Aos mestres mais velhos

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Nesta semana, em conversa com um professor aposentado, eu lhe perguntei se estava trabalhando em novas turmas e pesquisas fora da  universidade onde trabalhara boa parte da sua vida. Ele me respondeu que não.

– Mas você não pode se ausentar – eu lhe disse.

A isso ele respondeu que as turmas de hoje, mais jovens, dominavam novas ferramentas produzindo muito bem (sem ele, me  pareceu insinuar). Então eu  lhe disse que o seu conhecimento orgânico não se encontrava em feiras livres. E que o seu saber, acumulado sob tantos obstáculos, não estava no google.

– Não está no google… – ele me repetiu, como a pensar em voz alta.

É motivado por essa nossa conversa inicial, que continuo agora a partir destas linhas.  

Há um preconceito sobre cientistas do qual ainda não se diz o nome.  A saber:    pesquisadores mais jovens fazem a ciência de ponta, enquanto os mais velhos, a ciência do fim. Do fim que já houve. Mas a experiência, mãe de toda poesia e ciência, não sustenta semelhante preconceito. Aliás, não sustenta qualquer preconceito. Primeiro, vamos ao Camões que expressa a luta entre o mais recente, que se confunde com o mais novo, e o mais velho:

“Metido tenho a mão na consciência,
e não falo senão verdades puras
que me ensinou a viva experiência”.

Esses versos acima dão vontade na gente de parar, porque são uma verdadeira chama de pentecostes. Mas reflito ainda assim.  Galileu, Einstein, Kepler, Newton, eram jovens no tempo de suas primeiras contribuições de gênio. Na literatura, Balzac produziu obras imortais entre os 34 e 40 anos. Shakespeare, entre os 36 e 41 anos mandou peças imortais. Cervantes, o mais velho desses máximos de humanidade, publicou o Dom Quixote aos 58 anos.

Mas a questão é outra. Como o povo fala, é coisa mais fina. No caso, isso quer dizer: não adianta ver a idade em que cientistas, filósofos e escritores revolucionários produziram obras de gênio, porque a questão se dirige ao cerne universal do próprio desenvolvimento do conhecimento.

Por exemplo, no plano da história mais recente, sabemos que na opinião de alguns jovens a ditadura no Brasil foi coisa boa. Uma estudante de 18 anos chegou uma vez a declarar: “As pessoas dizem que a ditadura foi um tempo bom, que você podia ficar na frente de casa sem ser assaltado. As escolas eram tranquilas. Hoje aluno bate em professor, as pessoas te roubam na sua casa….”. Para mim, isso reflete a falta da ação civilizatória de mestres e educadores, que falem da sua viva experiência em sala de aula.   

Se me entendem, os professores, os mestres mais velhos merecem um convite de volta para a sala de aula ou tribunas do Brasil, porque vemos jovens do povo que votam em fascistas. Os mestres são necessários quando sabemos que estudantes de escolas públicas supõem conhecer a ditadura, pois falam de uma ditadura sem a longa noite de infâmia, porque são desnorteados contra a liberdade, um bem muito valioso, tão ou mais importante que a vida.

Mas no campo das chamadas ciências duras, ou em seu nome impróprio equivalente, “ciências exatas”, os mestres mais velhos também são chamados para a sua contribuição indispensável. Como, poderiam perguntar, se o conhecimento e prática dos idosos envelheceram? Aqui, outra vez, aparecem exemplos de professores medíocres para com eles extrair um facilitário das trevas. Quem acha que os mais idosos sabem de um mundo que não mais interessa, alcança uma versão da anedota de Euclides e um filho da mais alta elite material na Grécia histórica. O aluno, diante do que lhe parecia dificílimos teoremas, perguntou ao grande Euclides:  

– Mestre, será que não existe um caminho mais fácil para ensinar?

Ao que Euclides lhe respondeu:

– Ainda não se inventaram caminhos para os nobres na geometria.

Assim tem sido. Perder o precioso fruto do trabalho de mestres que tanto lutaram em laboratórios, livros e experiência, é achar que existem sinuosidades mais fáceis na ciência. Entendam, se consigo escrever de modo mais preciso: ainda que os mestres nada saibam dos recursos últimos da computação e da informática, eles saberão pôr no seu devido lugar a chamada “inteligência artificial”. Quero dizer, com as luzes da filosofia eles saberão dizer o que são mesmo inteligência e cognição diante dos mais intrincados problemas. Por outro lado, de modo mais elementar, o Google ainda não assimilou, e bem longe está de reunir aquela vivência humana que pode saltar para compreender uma explosão de estrelas. Ou dito de outra maneira, como os técnicos da última geração poderão entender o ouvido sensível de um João Gilberto, o músico que antecipou a descoberta de que os discos vinis eram melhores que os CDs?

E mais claro e preciso, saberão os bárbaros que se acham plenos de novas e novíssimas inovações, saberão entender que o número pi jamais terá uma sucessão previsível de períodos de algarismos? Ou saberão discutir os paradoxos de Zenon como uma discussão de problemas sem resposta simples? Para isso, os espertíssimos precisarão dos velhos mestres , que vêm de cabelos brancos para a sala de aula com os seus velhos algoritmos de contas de divisão.

É claro que de modo parcial não me referi às vantagens imensas que os mais velhos teriam se aprendessem e apreendessem os recursos tecnológicos que os mais jovens sabem como ninguém. Mas o meu desejo aqui foi o de combater o pessimismo de um amigo aposentado, tão útil, tão necessário e urgente. E quando penso em velhos mestres como ele e no seu papel insubstituível, eu me espelho nos exemplos a seguir.

Eu penso numa escola de cinema do Brasil cujo nome é Celso Marconi. Eu penso nos socialistas mais velhos do Brasil, entre os quais lembro logo de José Carlos Ruy. Eu penso nos amigos professores como José Antonio Spinelli, Walter Rocha, José Amaro Santos da Silva, Otaciel de Oliveira,  alguns deles aposentados. Mas todos, enfim, com o saber de experiência feito,  que ainda não se encontra no google.

Que os mestres sirvam outros sete anos, e mais serviriam se não fosse para tão longo amor tão curta a vida.

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