Bolsonaro se pela de medo de uma “terceira via”

Embora afirme que um candidato de “terceira via” não vá conquistar o eleitor, Bolsonaro lida com forte desaprovação e vê seu nome sendo, aos poucos, inviabilizado para 2022

Fotomontagem feita com as fotos de: Sérgio LIma/Poder 360; NEOSiAM 2021/Pexels; Governo de São Paulo; Revista Claudia e Keiny Andrade/Folhapress

Em entrevista à rádio Itatiaia, o presidente Jair Bolsonaro saiu com a seguinte assertiva sobre o processo eleitoral de 2022:

“Não existe terceira via, está polarizado”, com Lula, é óbvio (gr. nosso).  

Sobre a possibilidade de surgir um nome capaz de romper tal “polarização”, afirmou:

“Não vai agregar, não vai atrair a simpatia da população”.

O fato, no entanto, é que alguns nomes já surgiram e pontuaram, até muito bem, nas últimas pesquisas eleitorais que estão a uma distância quilométrica do pleito de outubro do próximo ano.

Ciro Gomes, João Dória, Eduardo Leite, Simone Tebet, Rodrigo Pacheco e Henrique Mandetta, para ficar apenas por aqui, já foram lançados ou lembrados pelos seus respectivos partidos.

Embora Bolsonaro e Lula estejam liderando as intenções de voto, como também a rejeição – elementos que representam apenas um retrato do atual momento político, Ciro já chegou a dois dígitos em algumas dessas sondagens eleitorais, e, tanto ele quanto Dória, batem o atual presidente em eventual segundo turno.

Ou seja, a outra via, ou, “terceira via”, como alguns procuram qualificar para desqualificar, já está aí na praça. Aliás, são várias vias.

Recentemente, sete partidos políticos (MDB, PSDB, DEM, Cidadania, Podemos, PV e Novo) criaram um fórum pelo qual assumiram o compromisso de lançar uma candidatura única e informaram que não caminhariam nem com Lula, nem com Bolsonaro. O PDT de Ciro Gomes, através de seu presidente, Carlos Lupi, convidado para a articulação, sinalizou que poderá participar futuramente.

Câmara dos Deputados I Foto: Adriano Machado/Reuters

Bolsonaro não acredita nessa possibilidade e insinua que “não vai atrair a simpatia da população”.

Ele ignora ou finge ignorar que as mesmas últimas sondagens sobre o quadro eleitoral de 2022 apontam claramente que, na pior das hipóteses, 1/3 do eleitorado rejeita tanto Bolsonaro quanto Lula, chegando a 50% em algumas dessas pesquisas, em manifesta e forte preferência por outra alternativa.

Senão, vejamos:

Pesquisa Exame/Ideia de 12/13 de março: Nem Bolsonaro, nem Lula: 38%.

Pesquisa Exame/Ideia de 23 de abril: Nem Bolsonaro, nem Lula: 1/3 dos eleitores.

Pesquisa Exame/Ideia de 21 de maio: Nem Lula, nem Bolsonaro: 50%

Pesquisa Quaest, em parceria com a Genial Investimentos, de 7 de julho: Nem Bolsonaro, nem Lula: 31%.

Paraná Pesquisa, de 22 de março: Nem Bolsonaro, nem Lula: 46%.

Pesquisa Datafolha, de 12 maio: 54% rejeitam Bolsonaro e 36%, Lula.

Foto: Reprodução

Se essa nova opção não surgiu com força para o eleitor, não significa que ela não exista ou não esteja em processo de construção.

O atual ocupante do Planalto se pela de medo dessa possibilidade.

Aliás, nesse ponto, Lula e o PT, embora não assumam tão explicitamente, também.

Com isso, tentam continuar se alimentando mutuamente.

O eleitor é sábio, muito sábio, embora, muitas vezes, pelos artifícios de um sistema político e eleitoral longe da perfeição como o nosso, seja induzido a fazer péssimas escolhas, como foi o caso do atual governo – o pior da história desse país, cuja ascensão ocorreu na proporção direta da desaprovação da força política com a qual pretende continuar polarizando.

O eleitor rejeita de forma abismal o que aí está e não quer voltar a um passado cuja força hegemônica, embora apoiada por progressistas de vários matizes, não foi capaz de fazer a inflexão na questão fundamental para a retomada de um projeto nacional de desenvolvimento – a política econômica, entre outros graves problemas que persistem no inconsciente coletivo da população.

Ciro tem razão quando pergunta: qual a diferença substancial (gr. nosso) entre as políticas econômicas adotadas sucessivamente pelos governos desde Collor? Em sua essência, nenhuma. Todos sustentaram o tripé macroeconômico baseado no superávit primário, câmbio flutuante e juros altos/meta de inflação, com alterações apenas em sua forma de se apresentar e na sua modulação. 

Resultado: estrangulamento dos investimentos públicos, da renda e do consumo nacionais, conjugado com um processo perverso e contumaz de desindustrialização, desnacionalização, concentração econômica e financeirização da economia brasileira.

Isso significa que todos os governos foram iguais?

É obvio que não.

Ex-presidentes Dilma e Lula I Foto: Fernando Bizerra Jr/EPA

Itamar Franco, embora tenha tido apenas dois anos de administração, mesmo com algumas dessas amarras da política econômica, promoveu um governo desenvolvimentista.

Lula e Dilma (essa, num curto período) mantiveram o tripé, mas adotaram ações sociais distributivistas, que acabaram não se sustentando.

Bolsonaro recrudesceu a política neoliberal com Guedes, tornando-a ultraliberal, o que, associado ao negacionismo na pandemia e às tentações protofascistas na política, culminaram na maior tragédia de nossa história.

“Tem uma passagem bíblica que diz seja quente ou seja frio, não seja morno. Então terceira via, povo não engole isso aí. Não vai dar certo. Não vai agregar, não vai atrair a simpatia da população. Não existe terceira via, está polarizado. Essa via do centro, no meu entender, não decola não”, acrescentou, ainda, o presidente.

A frase busca reforçar a falácia de que as melhores alternativas pela direita ou pela esquerda são, precisamente, ele e Lula, fazendo tábula rasa da rejeição a ambos escrachada nas pesquisas de opinião, obviamente, baseada na experiência concreta (gr. nosso) do povo brasileiro com seus respectivos governos.

Que autoridade tem Bolsonaro para dizer que o que está em gestação, fora da alardeada “polarização”, é o morno?, ou que os supostos “polos” desse embate representam, rigorosamente, o frio e o quente?

O presidente, que recorre tão facilmente à Bíblia, deveria saber que, à passagem a que recorreu, precede outra mais edificante que diz respeito ao livre arbítrio dos homens: “permanecei firmes e não vos deixeis submeter novamente a um jugo de escravidão” (Galatas 5:1).

Foto: Agência Brasil

Em resumo, os homens e mulheres livres desse país não pretendem ser escravos dessa polarização.

Lula, de forma mais cautelosa, é verdade, tem criticado o debate em torno de outras alternativas à Presidência da República.

Há duas semanas atrás saiu-se com essa:

“A terceira via é uma invenção dos partidos que não têm candidato. Falam em polarização… O que tem de um lado é democracia e do outro é fascismo. Quem está sem chance usa de desculpa a tal da terceira via.”

E acrescentou:

“No mundo inteiro é secular essa polarização. Nos EUA, França, Espanha. Os partidos que criem vergonha e lancem candidato. (…) Acho esse debate muito fraco, sabe. Podem fazer um programa de calouros e escolher a terceira via”.

Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert

“Invenção de partidos” que não têm “chance”? No mínimo, desprezo do ex-presidente pelas legendas que já se afastaram ou romperam com Bolsonaro, ou, ainda, nunca estiveram com ele, e pelos eleitores que, declaradamente, buscam essa nova via e até já apontam outros prováveis presidenciáveis. Trata-se de um indisfarçável rasgo de arrogância, pois não restaria outro caminho para derrotar o atual presidente senão se submeterem ao intento de Lula de voltar ao poder, agravado pela sua teimosia em reconhecer os desacertos e descaminhos das gestões petistas.

O ex-presidente tem razão: a questão central, hoje, é a luta entre a ameaça fascista e as conquistas da democracia.

No entanto, sua insistência em estimular tal polarização não é, decididamente, o melhor dos caminhos para a derrota de Bolsonaro, todavia, com certeza, é o mais eficaz para empurrar setores do centro e da direita para o projeto reeleitoral do atual mandatário, cuja possibilidade não deve ser liminarmente descartada.

Ao fim e ao cabo, uma inescapável conclusão: a (quase) idêntica opinião de ambos sobre tão palpitante tema não representa uma mera coincidência.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor