Afeganistão teve o ano mais fatal, mas EUA pretendem ficar

Um relatório recém-publicado pela Missão das Nações Unidas de Assistência no Afeganistão indicou que 2014 foi o ano mais letal para os civis desde o início da série histórica, em 2009. A guerra lançada em 2001 pelos Estados Unidos contra o país da Ásia Central está longe de terminar. Com milhares de soldados ainda ativos em solo afegão, o governo estadunidense conta agora com um novo presidente, Ashraf Ghani, menos arredio à permanência das suas tropas.

O ex-presidente Hamid Karzai, substituído por Ghani nas eleições de setembro de 2014, declarou abertamente sua oposição à permanência de tropas norte-americanas no país, cuja estrutura social e econômica foi devastada nestes 14 anos de guerra. Os números da miséria e da violência só viram a ascensão, embora a atuação militar dos EUA fosse defendida como a garantia de segurança. O governo estadunidense chegou a ameaçar o afegão com pressões econômicas devido à sua “teimosia”.

Ao contrário do que oficiais norte-americanos pregam, autoridades locais negam que as tropas estrangeiras cumprem apenas papel de treinamento e aconselhamento para o Exército afegão no seu combate contra o Talibã. O jornal estadunidense The New York Times, porém, noticiou o relatório da ONU sobre o aumento da fatalidade quase como consequência do menor envolvimento das tropas norte-americanas em batalhas, já que os afegãos estão na liderança.

De acordo com o relatório, as forças afegãs e o Talibã têm se enfrentado cada vez mais diretamente. Porém, grande parte das mortes contabilizadas decorre de bombas nas estradas e atentados em locais públicos, o que tem alterado a dinâmica dos confrontos, tornando-os mais fatais também para soldados afegãos.

O recorde anterior, de 2013, foi superado em 22% no ano passado, com 10 mil mortes entre os civis. Além disso, a ONU estimou o aumento da troca de fogo transfronteiriça do Paquistão contra território do Afeganistão, resultando em 1% das mortes civis. Também prevê-se que o ano de 2015 seja ainda pior do que o de 2014. O Talibã foi responsável por 72% das mortes e o menor envolvimento das tropas estrangeiras nas batalhas resultou numa redução de 43% na sua responsabilidade pelas mortes ou ferimentos causados a civis. Além disso, 102 pessoas morreram como consequência da ação das violentas milícias aliadas ao governo, que o presidente Ghani prometeu desmobilizar.

Para não perder o fio da meada, o novo secretário da Defesa dos EUA, Ashton B. Carter, visitou Afeganistão há uma semana, sua primeira missão no posto, ao qual foi designado há 10 dias. Depois, dirigiu-se ao Kuwait para discutir com oficiais norte-americanos os planos para o “Grande Oriente Médio” e a batalha contra o chamado “Estado Islâmico”.

Ainda no Afeganistão, Carter retomou a empreitada do seu antecessor Chuck Hagel e do presidente Barack Obama para atrasar a retirada do último contingente de 10 mil soldados estadunidenses no país. Mais uma vez, o objetivo alardeado como nobre é “ajudar” no combate ao Talibã. A maior parte das tropas deveria ser retirada até o fim de 2016.

Carter e Ghani em coletiva de imprensa em Kabul, em 21/2. Foto: Jonathan Ernst/AFP — Getty Images.

O New York Times retratou a nova dupla – o presidente Ghani e o secretário Carter – como a possível “relação militar mais forte” almejada por Obama, após os “anos turbulentos em que o presidente Hamid Karzai contrapôs-se frequentemente aos Estados Unidos.” Carter também notificou que os EUA estão “repensando os detalhes” das suas operações contra-terroristas no Afeganistão, o que reforça a afirmação de oficiais no terreno sobre o envolvimento efetivo das tropas estadunidenses nos combates e operações. A ligação deste dado com a condenação, no relatório da ONU, das práticas de tortura contra “suspeitos de terrorismo” detidos é algo a se avaliar.

O novo presidente afegão, que passou pelo Banco Mundial e pelo Ministério das Finanças, venceu as eleições no segundo turno contra Abdullah Abdullah. O derrotado foi alocado em um posto criado para apaziguar os ânimos, o de chefe do Executivo, com o intuito de formar um “governo de unidade”. O acordo prevê uma conferência em 2016 para avaliar a necessidade de recriação do posto de primeiro-ministro.

Em março, Ghani reúne-se com Obama em Washington após a “avaliação da situação securitária” no Afeganistão por Carter. O novo governo afegão parece dar aos EUA mais acesso ou a prerrogativa na condução do seu “combate ao terrorismo”. Quando chegou ao país, antes de encontrar-se com oficiais afegãos, Carter reuniu-se com os generais John F. Campbell, comandante máximo norte-americano no Afeganistão, e Lloyd J. Austin III, chefe do Comando Central dos EUA gerindo as operações militares no Oriente Médio.

Depois disso, em uma coletiva de imprensa sobre os resultados da reunião entre Carter, Ghani e Abdullah, os dois primeiros afirmaram a possibilidade de “retrasar a retirada de tropas estadunidenses”. Carter indicara antes uma “preocupação securitária” com os próprios soldados norte-americanos. Foi também esta a primeira justificativa de Obama para as operações no Iraque, no fim do ano passado: “proteger” suas bases e oficiais de ataques do chamado “Estado Islâmico”. Este nome, aliás, já emerge no Afeganistão, uma vez que se trata do novo monstro alimentado para dar seguimento à eterna e geoestratégica “guerra contra o terror” dos EUA no Oriente Médio.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor