Abrindo o Festival de Cinema de Curitiba

“O dia da posse”, de Allan Ribeiro, que abriu o Festival de Cinema de Curitiba, “Capitu e o capítulo”, “Kinshasha Makambo” e “As Faculdades”

Filme "O dia da posse"

Comecei a ver o filme “O dia da posse” pensando que seria um grande filme, pois foi escolhido para abrir o 10º Festival Internacional de Curitiba. Um festival importante, pois feito numa das cidades mais cultas do Brasil. Penso que durante uns quinze minutos achei que estava vendo uma imbecilidade total. Depois me retratei. Não. Trata-se realmente de um grande filme com a presença e a documentação em torno da vida de um jovem de 31 anos da sociedade brasileira atual. E cheguei à conclusão de que o diretor Allan Ribeiro conseguiu mostrar uma figura que marca o mundo que criamos. Enfim, durante os anos 60 e 70 do século passado, nós todos queríamos sair da ditadura e entrar para um mundo que deixasse as pessoas terem liberdade. Inclusive para ser o que quisessem, até mesmo Presidente da República. Muitas vezes comentei com meu amigo Jomard Muniz de Britto sobre o mundo estranho que ao invés do que pensávamos realmente estava sendo criado.

E quem realmente ganhou foi quem criou a ditadura de 64. Os militares e muita gente junto com eles. E assim temos hoje milhares de figuras como Brendo Washington, que é o personagem principal dessa obra “O dia da posse”. Um rapaz que estuda ao mesmo tempo Medicina e Direito e não tem a menor estabilidade para se comportar diante de uma câmera. Quer ser uma figura central no mundo. E tem medo da câmera. E o diretor Allan Ribeiro consegue mostrar isso com plena destreza. Eles falam que se trata de um documentário. Mas ficamos em dúvida, pois muito é pura criação ficcional. Mas ao mesmo tempo tudo é inteiramente verdadeiro. Horror ou diversão?

Enfim, um Festival importante coloca o filme do carioca na abertura e assim corre o risco de referendá-lo como realizador. Enfim, de novo, os militares continuam ganhando. Para outros mais acima é claro. Será que conseguiremos virar o jogo em 2022?

Olinda, 06. 10. 21

Capitu e o capítulo

Filme “Capitu e o capítulo”

O cineasta Júlio Bressane está lançando esse novo filme “Capitu e o Capítulo” no Festival de Cinema de Curitiba. Antes tinha sido exibido no festival de Rotterdam. Não é uma obra que se possa classificar como marginal. Não é um cinema acadêmico. Na realidade, Bressane hoje conhece muito bem a estrutura do cinema e assim pode aproveitá-la para transmitir sua ideia. E claro que não precisa ser uma estória. Lembrando que Júlio Bressane conduziu junto com Rogério Sganzerla o movimento chamado de ‘udigrudi’, que tentou substituir o Cinema Novo depois de 64.

Assim, é preciso contextualizar para melhor entender o que se diz em torno desse filme “Capitu e o Capítulo”, uma vez que se ele não tivesse sido feito por um veterano cineasta, mas por alguém bem jovem, a interpretação deveria ser totalmente outra.

Temos trechos de romances de Machado de Assis interpretados por artistas de cinema e dirigidos por um cineasta. Mas não seria realmente um filme em termos tradicionais. Seriam ou melhor são cenas de teatro filmadas. Em torno do assunto único que seria a personagem Capitu de Machado e alguns outros que ficam em volta. A interpretação é tipicamente teatral e não cinematográfica. E a direção também é teatral. No meio das cenas teatrais temos uma cena em termos atuais e também com estrutura cinematográfica. Isso foi uma clara opção do diretor para mostrar ao espectador o que na verdade ele estava assistindo.

Eu não conheço os técnicos que trabalharam com Bressane nesse filme, mas reconheço que são de grande competência. Fizeram tudo o que o cineasta desejava que fosse feito. Inclusive o excelente trabalho de montagem. Os intérpretes Mariana Ximenes, Enrique Diaz, Vladimir Brichta, Djin Sganzerla e Saulo Rodrigues se comportaram da forma que parece ser a mais perfeita numa montagem teatral-cinematográfica. E assim temos uma interpretação da própria obra literária de Machado. E assim me parece um tanto cênica literária. Não é o que me sugere ser a melhor interpretação da obra de Machado de Assis. Eu vejo o escritor brasileiro de forma muito mais enxuta e direta. Mas Bressane deixou transparecer um olhar em que o que temos é a fala de um romancista um tanto meloso. Um tanto melodramático.

Preferia ter visto um Machado menos burilado pela forma teatral. Um escritor que se pode encontrar nesse grande romancista e contista. E que merece a distinção que lhe é dada pela crítica brasileira em geral. Júlio Bressane quase que o endeusou, mas erradamente.

Olinda, 08. 10. 21

Kinshasha Makambo

Filme “Kinshasha Makambo” I Foto: Reprodução/Mubi

Trata-se de um filme produzido na República Popular do Congo e lançado em 2018. Agora, está em exibição no Mubi. A direção é do cineasta congolês Dieudo Hamadi e a equipe técnica conta com alguns franceses. O filme é falado na língua nacional, que tem influência do francês por efeito da colonização.

Dieudo Hamadi documentou, mas não fez um documentário. As partes documentais são as manifestações nas ruas contra a permanência do presidente Joseph Kabila, que queria continuar depois de terminar o segundo ano de mandato. Além das cenas das manifestações, o filme cria personagens que são ligados às lutas e a momentos de diálogo entre, por exemplo, um líder Ben e seus familiares. Depois de dois anos de prisão, é solto e então volta a Kinshasa e quer continuar a luta. Na realidade, fica entre participar e se esconder.

A maior importância desse tipo de exibição em ‘streaming’ é que filmes importantes como este, de produção africana, no passado não teriam como chegar ao público mundial. É uma mudança realmente para melhor.

Olinda, 13.09.21

As faculdades

Filme “As faculdades”

“Las Facultades” não é realmente um título de filme que possa atrair um grande público, a não ser públicos específicos. Mas esse é o título do filme argentino que está sendo lançado pelo Mubi. A direção é da jovem cineasta Eloisa Solaas que além de dirigir participou da produção e da edição. Esta foi feita ainda por outras duas técnicas. O que demonstra se tratar de uma obra de complexa montagem. Mas enfim conseguiram, contando com esse tema muito pouco popular fazer um filme que se vê com atração. Além da montagem, o filme contou com um trabalho muito bom de cinematografia. E o roteiro musical de Leandro Arrarás é interessante, pois ele contou com a música produzida por um possível aluno na execução do piano. Muito bom.

O tema do filme se pode dizer que é um retrato do que a diretora chama “as faculdades”, ou seja, um retrato do sistema de ensino superior na Argentina. Não é sobre questões do ensino, mas mostrando momentos de diálogos entre alunos e professores. E isso em matérias como filosofia, biologia, história, política, e até cinema. Às vezes, as filmagens são de momentos de exames, outras, aulas sobre algum assunto, inclusive Direito, e vai por aí. Certamente, um filme maduro, embora a diretora seja uma jovem.

Olinda, 14.09.21

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