A resistência de Pepe Mujica: “Uma Noite de 12 anos”

O filme é baseado no livro “Memorias del calabozo”, que narra a história de três dirigentes tupamaros, dentre os nove classificados como “reféns” pela ditadura militar uruguaia

Filme "Uma noite de 12 anos" | Foto: Reprodução

Não resisti e resgatei minhas lembranças do filme “A noite de 12 anos”, ao qual assisti em um momento de desesperança. No início de 2019, quando no Brasil a eleição presidencial de meses antes indicava um caminho de retrocessos ao eleger um candidato da extrema-direita, partidário da ditadura militar, toda esperança de um país mais justo se ia evaporando. No entanto, ver o filme sobre o dificílimo período atravessado por “Pepe” Mujica nas masmorras da ditadura uruguaia iniciada em 1973, entender um pouco mais sobre a vida, a persistência, a coragem, a simplicidade e a generosidade de Mujica e de seu povo, moveu-me a não ceder ao pessimismo que nos assolava naquele janeiro de 2019. Então, ainda mal dimensionávamos que sobre o povo e o país desabaria uma tempestade ininterrupta de desgraças, de ações governamentais e políticas contra o humanismo e a solidariedade, contra a democracia e a justiça social, tudo aquilo que está em oposição aos valores defendidos por El Pepe.

Profundamente tocada pelo filme, recobrei ânimos para prosseguir na luta contra a tirania daquele que odeia seu povo. E para admirar ainda mais José Mujica, que no domingo passado completou 87 anos.

A película, dirigida pelo uruguaio Álvaro Brechner, destacou-se em festivais internacionais como o de Berlim, San Sebástian e Veneza. Foi indicada para o Oscar de 2019, mas infelizmente não foi premiada.

O filme é baseado no livro “Memorias del calabozo”, que narra a história de três dirigentes tupamaros, dentre os nove classificados como “reféns” pela ditadura militar uruguaia e que, receberam um tratamento só comparável ao existente nos campos de concentração nazistas.

Filme “Uma noite de 12 anos” | Foto: Reprodução

A obra se concentra na história de três de nove guerrilheiros Tupamaros presos (militantes do MLN-T), postos como “reféns” pelo regime ditatorial uruguaio: Pepe Mujica (Antonio de la Torre), Mauricio Rosencof (Chino Darín) e Eleuterio Fernández Huidobro (Alfonso Tort). Eles ficaram encarcerados durante doze anos – 4.323 dias -, período em que vigorou a ditadura militar no Uruguai. Registra a peregrinação deles por diferentes prisões uruguaias e o seu total isolamento do mundo externo ao cárcere (tanto político quanto natural).

Resistir ao confinamento e à tortura foi a grande missão de José “Pepe” Mujica e seus companheiros do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, entre 1973 e 1985.

É muito difícil imaginar que uma pessoa possa resistir por 12 longos anos sem poder se comunicar, preso em uma cela em condições cruéis, isolado em um cubículo apartado dos companheiros (cada um na sua solitária), com pouquíssima comida, água e nenhuma luz do Sol. Mas Mujica e seus dois companheiros aguentaram o terrível desafio, sobreviveram. A película busca retratar muito mais a tortura psicológica do que as torturas físicas às quais Pepe, Ruso e Ñato eram submetidos. Ela exibe o isolamento do mundo e entre si – proibidos de se falar, submetidos a uma vigilância permanente, em condições sub-humanas; no entanto, os presos criaram um código para se comunicarem através das paredes da prisão, em mais um exemplo de como revolucionários, mesmo massacrados sob a extrema violência de Estado, acham alternativas para manter acesa a chama da esperança e da vida.

Filme “Uma noite de 12 anos” | Foto: Reprodução

A mãe de Mujica, que o visita no presídio, após muito tempo de procura de seu filho, em uma cena das mais emocionantes, clama para que o filho não desista de lutar, que precisa viver, que não pode sucumbir. A mãe fala que os únicos derrotados são os que desistem, e que ninguém pode tirar o seu sonho. Mujica resiste também movido pelo ânimo dessas palavras maternas.

A desumanização nos sistemas prisionais e no dia a dia dos centros urbanos, em que milhares de pessoas vivem nas ruas, é uma constante, a reclamar urgente mudança. Como dizer-se humano diante dos aprisionamentos degradantes, das condições indignas em prisões com graves violações de direitos? Mas, Pepe, Ruso e Ñato resistiram a 12 anos de confinamento, de silenciamento, de torturas. Como interpretar esse comportamento de persistência em meio ao horror que viveram? A convicção na utopia de um mundo livre para seu povo, a questão da consciência revolucionária, é um dos elementos para isso acontecer. Lembro-me de Eduardo Galeano, que, ao escrever sobre para que serve a utopia, brilhantemente destaca: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Foi assim que Mujica saiu da prisão, retomou a luta, construiu imenso movimento popular e presidiu o Uruguai entre 2010 e 2015. Após deixar a presidência uruguaia, foi senador de março de 2015 até agosto de 2018. Visitou o Brasil por algumas vezes, encantando principalmente a juventude por sua sabedoria, simplicidade, esperança em se transformar um mundo injusto, com o qual não podemos nos conformar, tamanhas as desigualdades, a concentração de renda, a violação dos direitos humanos, a pobreza que assombra nossa América. A lição de Mujica é para não nos resignarmos.

Assim, caminhamos com nosso país vizinho, quando lá, na sexta-feira, milhares de pessoas realizaram a Marcha do Silêncio, sob o lema “Onde estão?”. Reclamam por 197 desaparecidos, e a cada ano prestam homenagem aos que se foram durante a ditadura militar uruguaia, exigem respostas pelas pessoas ausentes vítimas do terrorismo de Estado.

Referências:

https://santosbancarios.com.br/artigo/uma-noite-de-12-anos-a-humanidade-pode-vencer

https://vermelho.org.br/2022/05/22/na-marcha-do-silencio-multidao-clama-por-verdade-e-justica/)

Uma Noite de 12 Anos

Título original:La Noche de 12 Años 
Direção: Alvaro Brechner
Elenco: Antonio de la Torre, Chino Darín, Alfonso Tort, Mirella Pascual, César Troncoso, Soledad Villamil
Gênero: Biografia, Drama
Duração: 122 min
País: Uruguai, Espanha, Argentina
Disponível no streaming Netflix

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