Adesão da Argentina ao plano chinês da Nova Rota da Seda faz soar o alarme nos EUA

A visita de Fernandez e a assinatura do acordo entre Argentina e China acendeu o alerta nos Estados Unidos que veem com desconfiança o aumento da presença chinesa na região

Foto: Liu Weibing/Xinhua

Em visita à China, no início de fevereiro, o presidente argentino Alberto Fernandez assinou o acordo por meio do qual a Argentina adere ao projeto chinês “Cinturão e Rota” (BRI ou Belt and Road Iniciative, em inglês), também conhecido como “Nova Rota da Seda”. A Argentina é o vigésimo país latino-americano a aderir à iniciativa chinesa, mas é a primeira grande economia latino-americana a fazê-lo. Brasil, México e Colômbia, as outras três maiores economias da região, ainda não aderiram.

O projeto Cinturão e Rota foi lançado pelo presidente Xi Jinping em 2013 e tem por objetivo impulsionar a cooperação e a conectividade, física e digital, entre os países por meio de dois componentes principais:  um de natureza terrestre (o “Cinturão Econômico da Rota da Seda”) e outro transoceânico (a “Rota Marítima da Seda”). Pensado inicialmente para promover a conexão entre a China e os países do Sudeste Asiático, Ásia Central, Eurásia, Oriente Médio, Oeste da África e Europa Ocidental por meio de projetos de infraestrutura terrestre – principalmente ferrovias – marítima (portos) e digital (fibra ótica, satélites), o projeto envolvia, em sua versão inicial, 65 países.

Tanto o interesse da China em expandir as áreas de cooperação para outras regiões, como o interesse dos países em desenvolvimento em obter financiamento para obras de infraestrutura, levaram a que o projeto se ampliasse para outros países e continentes. Até o momento 145 países, que representam 40% do PIB mundial, já aderiram à iniciativa. Na África são 44 países, ou 81% do continente; na Ásia, são 42, o que corresponde a 93% dos países; na Europa são 29, ou 61%; na América Latina e Caribe são 20, o que representa 59% dos países da região; na Oceania são 10 países, ou 62%. Os acordos de cooperação assinados abrangem as mais diversas áreas: econômica, sanitária, cultural, digital e meio-ambiente.  Desde 2013, a China já financiou, no âmbito dessa iniciativa, entre U$ 1 trilhão e US$ 1,3 trilhão em obras de infraestrutura.

Foto: Liu Weibing/Xinhua

No caso do acordo firmado com a Argentina estão previstos investimentos na ordem de US$ 23,7 bilhões, em diversas áreas. Segundo noticiou a imprensa, seriam firmados acordos para ao menos 25 projetos, na maioria planos de infraestrutura, que incluem obras de ampliação e reforma de linhas ferroviárias, além de programas de transporte, projetos de eletrificação, planos de instalação de uma planta industrial papeleira, dentre outros. A Central Nuclear Atucha III é parte dessa agenda e será o primeiro investimento chinês em energia atômica na América Latina. A imprensa também falou sobre a expansão do projeto solar Cauchari, na Província de Jujuy, noroeste do país, um acordo de energia nuclear e radioisótopos medicinais e alguns projetos no tipo de indústrias de alta tecnologia que são de interesse crescente para a China (Valor, 02/02/2022). O governo chinês também manifestou apoio à reivindicação da Argentina pelas ilhas Malvinas.

A visita de Fernandez e a assinatura do acordo entre Argentina e China acendeu o alerta nos Estados Unidos que veem com desconfiança o aumento da presença chinesa na região e têm feito forte pressão para que os países latino-americanos não adiram ao projeto. Segundo noticiou o site da Voz da América, em 08/02/2022, “Senadores democratas e republicanos [Marco Rubio (R-Fl) e Robert Menendez (D-NJ)] se reuniram para apresentar à Câmara Alta do Congresso a proposta de “Lei de Estratégia de Segurança do Hemisfério Ocidental 2022”, que visa ampliar o compromisso dos Estados Unidos com a América Latina diante do impacto desestabilizador de “regimes autoritários e organizações criminosas transnacionais”. Para o senador Marco Rubio, “não há ameaça maior em nossa região do que a crescente interferência da Rússia e da China (…) e os Estados Unidos devem ser um líder confiável e um parceiro para países que pensam da mesma forma em nossa região” (VOA, 09/02/2022).

Conforme noticiou o jornal argentino Clarin (08/02/2022), o “deputado republicano Matt Gaetz, aliado do ex-presidente Donald Trump, alertou em um discurso: “Enquanto o governo Biden, a mídia e muitos membros do Congresso estão batendo os tambores da guerra pela Ucrânia, há uma ameaça muito mais significativa para nossa nação em rápida aceleração perto de casa, na Argentina”. Lembrando que “A Argentina acaba de se juntar ao Partido Comunista Chinês ao assinar a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota (Rota da Seda)”, Gaetz afirmou que “O custo para a China foi de US$ 23,7 bilhões, uma mera fração em comparação aos trilhões de dólares que os Estados Unidos gastaram para construir democracias com areia e sangue no Oriente Médio (…) A compra de influência e infraestrutura da China na Argentina para colaborar no espaço e na energia nuclear é um desafio direto à Doutrina Monroe e muito mais significativo para a segurança dos EUA do que nosso último flerte com a Otan nas planícies da Europa Oriental”, disse o comunicado do deputado republicano.  E concluiu: “A China é uma potência em ascensão; A Rússia é uma potência em declínio. Vamos aguçar nosso foco.”

A chamada Doutrina Monroe foi anunciada pelo presidente americano James Monroe (presidente de 1817 a 1825) em sua mensagem ao Congresso dos Estados Unidos em 2 de dezembro de 1823, como um libelo dos Estados Unidos contra o colonialismo europeu nas Américas, mas com o passar do tempo ficou associada à interpretação literal da frase que a resume: “América para os americanos”, ou seja, o continente americano é área de influência dos Estados Unidos e a presença de outras potências na região não é bem-vinda.

A afirmação do deputado republicano de que a presença chinesa na América Latina é um “desafio direto à Doutrina Monroe” e que a adesão da Argentina à Iniciativa Cinturão e Rota é mais problemática para os Estados Unidos do que a intenção russa de manter a Ucrânia em sua área de influência revelam o que pensa uma parte significativa do establishment norte-americano a respeito de como devem ser as relações daquele país com as demais nações do continente abaixo do Rio Grande. Revela, sobretudo, o preço que os países da região podem ser obrigados a pagar por não se submeterem aos ditames de Washington. Cuba e Venezuela que o digam.

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