Anotações sobre marxismo e classes (VIII): teorias não científicas

Além das ideias de Max Weber o conceito de classes sociais usado pela sociologia convencional foi desenvolvido também a partir de indicações deixadas, entre outros, por Emile Durkheim e Pitirikim Sorokin, autores que escreveram na passagem entre os séculos XIX e XX movidos pelo desafio de compreender as contradições cada vez mais visíveis do mundo capitalista. E para dar base a politicas de adaptação a elas e harmonização dos conflitos.

Emile Durkheim (1851-1917) foi um dos fundadores da ciência da sociedade convencional (muitos estudiosos o consideram fundador da sociologia). Ele publicou, em 1893, Da divisão social do trabalho livro onde apresentou a sociedade como um corpo vivo no qual a divisão do trabalho determinaria os papéis de cada um, devendo haver forte solidariedade moral entre todos os indivíduos.

No prefácio à segunda edição desse livro Durkheim identificou um estado de patologia social, de “anomia”, responsável pelos “conflitos incessantemente renovados” e “desordens de todos os tipos dos quais o mundo econômico nos dá o triste espetáculo”. Essa “anarquia“ é um “fenômeno mórbido” que “vai contra o próprio fim de toda sociedade, que é o de suprimir ou ao menos moderar a guerra entre os homens, subordinando a lei física do mais forte a uma lei mais elevada” (Durkheim: 1983).

Isto é, o fortalecimento dos interesses econômicos que ocorreu nos dois séculos anteriores – ou seja, desde a revolução industrial e o predomínio das relações de produção capitalistas – criou as condições onde os conflitos de classe se generalizaram. Este é o estado de “anomia”, ou de patologia social, ao qual Durkheim se referiu e que, segundo ele, ameaçam (como uma doença ameaça um corpo) a ordem social que, em sua opinião, deveria prevalecer.

Um bom resumo dessas ideias é apresentado pelo escritor soviético Melnikov no livro A estrutura de classes nos Estados Unidos, que foi amplamente aproveitado nestas notas. O britânico Anthony Giddens também apresentou um resumo útil, donde foram retiradas muitas informações aqui utilizadas.

Segundo Melnikov o fundador da teoria da estratificação social convencional foi o russo Pitirikim Sorokin (1889-1968, exilado nos
EUA desde 1923) para quem a “estratificação social significa a diferenciação da população em classes, dispostas por ordem hierárquica”; ela se manifesta “na existência de camadas sociais superiores e inferiores”, sob três formas: econômica (ricos e pobres), política (dirigentes e dirigidos) e profissional (certas profissões são mais honrosas do que outras) (Melnikov: 1978).

Melnikov apresentou criticamente as teorias burguesas dividindo-as em subjetivistas, objetivistas e aquilo que chamou de “interpretação antieconômica”.

As teorias subjetivistas tentam definir a classe de uma pessoa a partir da opinião dela própria, ou de seu círculo. Ele cita como exemplo o escritor norte-americano R. Centers, que defende uma definição psicológica de classe social: “As classes são agrupamentos psicossociais, algo no final de contas subjetivo por seu caráter”. Ele define as classes “como um fenômeno psicológico no sentido mais perfeito do termo… É um sentimento do homem de pertencer… a algo de maior que ele próprio”, escreveu o analista soviético.

As teorias objetivistas, por sua vez, procuram determinar a situação de classe a partir de fatores “objetivos”, com fez o economista norte-americano O. N. Phelps: “Se uma pessoa é comerciário, sua renda, suas companhias, sua situação social, seu traje, seu comportamento diário e seus pontos de vista, tudo isso se acha intimamente ligado a seu trabalho. Mas a forma como essas questões se apresentam para o comerciário é distinta daquela que assume para os carpinteiros, operários fabris, fazendeiros, porteiros, estenógrafos, chefes de administração e engenheiros. Consequentemente é de se considerar o agrupamento profissional da força de trabalho como uma qualificação sócio econômica precisa da população”.

Finalmente, a interpretação “antieconômica” é ilustrada por E. Bergel para quem as “classes representam diferentes subculturas dentro do grande todo de uma cultura. Essas subculturas se acham interligadas e provém de uma raiz comum, mas são suficientemente diferentes a ponto de separar na vida social uma classe de outra”, escreveu o autor norte-americano. “Devemos concluir que as classes se distinguem pelo seu grau de maturidade intelectual e psíquica. As classes média e superior ultrapassam bastante a classe inferior, ou, adotando outra formulação, acham-se mais distantes do estádio inicial do primitivismo… a classe inferior permanece no nível mais primitivo, tal como o de uma criança”. O conservadorismo deste autor ficou claro nesta afirmação. Ele chegou ao ponto de fazer a seguinte recomendação, fortemente preconceituosa, às pessoas das classes inferiores: “Se vocês não se encontram no cimo da escala social, os culpados são vocês mesmos, pois não dispõem de capacidade para ocupar outro posto na sociedade”.

Para Melnikov o sociólogo norte-americano William Lloyd Warner substituiu o conceito científico de classe (ver o capítulo anterior desta série), “pelo de grupos de status, determináveis não a partir de fatores objetivos e sim com base em indicadores arbitrários, subjetivos. As classes são representadas despidas de seu caráter antagônico, como grupos de pessoas de diferente prestígio coexistindo harmonicamente. Suprime-se a fronteira entre a burguesia e o proletariado” (Melkinov: 1978).

São teorias onde a ciência é abandonada, substituída pela visão arbitrária e fortemente ideológica daqueles que se recusam a compreender a natureza concreta das classes e do conflito entre elas. Que tentam harmonizar interesses antagônicos e impedir a luta de classes, com o objetivo de manter a ordem e o status quo capitalista.

Referências

Caetano, Érika de Cássia Oliveira. A divisão do trabalho – uma análise comparativa das teorias de Karl Marx e Emile Durkheim. In http://www.pucminas.br/imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI20060410095823.pdf, consultado em 02/09/2015.

Durkheim, Emile. Da Divisão Social do Trabalho; As Regras do Método Sociológico; O Suicídio; As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo, Abril Cultural, 1983.

Giddens, Anthony. A estrutura de classes das sociedades avançadas. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975.

Melkinov, A. N. A estrutura de classes dos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1978.

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