Bob Gates e o Iraque

Tomou posse esta semana, na segunda, dia 18 de dezembro, o novo secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, ex-diretor da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, mais conhecida pela sua sigla em inglês, CIA.

Prestou juramento perante um atento Bush Jr., que aposta tudo nesta nova fase da ocupação que ocorre no Iraque. Gates havia servido no governo do pai do atual presidente, até 1992 e é Republicano de carteirinha, extremamente conservador. Gates esteve envolvido no famoso escândalo Irã-Contras, episódio que envolveu o coronel Oliver North e que apontou desvios de vultosas somas de recursos de vendas de armas para o Iraque, que eram destinados aos contra-revolucionários que lutavam para derrubar o governo sandinista da Nicarágua.


 


Desde a sua sabatina na comissão de Relações Exteriores do Senado americano, no último dia 5 de dezembro, Gates vem chamando a atenção da mídia americana. Por dois motivos básicos, sendo que um deles passou despercebido. O primeiro, é o reconhecimento de que os Estados Unidos estão perdendo a guerra no Iraque e não sabem o que fazer com esse “abacaxi”. O segundo, talvez mais grave, mas pouco anunciado e divulgado pela grande mídia estadunidense, é o reconhecimento de que Israel é o único país no Oriente Médio a possuir armas nucleares.


 


As revelações da sabatina


 


A sabatina no Senado foi reveladora. O momento culminante foi quando o senador democrata pelo Estado de Michigan, Carl Levin indagou Gates de forma clara e direta: “Os Estados Unidos estão ganhando a guerra no Iraque”. A resposta de Gates foi curta, concisa e clara: “Não, senhor”. E não estão mesmo. A própria posse de Bob na segunda foi marcada pela divulgação da última estatística do Pentágono na guerra, dando conta de 959 ataques da resistência e da guerrilha iraquiana entre os meses de agosto e novembro passado. Ou seja, em apenas quatro meses, quase mil ataques, o que representa 250 ataques por mês e mais de 80 por dia. Esse é o maior nível pela média de ataques perpetrados por guerrilheiros árabes contra as tropas de ocupação e seus aliados internos.


 


Essa média é maior em mais de 22% ao do quadrimestre anterior e vem crescendo cada vez mais. As mortes de soldados americanos já atingem a quase três mil, enquanto dados mais “otimistas” indicam a morte de pelo menos 50 mil iraquianos (esses números são desencontrados e dependendo da fonte e do método utilizado para contar os mortos, pode-se chegar até a 600 mortes desde março de 2003). A verdade é que explode a violência sectária no Iraque, cada vez mais dividido e envolto em uma guerra civil clássica. O clérigo sunita, recentemente exilado na Jordânia, Harith Al Dari, presidente da Associação dos Clérigos Muçulmanos disse em, em palestra na Universidade de Sanaa, no Iêmen, que a resistência iraquiana já havia infligido mais de 25 mil baixas aos invasores, entre soldados e seus colaboradores internos. Ele fala ainda em mais de cinco mil veículos militares destruídos e a derrubada de 35 aviões, coisa que a mídia não divulga (1).


 


A segunda grande revelação de Gates é a de que Israel possui mesmo artefatos nucleares. Esse é um dos maiores segredos de Estados escondidos do grande público. Poucos os jornais e revistas de todo o mundo tiveram condição e vontade de divulgar isso. A exceção em nosso país, ficou para um editorial da combativa revista Carta Capital. Ao ser indagado por um senador republicano se era séria a ameaça do Irã de obter a bomba atômica, Gates respondeu “O Irã esta cercado por potências com armas nucleares, sendo o Paquistão no Leste, os russos no Norte, os Israelenses no Oeste e nós no Golfo Pérsico”. Foi um lapso público, uma grande revelação, uma confissão de algo que deveria permanecer inconfessável para o stablishment americano (2).


 


Não bastasse essas revelações de 5 de dezembro, ao assumir o cargo como novo Secretário da Defesa, Gates afirmou que a saída imediata das tropas americanas do Iraque seria uma “calamidade”, ou seja, reconhecendo também que o “governo” iraquiano não tem controle nenhum sobre o território que “governa”, e presta-se apenas a ser um fantoche dos americanos.


 


O relatório bi-partidário


 


O Iraque tem sido mesmo o assunto dos grandes jornais. Claro que, ao lado disso, a crise governamental na Palestina vem ganhando espaço e talvez seja tema de nossa coluna da semana que vem. O relatório amplamente noticiado pela mídia, foi elaborado por dezenas de mãos, mas sob o comando de duas pessoas, ambas conservadoras: James Baker III, republicano e pelo democrata e congressista Lee Hamilton. Eles se propuseram a escrever um relatório “independente”, mas que faz na prática diversas sugestões para o presidente americano de como sair desse atoleiro em que se meteu há 3,5 anos. O próprio Robert Gates foi um dos principais redatores do documento.


 


O relatório é taxativo na sua conclusão: não há mais como os EUA manterem o curso da guerra como esta sendo conduzida. A própria substituição de Donald Rumsfeld no comando do Departamento de Defesa pelo atual Gates, é reflexo disso. Rumsfeld, um dos mais ferrenhos republicanos, anticomunista e testa de ferro de grandes grupos empresariais e corporações americanas, foi o artífice, o arquiteto da invasão do Iraque. Ajudou a forjar provas, mentir ao público sobre a farsa de que Saddam Hussein teria armas de destruição em massa e que tinha relações com Osama Bin Laden. Em recente entrevista concedida ao Tribune Media Service, concedida ao jornalista Cal Thomas, Rumsfeld reconhece problemas na condução da guerra, ainda que tenha dito que leu no “máximo” um resumo executivo do relatório final, um calhamaço de mais de 140 páginas (3).


 


Na verdade o documento serve apenas e tão somente a ajudar o governo republicano de George Bush a encontrar uma saída honrosa para os EUA. Ao final, o documento chega a apresentar exatas 79 sugestões. E o principal, nós já antecipamos aos nossos leitores: a opção sugerida como principal é a de uma saída gradual. Nem aumentar tropas e permanecer tempo longo no país, nem sair imediatamente. Isso sinaliza, como também já dissemos, que a desocupação completa será assunto para o sucessor de Bush, até como ele tem dito, ou seja, para além de 2008. O documento reconhece o crescimento “alarmante” dos ataques às forças americanas e o crescimento exponencial das baixas entre os soldados.


 


O relatório é detalhado e aborda também a questão dos gastos com a guerra. Se o governo americano achava que bastava ocupar o país e se apropriar de todo o petróleo iraquiano, frustrou-se. O custo da guerra, ainda estimado, já se aponta para mais de dois trilhões de dólares.


 


A grande verdade é o que o relatório não teve a coragem de assumir e dizer de público: essa aventura guerreira no Iraque terá sido o maior fracasso da política externa americana em mais de 200 anos desde a sua independência da Inglaterra em 1776. Mais dia menos dia isso vai ficando mais claro e não há solução a não ser a retirada total e completa do Iraque. Mas isso, bush não fará, salvo se for escorraçado do país pelos guerrilheiros, situação que esperamos, ocorra breve.


 


(1) Ver matéria no jornal Hora do Povo, de 8 de dezembro de 2006, página 7, sob o título “Al Dari: Resistência já causou 25 mil baixas ao invasor”.


 


(2) Ver editorial da revista intitulado “Um gato atômico fugiu do balaio”, da edição de 20 de dezembro de 2006, página 30.


 


(3) Ver matéria intitulada “mais tropas só fortalecerão extremistas, diz Rumsfeld”, publicada no jornal Folha de São Paulo do dia 19 de dezembro de 2006, página A18 Mundo.

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