A vaca sorridente

“O Ocidente ficou ao lado do líder quase até o final, apesar de o déspota ter transformado seu país em um Estado policial e saqueado sua economia.” Quem reconhece é a conservadora revista alemã Der Spiegel¹, de maior tiragem europeia, em matéria da semana passada sob o título “Egito: Ocidente perde seu tirano favorito”. A palavra Ocidente aí é utilizada para definir os interesses dos países ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos. Um poder que envolve as grandes corporações, entre elas, os detentores dos meios de comunicação. É por isso que somente depois da queda iminente e inevitável de Mubarak é que o mundo ocidental ficou sabendo que o Egito era uma longeva ditadura.

A fidelidade ao acordo feito com Israel e sua influência sobre o mundo árabe fizeram de Mubarak o queridinho de “presidentes americanos, chefes de Estado franceses, primeiros-ministros britânicos” e “os políticos mais importantes de Berlim.” Para o chanceler Gerhard Schröder o ditador egípcio era “um conselheiro particularmente importante”. Em março de 2010, ele foi recebido pela chanceler Angela Merkel em Berlim. Quando trataram sobre direitos humanos “nunca foi além de um diálogo cauteloso”, diz Der Spiegel.

Na mesma linha de raciocínio, Kenneth Maxwell, colunista da Folha de S Paulo², lembra, com oportunidade, famosa frase do presidente Franklin Roosevelt, em 1936, sobre Anastasio Somoza, por muito tempo ditador da Nicarágua: "Somoza pode ser um filho da puta, mas é n o s s o filho da puta". À época, frase tinha a virtude de sumarizar a política de Roosevelt com relação à América Latina. “Mais tarde, durante a Guerra Fria, essa postura se tornou comum”. E não difere da postura atual: Foreign Policy3, desta quinta-feira, ironizou editorial do Wall Street Journal, para quem "ditadores pró-Estados Unidos têm mais escrúpulo moral".

Segundo Maxwell, Mubarak era visto como um baluarte dos interesses estadunidenses “e como fiel da paz com Israel. Auxiliou os Estados Unidos na primeira Guerra do Golfo Pérsico e na reconquista do Kuwait depois da invasão do país pelo Iraque de Saddam Hussein. Como resultado, o Egito teve US$ 14 bilhões em dívidas perdoadas pelos Estados Unidos e pela Europa”. Segundo Der Spiegel, Mubarak há muito é considerado um tirano. “Ele transformou seu país em um Estado policial. Mais de 1 milhão de informantes, agentes e policiais supostamente mantinham a população de mais de 80 milhões sob vigilância.”

Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now4, nesta quinta-feira, o linguista estadunidense Noam Chomsky revela o comportamento dos Estados Unidos ante os atuais movimentos no mundo árabe. Para ele, Washington segue manual tradicional: continuar apoiando seu aliado até o limite possível e “se ele se tornar insustentável, dar um giro de 180 graus, incorporar-se ao novo poder e restaurar o velho sistema de interesses. Para isso, os Estados Unidos contam com um poder “constrangedor”. Segundo Chomsky, depois de Israel, o Egito é o país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington.

Em declarações ao Herald Tribune5, em 15/02/2011, Jonas Gahr Store, ministro das Relações Exteriores da Noruega, declarou que “as políticas do Ocidente para o Oriente Médio precisam responder ao fato de que o futuro da região será cada vez mais moldado pelas vozes de uma sociedade civil jovem e pluralista”. Mesmo caminho que traça Maxwell sobre o futuro da região: “Ninguém sabe quais serão as consequencias das revoluções populares que varrem o Oriente Médio. A esperança é a de um futuro mais democrático, mais aberto e mais esclarecido. No entanto, uma coisa é certa, diz o colunista, “caso isso aconteça, não terá sido graças àqueles que passaram 30 anos percorrendo o caminho da conveniência dos Estados Unidos”.

 

(*) “Vaca sorridente”, apelido que Mubarak recebeu pelo sorriso que costumava exibir atrás do ex-presidente egípcio Anwar al Sadat. Mubarak se tornou rapidamente um líder poderoso após o assassinato de seu antecessor em outubro de 1981.
(1) http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2011/02/12/egito-ocidente-perde-seu-tirano-favorito.jhtm   
(2) http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1702201106.htm   
(3) http://walt.foreignpolicy.com/posts/2011/02/17/wsj_our_despots_are_nice_despots
(4) http://www.democracynow.org/2011/2/2/noam_chomsky_this_is_the_most
(5) http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2011/02/15/que-licao-o-ocidente-tirou-da-praca-tahrir.jhtm    

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