Biquini Cavadão traz a esperança do Zé Ninguém porque Nada é Para Sempre

Biquini Cavadão carrega consigo uma história de resistência, desde o período da redemocratização até hoje, com seu novo lançamento “Nada é para sempre”

Biquini Cavadão I Foto: Divulgação

Na década de 1980 e no início da década de 1990, o Brasil vivia um clima de redemocratização e os reflexos dos anos de chumbo e da ditadura militar que assolou o país por vinte e um anos. Havia nos corações do povo brasileiro uma faísca de esperança, como cantou Cazuza e o Barão Vermelho no encerramento de sua apresentação no primeiro Rockin Rio em 1985:

…estamos meu bem por um triz, pro dia nascer feliz, pro mundo inteiro acabar e a gente dormir…”

Havia esperança, havia um sentimento de que algo aconteceria com a entrada de Tancredo Neves. O mesmo Rock’n Rio que fez a multidão entoar unida Pro dia nascer Feliz, trinta e dois anos depois fez o Brasil estremecer com o grito de Fora Temer vindo da Cidade do Rock no Rio de Janeiro e reverberado nos quatro cantos do país.

A partir da Lei de Anistia de 28 de agosto de 1979, sancionada pelo último presidente do regime militar João Figueiredo, o Brasil começa a apontar um novo horizonte através das mobilizações populares que aconteceram ainda em meio à ditadura militar que deixou cada vez mais o país endividado, ampliando as desigualdades sociais.

Na década de 1980, entram em destaque cenas que se tornaram inesquecíveis para a história brasileira. A eleição indireta de um presidente que passou a apoiar as eleições diretas e morreu antes de assumir. O movimento das Diretas Já que saiu às ruas, mobilizando toda uma nação. O plano cruzado e as primeiras eleições diretas com candidatos de todas as forças políticas, a fundação do Partido dos Trabalhadores e a candidatura do operário metalúrgico que sofreu todos os preconceitos possíveis na cena política da época. O surgimento de Fernando Collor, eleito Presidente da República e Impeachmado na sequência por grande mobilização popular que saiu às ruas de todo o país e a nova geração de jovens, a geração coca cola, a geração do novo rock brasileiro.

Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial protestando pro “Fora Temer” no Rock in Rio de 2017 I Foto: Multishow

A geração do rock entre 80 e 90 foi uma geração de jovens, em sua maioria oriundos da classe média brasileira, mas que chegaram com perguntas, questionamentos e críticas aos problemas do Brasil, à dívida externa (ampliada no período da ditadura) e aos políticos corruptos que se elegem deputados, senadores, prefeitos, governadores, comprando votos e deixando o povo refém de uma política suja e sem escrúpulos. As cenas armadas e seus personagens estabelecidos com objetivos claros, assim começa esse espetáculo, esse jogo que duraria até os dias de hoje e que, a partir de um processo de impeachment sujo e armado contra a primeira mulher eleita, legitimamente Presidenta do Brasil, levou o povo brasileiro a enfrentar uma das maiores crises sanitárias, políticas e sociais de sua história

O cenário cultural e a cena artística brasileira corriam, paralelamente, transformando em música os acontecimentos da época. Surgiam em cada esquina, em cada cidade, em cada estado, bandas que se encontrariam em harmonias e melodias distorcidas pelas guitarras elétricas que, outrora já havia sido polêmica, gerando confronto entre a própria cena artística que a considerava um elemento fora do contexto, mas que na década de oitenta se tornou instrumento fundamental na identidade cultural do que se produzia e se consumia.

Barão Vermelho, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Capital Inicial, Kid Abelha, RPM, Kid Vinilsão algumas das bandas que eclodiram no país causando alvoroço na juventude, fazendo renovar o tom de rebeldia e o orgulho de se fazer Rock´n Roll. Quase todas elas traziam em seu repertório críticas ao sistema, à política e aos políticos eleitos ou indicados que ocupavam cargos públicos, fazendo a zona correr solta no congresso, como disse na canção Zé Ninguém a banda Biquini Cavadão.

Duas questões que precisamos levar em conta: Zé Ninguém é uma canção que faz, em seu nome referência aquele (a) cidadão (ã) que é contado (a) como mais um (a) e nem sequer conhecemos a identidade pois está nos números e estatísticas ditas e mostradas por governos e veículos de comunicação. Não é alguém, mas um ninguém. Aqui faço uma referência à obra O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro onde o autor diz:

Temos aqui duas instâncias. A do ser formado dentro de uma etnia, sempre irredutível por sua própria natureza, que amarga o destino do exilado, do desterrado, forçado a sobreviver no que sabia ser uma comunidade de estranhos, estrangeiro ele a ela, sozinho ele mesmo. A outra, do ser igualmente desgarrado, como cria da terra, que não cabia, porém, nas entidades étnicas aqui constituídas, repelido por elas como um estranho, vivendo à procura de sua identidade”, escreve o antropólogo…”

Foto: Livio Senigalliesi

Essas misturas culturais como o brasilíndio, o mameluco e o afro-brasileiro, perceberam-se em uma terra de ninguém – o termo usado pelo autor é “ninguendade”–, gerando a necessidade de criarem uma identidade, a brasileira. Assim Zé Ninguém já estava presente desde que o Brasil é Brasil.

Uma outra questão é o nome da banda: Biquini Cavadão. O biquíni, roupa de banho ou de praia, considerado ousado, utilizado pela mulher, já foi muito mal visto e interpretado em períodos passados de nossa história, onde a mulher precisava se esconder como se seu próprio corpo fosse um atentado, uma aberração, um pecado, o que acontece até os dias atuais, mesmo com a presença dos movimentos de mulheres organizadas que vêm cada vez mais se empoderando e lutando pela igualdade, ainda distante. A banda não só usou o nome biquíni, como ressaltou o quão cavado é, para desespero dos (as) conservadores (as) de plantão, descendentes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade que deu a força e o incentivo para o golpe militar de 1964 no Brasil.

A banda formada em 1985, tendo como vocalista e um dos compositores o cantor Bruno Gouveia, trouxe para a música brasileira diversas canções de sucesso como Vento Ventania, Tédio, entre outras. Também fez o país cantar Zé Ninguém, uma canção que se faz presente e atual até hoje e, tende, pelo o que parece, a continuar em pauta ainda por muito tempo.

Somos todos Zé Ninguém? O Biquini Cavadão continua com suas atividades sem perder ou deixar de lado o estilo que os levou ao sucesso no país. Bruno é um verdadeiro comunicador dos palcos e traz em sua essência, toda a emoção que o marcou desde a primeira apresentação e ainda hoje nos contagia com o seu jeito direto e de forte expressão, mostrando-nos o quanto se faz necessário termos um Biquini Cavadão nos palcos do Brasil.

Bruno Gouveia, do Biquini Cavadão I Foto: Reprodução
  • Quem foi que disse que amar é sofrer?
  • Quem foi que disse que Deus é brasileiro?
  • Que existe ordem e progresso
  • Enquanto a zona continua no congresso?
  • Quem foi que disse que a justiça tarda mas não falha?
  • Que se eu não for um bom menino, Deus vai castigar?
  • Os dias passam lentos
  • Aos meses seguem os aumentos
  • Cada dia eu levo um tiro
  • Que sai pela culatra
  • Eu não sou ministro, eu não sou magnata
  • Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém
  • Aqui embaixo as leis são diferentes
  • Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém
  • Aqui embaixo as leis são diferentes
  • Quem foi que disse que os homens nascem iguais?
  • Quem foi que disse que dinheiro não traz felicidade?
  • Se tudo aqui acaba em samba
  • No país da corda bamba, querem me derrubar!
  • Quem foi que disse que os homens não podem chorar?
  • Quem foi que disse que a vida começa aos quarenta?
  • A minha acabou faz tempo, agora entendo porque
  • Cada dia eu levo um tiro
  • Que sai pela culatra
  • Eu não sou ministro, eu não sou magnata
  • Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém
  • Aqui embaixo as leis são diferentes
  • Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém
  • Aqui embaixo as leis são diferentes

A banda trabalha, desde novembro de 2020, seu novo álbum com canções inéditas. Ouvir Bruno cantar e o Biquini Cavadão tocar é, além de viajar no tempo e receber os abraços que nos faltam hoje, mas também entendermos que a cultura, assim como sua mais pura expressão está em constante transformação e (re) significação a todo instante. Biquini Cavadão continua a fazer o povo cantar e se sentir representado. Um povo que, por um lado, leva em seu coração e sua alma cicatrizes de tempos cortantes e, por outro, carrega o olhar puro e ingênuo da esperança de ser feliz, sonhando e acreditando em dias melhores através da música do Biquini Cavadão, como no single lançado em julho de 2021 Nada é Para Sempre, canção do Biquini Cavadão com Maurício Hayena, que faz parte do novo álbum Através dos Tempos. E de saideira deste artigo, deixo com vocês, a letra da canção.

Biquini Cavadao I Foto: Reprodução
  • Que todo mal encontre uma cura
  • Que o medo nos dê lugar à luta
  • E um novo dia
  • Afaste a escuridão
  • Que a verdade enfim prevaleça
  • E a gente nunca mais se esqueça
  • Que o amor, e não o ódio
  • Somente ele é capaz de uma revolução
  • Que o preconceito seja derrotado
  • Todo choro silenciado
  • Só pra ouvirmos uma voz do coração
  • Que o presente, apesar de tudo
  • Abra os braços para o futuro
  • E o mundo inteiro se abrace e cante
  • Uma mesma canção
  • Nada é pra sempre
  • Tudo vai ser diferente
  • Toda tristeza um dia passa
  • Um novo dia nascerá
  • Que todo mal encontre uma cura
  • Que o medo nos dê lugar à luta
  • E um novo dia
  • Afaste a escuridão
  • Que a verdade enfim prevaleça
  • E a gente nunca mais se esqueça
  • Que o amor, e não o ódio
  • Somente ele é capaz de uma revolução
  • Que o preconceito seja derrotado
  • Todo choro silenciado
  • Só pra ouvirmos uma voz do coração
  • Que o presente, apesar de tudo
  • Abra os braços para o futuro
  • E o mundo inteiro se abrace e cante
  • Uma mesma canção
  • Nada é pra sempre
  • Tudo vai ser diferente
  • Toda tristeza um dia passa
  • Um novo dia nascerá
  • Nada é pra sempre (juntos, podemos mudar)
  • Tudo vai ser diferente (nosso destino, nossa vida)
  • Toda tristeza um dia passa
  • Um novo dia nascerá

Para conferir mais sobre o novo trabalho do Biquini Cavadão, acompanhe no próximo domingo um papo com Bruno Gouveia (vocalista da banda) a partir de 20 horas no canal da Sacada Cultural BR no YouTube.

Deixo aqui para que todas, todos e todes nós possamos apreciar, o link para single e clipe de Nada é Para Sempre.

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