Anistiados do Araguaia, uma vitória genuinamente paraense

 

Os advogados paraenses Cláudio Rocha de Moraes (35) e Ronaldo Luiz Veiga Fontelles de Lima (37), Sócio-Fundadores do Escritório de Advocacia MORAES & FONTELLES ADVOGADOS ASSOCIADOS, conseguiram no último mês de novembro uma daquelas façanhas que faz reavivar dentro de nós o muitas vezes combalido orgulho que temos de ser paraenses. É exatamente isso o que sentimos quando vemos triunfar o talento da nossa gente em terras forasteiras.

Uma decisão judicial (liminar) proferida em setembro de 2009 pela 27ª Vara da Justiça Federal no Rio de Janeiro, nos autos de uma Ação Popular proposta por um advogado ligado ao polêmico Dep. Federal Jair Bolsonaro (PP/RJ), havia determinado a suspensão dos pagamentos das indenizações que foram concedidas administrativamente pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça à 44 pobres camponeses da região do Araguaia (Sul do Pará), todos vitimas da repressão imposta pelo então Governo Militar à chamada “Guerrilha do Araguaia”, havida nos idos dos anos 60/70. Além de suspender o pagamento dessas indenizações, a decisão judicial acabou emperrando completamente os trabalhos da Comissão de Anistia, pois os seus dirigentes entendiam não haver “segurança jurídica” para a concessão de novas indenizações enquanto a liminar não fosse “caçada”. Estima-se que cerca de 300 camponeses que fazem jus a essas indenizações tiveram seus processos paralisados por mais de dois anos perante a Comissão de Anistia, só por conta da referida decisão judicial.

Contratados pela ATGA (Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia) para representar judicialmente os 45 camponeses na Ação Popular proposta perante a Justiça Federal no Rio de Janeiro, os advogados paraenses foram colocados diante de um enorme desafio profissional. “Quando a associação dos camponeses nos procurou o panorama processual era extremamente desfavorável aos anistiados”, afirma Cláudio Moraes, que mora no Rio de Janeiro e atuou diretamente no processo. “Assumimos a causa num momento em que os camponeses sequer haviam sido admitidos como parte na Ação Popular, que foi inicialmente proposta em face do Presidente da Comissão de Anistia e do então Ministro da Justiça. Aliás, nossa primeira grande vitória foi justamente essa: convencer o Juiz da causa de que os camponeses tinham o direito de fazer parte do processo por serem eles os verdadeiros beneficiários dos atos administrativos que estavam sendo impugnados na Ação. Apesar de se tratar de uma prerrogativa prevista expressamente na Lei da Ação Popular, ironicamente, o magistrado vinha entendendo que a inclusão dos camponeses pouco acrescentaria ao processo e só retardaria o seu desfecho. Foi sob esses fundamentos que o Juiz já havia negado, por duas vezes, o requerimento de inclusão dos camponeses formulado tanto pelos Advogados da União que representam os agentes públicos réus quanto pelo Ministério Público Federal. Diante desse quadro, a única alternativa que me ocorreu foi pedir para ser recebido pelo magistrado no seu Gabinete para tentar convencê-lo de que a ausência desses camponeses no feito iria gerar uma nulidade processual passível de ser declarada de ofício pelas instâncias superiores, pondo a perder toda a celeridade que ele estava tentando imprimir à causa. Deu certo!”, comemora Cláudio Moraes.

Apesar de vencida a primeira batalha, os desafios ainda se mostravam aterradores. Ronaldo Fontelles conta que a maior dificuldade decorreu do fato de só terem sido contatados pelos representantes dos camponeses quando a Ação Popular proposta no Rio de Janeiro já se encontrava num estágio bem avançado: “Quando fomos consultados pela ATGA sobre a possibilidade de patrocinarmos os camponeses na causa, a liminar que determinou a suspensão do pagamento das indenizações já havia sido deferida há algum tempo. Inclusive, os Advogados da União já haviam até interposto o recurso de Agravo de Instrumento perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região com o objetivo de cassá-la, no que não lograram êxito, entretanto. Além disso, já constavam dos autos as contestações (defesas) do Presidente da Comissão de Anistia, do Ministro da Justiça e da própria União (que interveio no processo). Sobre essas defesas, aliás, já havia sido emitido um parecer do MPF (Ministério Público Federal) amplamente crítico e absolutamente desfavorável aos interesses dos camponeses. Foi como se tivéssemos sido chamados para entrar em campo já na metade do segundo tempo e com um placar amplamente desfavorável.”, compara Ronaldo Fontelles.

O advogado Cláudio Moraes tenta explicar o porquê das coisas terem se complicado tanto no processo. “Infelizmente, nos habituamos a conviver no Brasil com a revelação, pela imprensa, de pelo menos um caso de corrupção governamental por mês, quiçá por semana. Isso criou na sociedade brasileira um impulso natural de pré-julgamento, sempre que se depara com algum noticiário desse tipo. A nossa percepção foi condicionada a promover uma espécie de inversão da lógica do princípio da presunção da inocência, nos fazendo transferir para o acusado, que já intuímos culpado, o dever de provar que é inocente, exonerando o acusador, de certa forma, de demonstrar a consistência das suas denúncias. Os juízes e os membros do Ministério Público não estão imunes a esse reflexo condicionado, apesar dos seus respectivos ofícios reclamarem de si maior cautela no trato dessas questões. Estou convencido de que foi a descrença generalizada que nutrimos no nosso sub-consciente coletivo com relação à classe política foi determinante para que essa Ação Popular causasse tantos prejuízos aos pobres camponeses do Araguaia, que, em última análise, não tem nada com isso. O Autor da Ação, que é advogado, atento a essa particularidade, criou uma verdadeira “cortina de fumaça” em torno dos trabalhos realizados pela Comissão de Anistia (que é o órgão responsável pelo julgamento administrativo dos pedidos de indenização por anistia política), colocando-os sob forte suspeição, mesmo sem indicar nenhum fato concreto, certo e específico que pudesse ser objeto de prova na instrução processual. Na verdade, ele se aproveitou da repercussão negativa que teve na mídia o caso de um ex-integrante da Comissão de Anistia que passou a intermediar a contratação de advogados (captação de clientela) para representar alguns dos pretensos beneficiários dessas indenizações perante a Comissão de Anistia, o que é vedado pelo Estatuto da OAB e pelo Código de Ética da Advocacia. Apesar de terem sido os próprios integrantes da Comissão de Anistia quem denunciou o fato ao MPF e à OAB, a conduta desse cidadão, que não se confunde em absoluto com os trabalhos da Comissão, constitui-se no factóide que o Autor da Ação Popular precisava para tentar induzir a erro o Juiz da causa. Some-se a isso aquilo que no jargão forense costumamos chamar de “espírito fazendário”, que é uma espécie de instinto de preservação do erário muito comum nos Juízes Federais, que atuam precipuamente no julgamento de Ações envolvendo os interesses do Estado. Foi essa a fórmula que resultou na liminar determinando a suspensão do pagamento das indenizações dos camponeses. Como se vê, o caso não era dos mais simples. Não há nada mais difícil na nossa profissão do que fazer um Juiz rever o seu próprio posicionamento. Isso é muito diferente do que tentar convencê-lo de algo sobre o que ainda não possui opinião formada. Ao deferir a liminar, ficou clara a inclinação do juízo em formar a sua convicção no sentido de que, efetivamente, haveriam irregularidades na concessão das indenizações. As contestações apresentadas pelos Procuradores da AGU não haviam surtido o efeito esperado, chegando a serem alvo de severa critica por parte do MPF.

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