As bravatas econômicas do tchutchuca de Bolsonaro

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Paulo Guedes e Jair Bolsonaro - Foto: Isac Nobrega/PR

Há pouco menos de um mês, o anúncio de uma debandada de integrantes do Ministério da Economia e o pronunciamento de Paulo Guedes noticiando o fato prenunciava um novo conflito no governo. Reagindo ao entusiasmo de Bolsonaro com o crescimento de sua popularidade como resultado do auxílio emergencial, Guedes, na qualidade de representante do setor financeiro, fez uma clara ameaça de ruptura.

Os bombeiros de plantão entraram em ação e aparentemente havia se estabelecido um acordo. Guedes e sua equipe se comprometiam em apresentar uma proposta de viabilização da prorrogação do auxílio emergencial e de criação do Renda Brasil sem comprometer a política fiscalista e, em contrapartida, Bolsonaro aceitava a redução do auxílio e do novo programa, para os patamares de 300 reais e dava sinal verde ao prosseguimento da pauta de reformas.

Alguns dias se passaram e, sem apresentar a Bolsonaro, Guedes tornou pública a sua proposta do novo programa sendo que, para viabilizá-lo, estabeleceu corte em uma série de outros programas sociais. Pego de surpresa pela atitude de seu subordinado, em discurso durante uma inauguração de obra em Minas, Bolsonaro reagiu afirmando que não iria “tirar dinheiro de pobre para dar ao paupérrimo”. Tudo indicava que ali começava mais um processo de fritura, como fez com Mandetta e Moro. Restava a Guedes pedir exoneração e sair com a cabeça erguida ou pôr o rabo entre as pernas, cumprindo o papel de Tchuchuca do Presidente. Ao que tudo indica, escolheu a segunda opção, recuando em sua formulação relativa à renda emergencial. Sem solução para o Renda Família, o programa foi jogado para o ano que vem e a proposta de Reforma Administrativa, como parte do pacote de reformas neoliberais, foi encaminhada ao Congresso.

Nesse papel de cachorrinho manso, na semana que passou, o ministro veio a público analisar a retração da economia no último trimestre. Minimizando, afirmou que a queda do PIB em 9,7% era barulho de um raio que caiu no passado. Em outras palavras, insinuou que o péssimo resultado decorre do fechamento da economia no início da pandemia e que ela hoje já se encontra em franca recuperação. Ou seja, que houve um pequeno tropeço, mas que ele, o “posto Ipiranga” que tudo sabe, já está de novo no controle da situação e que o futuro que nos aguarda é repleto de progresso.

Creio que ninguém o avisou que nunca esteve no controle, pois os próprios números o desmentem. Depois de um pífio crescimento de 1,1% em 2019, no primeiro trimestre de 2020 a economia já havia despencado 2,5%. Tal desempenho não pode ser atribuído à pandemia, uma vez que as medidas de fechamento das atividades econômicas, adotadas por prefeitos e governadores, só tiveram início nos últimos 15 dias daquele trimestre. Portanto, sem tempo suficiente para produzir qualquer efeito sobre os índices de desempenho do período.

A queda acumulada nos dois primeiros trimestres deste ano é de 12,44%. O tombo se deu nos setores industrial e de serviços. A salvação da “lavoura” foi o agronegócio. O controle da pandemia nos países asiáticos, em especial na China, manteve em alta as exportações de produtos agropecuários, com aumento da remuneração do setor também em decorrência da elevação do dólar. A tendência provável é de que, por enquanto, esse setor se mantenha em alta, pois a China é o único país, entre as grandes potências econômicas, que já retomou o processo de crescimento da economia e apresenta perspectiva de índices positivos para este ano.

Na Europa, após a primeira onda de contágio, novas ondas ameaçam seus países, de forma que a retomada da economia tem sido de forma gradual, podendo até mesmo sofrer reveses.  Em países como o Brasil e Estados Unidos, por irresponsabilidade de seus governos, a pandemia veio na forma de tsunami. Prolonga-se por mais de seis meses e somente agora apresenta algum sinal de recuo. Em que pese tudo indicar que tenhamos chegado ao platô no número de casos e mortes, as perspectivas são de que a queda ocorra de forma lenta e possivelmente se prolongue mais que a ascensão. Ou seja, os efeitos da crise sanitária sobre a economia tendem a se manter ainda por longo período e pensar que os pequenos sinais significam uma retomada, neste momento, provavelmente não passa de mera ilusão.

Outro aspecto que deve ser levado em conta, é que estimativas de empresas de consultoria econômica apontam que sem o auxílio emergencial a economia poderia ter caído 5% a mais, o que representaria um tombo de 18,06%. Foram mais de 150 bilhões de reais injetados na economia, segurando sua queda à medida que isso deu poder aquisitivo a milhares de brasileiros e brasileiras que, consumindo, mantiveram parte da cadeia produtiva em funcionamento. No entanto, efeito da crise acentuada pela pandemia, projeta-se que cerca de 12 milhões de pessoas ingressaram na faixa da pobreza e da miséria neste último período. O auxílio emergencial, ainda que prorrogado até o final do ano, terá o valor reduzido pela metade, o que significa menos recursos na economia, diminuição do poder aquisitivo, menos consumo e consequentemente menos estímulo à produção.

O crescimento das exportações traz benefícios, mas também tem efeitos negativos. À medida que cresce, força a equiparação dos preços dos produtos do mercado interno aos valores internacionais, fenômeno agravado pela alta do dólar. Em resumo, as exportações passam a ter efeito inflacionário, o que reduzirá ainda mais o poder aquisitivo da população, resultando em menor consumo. Tudo indica que estamos em uma crise sem precedentes em nossa história, cuja profundidade só será conhecida por volta do final deste ano ou início de 2021. A tal retomada da economia, afirmada na semana que passou pelo ministro do posto Ipiranga, não passa de uma bravata que soa como uma piada de mau gosto.

Bravata não menor é a intenção de Bolsonaro de instituir programas sociais. Ainda que sonhe em alavancar sua reeleição com esse tipo de artifício, as condições de hoje são muito diversas das existentes quando Lula implantou o Bolsa Família. Situação, naquele momento, em que a economia se encontrava em expansão e o programa se apresentava enquanto um instrumento de inclusão social e distribuição de renda. A implantação do Renda Brasil só seria sustentável em um movimento de enfrentamento da crise econômica, combinando medidas de alta injeção de recursos estatais na economia, créditos, em especial para as pequenas e médias empresas, forte estímulo ao emprego, entre outras, o que viria na total contramão da política fiscalista de Guedes. A instituição do programa não tem a mínima condição de conviver com tal orientação econômica. A realidade não só indica que não há saída para a crise sob o governo Bolsonaro, mas também que é inevitável a fritura do ministro da economia, ainda que pose de Tchutchuca.

Quem não perde tempo nesta situação é Rodrigo Maia. Com a vantagem de quem tem na mão o poder de aceitar um pedido de impeachment e também de determinar a pauta e o ritmo das votações de interesse do governo, disputa com Guedes a qualidade de porta-voz do neoliberalismo e condutor de sua pauta de reformas de desestruturação do Estado. Na semana que passou, chegou até mesmo a romper relações com o ministro Ipiranga, afirmando que daqui para frente só conversa com Ramos. Esta, porém, é outra rota de colisão que se vislumbra no horizonte. Bolsonaro e seus militares não devem estar se sentindo nada confortáveis sendo reféns do presidente da Câmara. A eleição do cargo se aproxima e é grande a probabilidade de um enfrentamento nessa ocasião.

No campo da oposição, a fragmentação continua. É cada vez mais urgente a construção de uma plataforma para solução da crise que sirva de catalizador das forças políticas e sociais, constituindo uma alternativa de salvação nacional. Sob o comando de Bolsonaro e sua política genocida e irresponsável, caminhamos a passos largos para um abismo.

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