Antonia: A Condutora do Belo

O filme “Antonia: Uma Sinfonia”, traz a história de luta da musicista Antonia Brico, que perseguiu seu sonho de conquistar as orquestras, enfrentando as dificuldades impostas pelo patriarcado. Pode conter spoilers

Cena do filme "Antonia: Uma Sinfonia", de Maria Peters

No livro “As mulheres e os silêncios da História”, a estudiosa francesa Michelle Perrot destaca que o silêncio e invisibilização foram reiterados através dos tempos pelas religiões, pelos sistemas políticos e pelos manuais de comportamento: “aceitar, conformar-se, obedecer, submeter-se e calar-se, esse mesmo silêncio, imposto pela ordem simbólica, não é somente o calar da fala, mas também o da expressão, gestual ou escriturária”. Importante resgatar a argumentação de Perrot para se compreender que muitas mulheres não aceitaram passivamente tais imposições, procurando demonstrar a estrutura sociocultural reproduzida até nossos dias que submete as mulheres. Ainda assim, há muitas histórias comoventes dessa resistência e da construção de uma estética de justiça, expressa em lutas que demonstram rebeldia ante o controle por regras arcaicas, de tentativa do domínio de mentes e corpos femininos.

Antonia Brico sacudiu o silêncio da história. Ela sonhava reger pessoas. Homens e mulheres com seus instrumentos musicais, para produzir o belo. Quando criança, sua admiração e enlevo foram conquistados ao ouvir Albert Schweitzer tocando em uma catedral de Roterdam.

Na introdução do livro, já destacado acima, Perrot pergunta: “Silenciosas, as mulheres? Mas elas são as únicas que escutamos, dirão alguns de nossos contemporâneos, que com certa angústia tem a impressão de sua irresistível ascensão e de sua fala invasora.” Assim, Antonia Brico fugiu silenciosamente do controle de uma perspectiva masculina de história e marcou significativamente uma trajetória.

Musicista Antonia Brico

Anos depois, morando em subúrbio pobre de New York, Antonia tivera a sorte de ter aulas de música e também possuir um piano, velho, usado, mal ajambrado em seu pequeno quarto, no qual praticava freneticamente, com o cuidado de colocar panos nos vibradores das teclas, para não incomodar a vizinhança.

Antonia Brico acalentava o projeto de se tornar uma regente de orquestra sinfônica. Empregara-se como auxiliar de auditório na orquestra de um renomado maestro, e de tudo fazia para ouvir as peças musicais. Até ser de lá expulsa por um auxiliar do maestro (que depois terá papel importante em sua vida futura).

Não desistiu. Juntou dinheiro, foi atrás de aulas, até mesmo com o maestro de uma banda de retreta, e com ele aprendeu muitas coisas. Mas teve que fugir depois de tentativas de assédio do professor.

Antonia Brico, personagem do filme “The Conductor” (no Brasil, pela Netflix, “Antonia: uma sinfonia”), foi de fato uma maestrina nos EUA, tendo conduzido orquestras sinfônicas em Nova York e em várias outras cidades americanas. Também na Europa.

Imagem: Divulgação

O filme “Antonia” não é um documentário, e sim uma biografia romanceada, exaltando as lutas dessa notável musicista contra os preconceitos machistas no próprio mundo da música, no qual não se admitia que uma mulher pudesse ser uma regente de orquestra. O filme, dirigido pela holandesa Maria Peters, está repleto desses momentos de enfrentamento e da coragem de Antonia para vencer desafios. Momentos que levam à indignação e também à comoção, e vemo-nos torcendo decididamente pelo sucesso da personagem, em sua insistente empreitada.

A diretora e roteirista holandesa Maria Peters, depois de ter filmado “Antonia: uma sinfonia”, ficou ainda mais encantada pela trajetória da maestrina e decidiu transformar o roteiro do filme em um romance histórico, aqui publicado pela Editora Planeta, que se tornou best-seller na Europa.

A verdadeira Antonia Brico nasceu em 1902 na Holanda. Ainda pequena, com seus pais adotivos, imigraram para os Estados Unidos em 1908 e estabeleceram-se na Califórnia. Em 1919, Antonia já era uma pianista e possuía experiência em conduzir uma orquestra. Na Universidade da Califórnia, em Berkeley, trabalhou como regente assistente na Ópera de São Francisco. Após graduar-se em 1923, estudou piano com diversos professores, principalmente com Sigismond Stojowski. Retornou para a Europa, tornando-se aluna da Academia Estatal de Música em Berlim e, em 1930, foi a primeira mulher a comandar a filarmônica da capital alemã. Teve suas vitórias pessoais, e se afirmou no mundo da música nos EUA, na primeira metade do século XX, embora, até hoje, uma revista especializada na área de orquestras, como a “Gramophone”, não inscreva nenhuma mulher regente dentre as principais orquestras do mundo.

A história tocante de Antonia é um estímulo para as incontáveis batalhas, mundo afora, pelo rompimento da dominação e opressão impostas a todas as mulheres. Maria Lygia Quartim assinala isso na trajetória de séculos e que permanece, mantida pela força do patriarcado, o qual “atua principalmente na subjetividade, dado que a cultura na qual somos criadas nos ensina que Deus é do gênero masculino, assim como a própria língua utiliza o masculino como referente da humanidade”.

O filme é bonito e cativante. A atriz que interpreta Antonia, Christanne de Bruijn, fez ali seu primeiro trabalho cinematográfico e se saiu muito bem. O final do filme é enternecedor. Não podemos contar aqui agora! Assistam!

  • Título: Antonia: uma sinfonia (original: De Dirigent)
  • Ano: 2018
  • País: Holanda
  • Diretora: Maria Peters
  • Elenco: Christanne de Bruijn, Benjamin Wainwright e Scott Schofield

Referências:

  • Quartim, Maria Lygia. Breve história do feminismo. In: Os desafios do feminismo marxista na atualidade.- 1. ed. – Chapecó, Coleção marxismo21, 2020.
  • PERROT, Michelle. As mulheres e os silêncios da História. Bauru: Edusc, 2005.
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