Árvores da paz

É um filme que trata de tragédia, sofrimento e barbárie, mas também fala da esperança e resiliência

Foto: Divulgação

Neste final de semana, em uma pausa das diversas atividades deste período político intenso em nosso país e em nossas cidades, assisti ao filme “Árvores da Paz”, dirigido por Alanna Brown, lançado no dia 10 de junho, pela Netflix. A película aborda uma trágica história de um genocídio realmente acontecido no país africano Ruanda, em 1994, envolvendo violentas disputas entre as etnias hutu e tutsi. Em meio à carnificina dos hutus sobre os tutsis, quatro mulheres entrelaçam seus destinos, fugindo e se escondendo da barbárie.

Uma delas é a hutu, grávida, Annick (Eliane Umuhire), que não compactua com a matança promovida por sua própria etnia, e se refugia no porão de uma casa. Ela é casada com François (Tongayi Chirisa), um professor de hutus e tutsis, que luta para que sua escola mantenha-se em atividade, ao mesmo tempo que leva comida às quatro mulheres escondidas. Elas se confortam na esperança da incerta chegada de ajuda da ONU, que prometera pacificar o país. Na espera, acabam se juntando a Annick no esconderijo a freira Jeanette (Charmaine Bingwa), a voluntária estadunidense Peyton (Ella Cannon) e a jovem tutsi Mutesi (Bola Koleosho). Enquanto, o genocídio ocorria no país, ao longo de 100 dias, quando cerca de um milhão de pessoas foram mortas por extremistas étnicos hutus, elas assistem de tempos em tempos, por uma pequena janela do porão, todo tipo de violências sobre mulheres, jovens e crianças, mortas sem nenhuma piedade.

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Há uma cena marcante e desesperadora de uma mulher, estuprada e morta com facão, criando um desespero nas mulheres que se encontram no cubículo e nada podem fazer, a não ser silenciar, segurar o grito e o choro para não serem descobertas. E, assim, vão relatando suas vidas, cada uma com uma história de violência. Mutesi, que se manifesta de forma mais inquieta, relata os abusos e estupros que sofreu na sua infância e de sua revolta pela falta de apoio de sua mãe, familiares e vizinhos. Além disso, elas tem que racionar a comida e sobreviver no quase silêncio pelo período de quase três meses, para não chamar atenção. Nisso, acabam estabelecendo relações fortes de cumplicidade.

Esse terrível genocídio, resultado de mais uma ação imperialista no continente africano, provocando conflitos entre as populações nativas, revela-se, segundo o site do Brasil Escola, um dos mais lamentáveis resultados desse tipo de intervenção, que foi fomentado quando os belgas, no início do século XX, se instalaram na região de Ruanda e estimularam rivalidades e ódio entre os tutsis e hutus, duas etnias que há muito ocupavam a mesma região. Embora as duas etnias tivessem mais identidades do que diferenças, pois tem a mesma língua e partilham diversas tradições, os belgas incitaram os tutsis, que tem uma maior estatura e um tom de pele mais claro a se considerarem intelectualmente mais preparados.

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Essa guerra civil de extermínio de populações deriva de um processo de colonização pela Bélgica, explodindo no sangrento conflito nos anos 90. Povos com identidades e necessidades assemelhadas lutaram entre si, em vez de buscarem a unidade contra o dominador. Assim, a maioria populacional hutu passou a atribuir todas as mazelas da nação ao segmento tutsi, que dirigira o país por muito tempo.

Tirados do governo e hostilizado pelos hutus, o povo tutsi abandonou Ruanda e organizou campos de refugiados na vizinha Uganda. Assim, tendo como objetivo derrubar o governo do presidente Juvenal Habyarimana, os tutsis criaram a Frente Patriótica Ruandense (FPR). Acontece um atentado que derruba o avião em que estava o presidente hutu Habyarimana. A ação foi atribuída aos tutsis da FPR, e isso foi o estopim que deflagrou os massacres de 1994. Como resultado dessa tragédia, 200 mil mulheres estupradas, e cerca de cem mil crianças órfãs.

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O filme centra a ação nas quatro mulheres de diferentes origens e crenças, escondidas no porão de uma casa, que criam laços de amizade, solidariedade e fraternidade diante do horror e do momento sombrio que permeiam suas vidas. O filme trata da maternidade, da violência de Estado, mas também da violência contra as mulheres e de conflitos familiares.

Foram elas sobreviventes que lideraram o movimento de reconstrução de Ruanda, nessa luta conquistando postos no poder, uma situação pouco conhecida, de um número considerável de mulheres nomeadas para o governo do que qualquer outra nação no mundo. O país tem o maior Parlamento ocupado por mulheres no mundo: 63,8% da câmara de Ruanda é composta por mulheres e no Senado ocupam quase 40% das vagas.

É um filme que trata de tragédia, sofrimento e barbárie, mas também fala da esperança e resiliência dessas quatro mulheres resistentes em meio ao tenebroso período da história humana. A diretora e roteirista Alanna Brown consegue dar vida e sentimento às personagens em meio ao caos de extermínio de um povo. Ela nos coloca em cena, provoca medo, lutando e torcendo pelas quatro mulheres.

Neste 25 de julho de 2022 – Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, também Dia de Tereza de Benguela no Brasil, a mulher negra que comandou a estrutura política, econômica e administrativa do Quilombo de Quariterê por 40 anos, no século 18, quilombo da região do Vale do Guaporé (MT). Esse filme também mostra a força das mulheres negras, que devem ter nesta conjuntura brasileira protagonismo para conquistar a ampliação dos espaços políticos, para romper a estrutura patriarcal, racista e colonialista de nosso país.

  • Árvore da paz (“Trees Of Peace”)
  • Lançado em 10 de junho de 2022 na Netflix
  • Gênero: Drama
  • Direção e roteiro: Alanna Brown
  • Elenco: Eliane Umuhire, Charmainde Bingwa, Ella Cannon, Bola Koleosho

Referências:

ESCOLA, Equipe Brasil. “O genocídio em Ruanda”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/guerras/o-genocidio-ruanda.htm. Acesso em 25 de julho de 2022.
https://www.geledes.org.br/como-o-parlamento-de-ruanda-se-tornou-o-mais-feminino-do-mundo/

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