A Revolução não é uma ilha

A Revolução Cubana é, ainda hoje, motivo de grande orgulho do povo cubano, por tê-lo livrado do domínio imperialista

Foto: Alexandre Meneghini/Reuters

O avião transportando 22 brasileiros e brasileiras partiu da escala em Caracas e desceu em solo cubano sem problemas. Era o ano de 2010, meio século depois do triunfo da revolução que expulsou da ilha caribenha o serviçal do imperialismo estadunidense Fulgencio Bastista e seu tirânico governo de desprezo pelo povo. “Pero que si, pero que no” – dúvidas compreensíveis sobre o real estado do país depois da implantação daquele modelo de socialismo, resistindo debaixo do regime imperialista dos EUA – estavam nas mentes dos viajantes sul-americanos, junto com as impacientes expectativas de fruir as belezas naturais e o jeito de ser da população de Cuba.

Onze anos passados da estadia da delegação brasileira (1) – que incluía ativistas de causas sociais, populares, ambientais, de mulheres, e militantes do PCdoB, PT e PCB – assiste-se a mais uma cruel investida do imperialismo norte-americano contra a rebelde ilha, estimulando protestos em vias públicas ancorados em dificuldades reais decorrentes do criminoso bloqueio econômico de seis décadas imposto pelos EUA. Manifestações assentadas em postulados táticos do método da chamada “guerra híbrida”, vez que anteriores investidas de caráter militar/terrorista nunca lograram sucesso para derrubar o poder construído pelas lutas de Fidel, Che Guevara e tantos outros revolucionários e revolucionárias.

Delegação brasileira visitando Cuba em 2010

Naquela ocasião da viagem de dez anos atrás, era objetivo também levar solidariedade à campanha pela libertação dos cinco heróis cubanos, presos nos EUA sob acusação de serem espiões pró-Cuba. Cumpriram penas de 15 e 17 anos, sendo libertados em 2015, depois recebidos com pompa por Fidel. E ganharam um filme, baseado no livro “Os últimos soldados da guerra fria”, de 2011, do brasileiro Fernando Morais. “Wasp Network: Rede de Espiões” remete aos anos 1990, quando Cuba foi alvo de uma série de atentados a bomba em pontos turísticos, pulverização de pragas em plantações e sequestro de aviões, ações todas tramadas em território norte-americano. Contando no elenco com o ator brasileiro Wagner Moura, o filme foi exibido em 2019 no Festival de Cannes e na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, estando disponível no streaming da NetFlix.

Cuba tem uma história de lutas desde o século XIX para se tornar uma nação livre. A unidade do exército rebelde entrou em Havana em janeiro de 1959, liderada por Fidel, derrubando Fulgencio Batista e assinalando a vitória da revolução. Inspirados pelos escritos de Jose Martí, intelectual cubano herói da luta de independência da Espanha em fins do século XIX, Fidel, Ernesto Guevara, Camilo Cienfuegos e seu heróico exército desembarcado pelo Granma, lideraram o povo cubano em sua libertação do jugo imperialista norte-americano. Abriram espaço à construção de uma nação realmente independente e com direitos para seu povo, apesar do desumano cerco político-econômico dos EUA com que passaram a se defrontar depois que aderiram ao caminho socialista, situação que impõe aos cubanos grande volume de vicissitudes materiais.

Com pouco mais de 11 milhões de habitantes, sendo 70% na área urbana, Cuba sobrevive apesar desse bloqueio. Ali a expectativa de vida é de mais de 78 anos (Cuba está entre os 25 países do mundo mais bem colocados nesse importante indicador de progresso humano), a taxa de alfabetização está em 99%, há 9 médicos para cada mil habitantes, com saúde e educação gratuitas em todos os níveis.

Foto: TeleSur

O país, contudo, padece para conseguir um parque tecnológico-industrial próprio e autossuficiente. Ainda hoje sua principal fonte de economia é o turismo, que é desenvolvido com muita competência.

O sistema de seguridade social, cujos princípios são os da solidariedade, universalidade e integridade, pode ser caracterizado como um dos mais abrangentes do mundo e oferece benefícios monetários, em serviços e em espécie que incluem entre outros: subsídios por enfermidades e acidentes, ajuda por maternidade, pensão por idade, morte ou invalidez, assistência médica e odontológica, preventiva e curativa, hospitalar em geral, reabilitação física, psíquica e laboral, serviços funerais e aparelhos de ortopedia e próteses.

Cuba mostrou ao mundo o avanço na ciência ao ser o primeiro país latino-americano a desenvolver com êxito uma vacina contra o novo coronavírus. O país tem grande tradição no desenvolvimento de imunizantes, produzindo 80% do que é utilizado no país, mesmo com o embargo econômico. A vacina cubana “Soberana 02” alcança 91,2% de eficácia em testes, segundo o site da Rede Brasil Atual.

Entre os 12 países do mundo mais atingidos pela pandemia, seis estão no continente americano. Segundo os balanços oficiais, a América Latina já reúne 31% dos mortos pela COVID-19. Nesse panorama, Cuba aparece como exceção: são 11,2 mil óbitos.

Com certeza a pandemia deve ter aprofundado os problemas econômicos e sociais pelos quais passa a ilha socialista, uma drástica realidade no mundo todo, inclusive no Brasil. Porém, em nosso país, de vastíssimo e produtivo território, de imenso potencial de desenvolvimento, amplia-se a miséria e a fome voltada para enormes contingentes da população empobrecida, dentro de um processo gigantesco de monopolização da economia, brutal concentração da riqueza e grave recessão, sob o impiedoso desgoverno de Bolsonaro/Guedes, cuja política é a principal responsável pela perda de mais de meio milhão de vidas. Mantendo acesas as esperanças de superação desta tenebrosa fase, felizmente ocorrem movimentações sociais e políticas que a cada dia desmascaram o governo bolsonarista em sua desumanidade e práticas corruptas.

Trabalhadores acudiram ao chamado e foram para as ruas gritando “Yo soy Fidel” / Foto: Adelante-Fotos Públicas

Em Cuba, ao contrário do Brasil, o presidente Miguel Díaz-Canel conta com a confiança do seu povo e constantemente realiza audiências públicas e televisivas para apresentar de forma transparente a realidade e esclarecer a necessidade de unidade da população para preservar as conquistas sociais da Revolução. A grande imprensa ocidental, toda alinhada aos ditames do imperialismo estadunidense tenta, com muita vileza e mentira, perseguir Cuba com denúncias de má qualidade de vida (sem referir jamais que isso se deve ao longo bloqueio econômico) e questionamento do sistema de representação democrática vigente na ilha.

Sim, é fato que, segundo o site Teoria e Debate, Cuba passa por dificuldades. O PIB encolheu 11% em 2020, há escassez de remédios e alimentos. A principal atividade, o turismo, foi fortemente prejudicada pela pandemia, além da forte seca que abalou a produção da cana, e, consequentemente, do açúcar, uma das atividades também de peso para a economia do país. Porém, o bloqueio econômico imposto pelo imperialismo dos EUA aprofunda esse quadro, inclusive para o respeitável sistema de saúde: há problemas para obter insumos médicos e alimentos por causa do embargo. A luta ideológica, de tentativa de destruição do legado e consciência revolucionários, é um dos fundamentais pilares do método da “guerra híbrida”, na qual alguns governos progressistas já sucumbiram, inclusive em nosso país. Não obstante, as chamas do afeto e respeito aos valores patrióticos e humanistas herdados de 1959 permanecem tenazes nas almas da ampla maioria do povo cubano, que atendeu recentemente, em imensas ondas de manifestantes nas ruas, ao chamado do governo socialista, frustrando expectativas dos algozes imperialistas.

Porque a Revolução contra a barbárie capitalista não está apenas naquela valente ilha do mar do Caribe, a 780 km de voo da Flórida, onde os “gusanos” (2) traidores e seus comparsas norte-americanos tramam a volta da exploração e opressão do passado.

Foto de Fidel Castro no episódio da tentativa dos EUA de invadir a Baía dos Porcos I Foto: Bob Henriques / Magnum

Cuba é uma ilha, mas não está ilhada, isolada, pois os anseios progressistas humanistas dos cubanos se espalham por todo o planeta, nos corações de todos os homens e mulheres, em todos os países, que lutam por um novo sistema social, com verdadeira justiça, democracia, solidariedade e respeito entre nações, de liberdade com igualdade e fraternidade, de uma vida digna para todos e todas. Dever nosso, portanto, o de prestar ativo apoio à resistência cubana.

Ao final daquela viagem de 2010 retornei ao Brasil revigorada e com mais confiança no futuro. Agora e sempre com imenso desejo de voltar, rever o mar límpido, a bela Havana e outras cidades, reencontrar amigos /as que deixamos. E, de tanto amar, vamos à luta aflita mas também depois poder madrugar en la bodeguita.

(1) Coordenada pela Associação Cultural Jose Martí e pelo Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ).

(2) Termo depreciativo lançado contra cubanos traidores que desertaram de Cuba, em grande número vivendo no estado norte-americano da Flórida, e que significa “vermes”.


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