muito presentes na história do país, no combate a ditadura, na contestação aos governantes, no registro da História, curiosamente as HQs produzidas pela Marvel e pela DC sempre tiveram dificuldades de manter um espaço e uma periodicidade maior lá, tendo que disputar com as excelentes produções nacionais que capturam a preferência da maioria do público local.

A média de leitura dos argentinos está entre as mais altas das Américas, assim como a quantidade de livrarias por habitante. Um exemplo a ser destacado em tempos em que o estudo, a leitura, a cultura e similares são peças fundamentais para a superação do fascismo e da ascensão da direita. Contra esse fenômeno Mafalda sempre foi um símbolo, uma referência que se junta aos cartuns imortalizados de Quino e a tradição de luta e contestação do povo argentino, tudo com muito bom humor e muita politização.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *