Barata-Moura e a apresentação Livro II de O Capital

“Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas. A força da grana que ergue e destrói coisas belas” ( “Sampa”, Caetano Veloso, 1983).

Desavisadamente juntássemos esses dois versos antológicos, com a “prosa” a que impeliram nosso maestro soberano à controversa taxonomia da identidade nacional – “O Brasil não é para principiantes”, disse Tom Jobim (1990) -, talvez se inspirasse alguma esperança a (desempregados) coveiros da dialética.

Noutra angular – e apesar do atrevimento matemático, também, na estrutura da construção musical – é mil vezes certo que a economia política de Marx não é coisa para menoscabo: notadamente dogmáticos leitores de orelhas de livros, ah esses coitados aí sofrem demasiadamente com veredictos do real; do movimento da matéria e sua majestosa principalidade a emanar órbitas de conexões sempre renováveis; e a envelhecer outras. Silêncios e trovões.

Notemos (imediatamente aqui) a exuberância científica na “Dialética da Natureza” (1872-1882), do gênio Friedrich Engels:

“Todo movimento está ligado a alguma mudança de lugar… Essa mudança de lugar não é, de forma alguma, a totalidade do respectivo movimento, mas é inseparável do mesmo. É isso, portanto, o que se deve, em primeiro lugar, investigar”.

Ora, a busca permanente da atualização analítica e interpretativa sobre o capitalismo toma como ponto de partida o acervo teórico (especialmente) oriundo das teorias de Karl Marx, Rudolf Hilferding e Vladimir Lênin. Depois, na ausculta à elaboração de intelectuais progressista críticos ao establishment da sociedade burguesa. Seja no terreno das idéias ou no terreno da luta política concreta e prática, o pensamento crítico vai buscando novas confluências às largas veredas da transformação social.

Claro: não é para principiantes o íngreme exercício de desvelar a relação aparência/essência de “degraus” na fase imperialista do capitalismo. Investigar para desvendar alterações e/ou deslocamentos nas propriedades da dinâmica do capitalismo, a exemplo. Identificar melhor o padrão de acumulação e a dominação capitalistas para combatê-los às últimas consequências – por óbvio. Capitalismo cujas tendências à oligopolização e à “financeirização” da riqueza fizeram-se francas à exaustão, até a grande crise global irrompida em ondas entre 2007-8-9. Crise demolidora do paradigma dos “mercados auto-regulados”, uma farsa sórdida e cruel, não olvidemos.

Igualmente, as mutações que sacudiram as bases do novo Sistema Monetário Internacional pós Bretton-Woods, aliado à crescente instabilidade do padrão monetário “dólar flexível” sob a hegemonia norte-americana, não passaram incólume às tentativas de “congelamento” da dialética. Aliás, ensejaram por cerca de duas décadas a desafinada cantilena da “decomposição iminente do padrão dólar”. E, como num passe de mágica, agora os mesmos profetas da inexorável ascensão do euro sumiram do mapa.

Com efeito, os desdobramentos severos da crise financeira com olho de furacão nos EUA, especialmente à zona do euro, sacudiram as tibiezas estruturais duma moeda única cujo mercado financeiro endógeno ainda é, antes de qualquer coisa, deveras “raso”. Fraquezas que transbordaram a somar especulação virulenta com estados nacionais brandindo antigas rivalidades e concorrências em grau elevado.

Desregulamentação nacional e liberalização financeira em escala global impostas pelo imperialismo estadunidense. Sim, foram significativas e profundas as mudanças na economia mundial, processadas no capitalismo a partir dos últimos 30 anos. Compreender sua dinâmica, identificar seus centros vitais, contradições e suas tendências foram e são tarefas políticas. Como acaba de reconhecer em fevereiro passado o FMI, penúltimo bastião afiliado ao poderoso sindicato internacional dos ladrões [o último é Fed, banco central dos EUA].

Particularmente a financeirização, para além do capital portador de juros, engrenou novos circuitos da valorização capitalista, alta finança e expansão global dos mercados financeiros; especulação frenética e capital fictício: em dívida pública, fundos, derivativos; financeirização e agentes financeiros como modo de gestão da riqueza; houve inédita ultrapassagem valorativa dos ativos financeiros X a produção mundial; expansão do comércio internacional com base na reorganização de um novo mercado mundial único. Superacumulação/superprodução de capitais, crise financeiras recorrentes e cumulativas.

Veio a débàcle.

*******************************************************

Pois bem. Todas essas razões (e outras mais) nos levam a recomendar a leitura e o estudo da excelente apresentação do livro segundo de O Capital, recentemente publicada (Editora Avante!) e escrita pelo professor José Barata-Moura.

Nela, uma interpretação materialista e dialética de categorias centrais da economia política de Karl Marx. Que desenha o processo originário de circulação do capital (capital-dinheiro, capital produtivo, capital-mercadoria, ou “as três figuras do ciclo”, disse-o Marx), a taxa real de mais-valia como expressão do grau da super exploração do trabalho, a reprodução simples e ampliada do capital etc.

Simultaneamente, o texto preciso de Barata-Moura historiciza alguns fenômenos contemporâneos do desenvolvimento (pleno ) do modo de produção capitalista, conforme Marx, recordando “em jeito de ilustração rápida”,  tópicos em torno, da “mundialização”, da “mercadorização”, e da “financeirização”. O que – sublinha – diz respeito ao “importante tema da mundialização tendencial da economia capitalista”, questões deveras articuladas aos “progressos das tecnologias de transporte e de comunicação”, fenômenos então vislumbrados por Marx, com as características da época.

Enfim, o texto é ótimo. Não deixe de lê-lo.

PS: Mantém-se a ortografia original

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor