A volta do Violência Zero

No primeiro programa, abrimos com um especial dedicado à prostituição infantil no Recife. Foi um escândalo. Quiseram acabar com o programa já no começo

Nesse 15 de janeiro, a partir das 9h30, está de volta ao rádio o programa de direitos humanos Violência Zero. Muitos talvez não saibam a importância desse programa. 

Primeiro, vamos a um valor universal. Quero dizer, a diretora-geral da Unesco Irina Bokova certa vez declarou que o acesso público à informação é essencial para fortalecer o Estado de Direito. E mais:

“A alfabetização midiática e informacional nunca foi tão essencial para construir a confiança na informação e no conhecimento, em uma época em que as noções de ‘verdade’ são desafiadas”. O que vale dizer, o rádio também pode promover os direitos humanos, que no geral vêm sendo tão desprezados por comunicadores reacionários no Brasil e no mundo. 

Em segundo lugar, vamos à experiência particular. Nos anos 80, tivemos uma intensidade da luta no ar que não gerava socos no vazio. Desse tempo, vi e ouvi o quanto já andava a opinião pública intoxicada de ódio e terror. No Violência Zero, estivemos eu, Ruy Sarinho e Marco Albertim, o excelente escritor e jornalista que perdemos no Brasil em 2015. No estúdio da Rádio Tamandaré do Recife,  sentíamos a disputa de ideias na sociedade recifense entre punir sem medida e o direito à justiça. Ainda que sem método científico, pelos telefonemas dos ouvintes notávamos que a divisão entre os mais bárbaros e civilizados era quase meio a meio.

Rádio Tamandaré, Recife I Foto: Reprodução

Naquele  primeiro tempo do Violência Zero no rádio, ainda não sofríamos o massacre das imagens repetidas na televisão, nem estávamos num momento de crescimento da direita no congresso e de um fascista na presidência. A luta naqueles dias era pelo alargamento dos limites da democracia. Havíamos saído de uma ditadura, mas a dominação ainda não vinha dos deputados e senadores mais afoitos contra os direitos humanos. Antes, as insinuações do “só vai matando” ficavam restritas aos guetos dos programas policiais no ar.

Na Rádio Tamandaré, militávamos – pois o nosso jornalismo era uma militância sem descanso – aos sábados no Violência Zero, com patrocínio do Ministro da Justiça Fernando Lyra.

Foram muitos os bons e maus momentos que passamos com o programa. Alguns cômicos, até. Num deles, Ruy Sarinho me avisou que a deputada federal Cristina Tavares, uma referência da esquerda pernambucana, estava no Aeroporto e queria falar ao vivo. Então eu, que apresentava o programa com Mariana Arraes, perguntei:

– Está de partida para Brasília, deputada?

– Não, não estou partindo.

-Ah, então está chegando!

– Não, estou esperado uma amiga.

O avião não decolou. Isso no ar! Olhem, eu fiquei sem palavras. Em outra oportunidade, Tarciana Portela, que substituiu Mariana Arraes na apresentação e reportagem, me fez sem querer entrar num improviso. Quando ela falou:

– No ar….

A cadeira dela desabou. Então eu fiz a sua fala feminina que estava no script. 

Lembro de uma vez, isso já Atividade FM, que anunciamos uma entrevista com Dom Hélder Câmara, em plena Semana Santa. Era natural que este apresentador, que jamais foi bom de improviso (e só improviso menos ruim por escrito), preparou antes toda uma série de perguntas para nosso Arcebispo Vermelho. Mas o que aconteceu? Na hora do programa começar, eis que aparece um outro padre, que eu nem sabia se era religioso de esquerda. Dom Hélder não pudera vir. E nós tínhamos o espaço de 1 hora para o programa. O que fazer, o que perguntar, como conduzir uma entrevista que seria para outro? Olhem, em resumo, antes que se esgotasse o tempo infernal de 1 hora, eu estava perguntando ao padre o que ele mais gostava de comer na Semana Santa. Até eu atingir esta preciosidade:

– Mas o senhor gosta mais de peixe frito ou peixe cozido?

– Assado.

Mas não houve só esses fatos, digamos, cômicos. Houve embates sérios no ar. No primeiro programa, abrimos com um especial dedicado à prostituição infantil no Recife. Depoimentos de quase adolescentes sob nomes falsos e vozes alteradas apareceram no rádio. Foi um escândalo. Quiseram acabar com o programa já no começo. Só não o fizeram porque o Ministro da Justiça Fernando Lyra segurou a onda e o impacto. 

Depois, fizemos inesquecíveis Violência Zero contra a agressão a homossexuais, quando pusemos no ar uma entrevista com o agressor de Pernalonga, em que demos corda para as confissões do animal, que gravamos. O criminoso se gabava de acabar com afeminados. Em outras edições nós batemos contra o racismo, contra o Esquadrão da Morte, mas sempre a favor da mulher, dos negros, do povo e das crianças. O programa entrava no ar com esta vinheta:    

Ouço esta música e paro meio tonto. Saudade não mata a gente. Pois nesse  sábado 15 de janeiro, estarei no primeiro programa da volta do Violência Zero. Com Ruy Sarinho, Sulamita Esteliam e Eutrópio Édipo. Mais o advogado Brasílio Guerra. Estaremos às 9h30 pela Rádio Guarany AM 1300, de Camaragibe, com retransmissão pelas Rádios Mais FM Recife 104,7 e Conexão Jovem FM 104,3 de Olinda. Na internet, o programa pode ser acompanhado pelos aplicativos Rádios NET, Tune In e sites das Rádios.

No ar, tentarei participar com o tema Literatura e Direitos Humanos. Espero que desta vez eu esteja um pouco mais preparado. E seja o que Deus da nossa resistência mandar.

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