Brasil: uma novela ruim ou um eterno 7×1

Aqui, nesse país, nós vendemos nossa história como uma série dramática e bem produzida que ganharia o Emmy ou o Globo de Ouro, mas não passa de uma produção de quinta categoria

Fotomontagem feita por Artur Nogueira com as fotos de: Ron Lach/Pexels e Marcelo Theobald

O vazamento que mostra como Deltan Dallagnol escreveu depoimento falso para Pedro Barusco assinar em troca de liberdade ou redução da pena, agravando com mentiras a situação de Lula, é a cereja no bolo da farsa lavajatista. É como diz aquele meme: “e choca um total de zero pessoas”.

Quer dizer, talvez ainda choque mesmo os mais fieis lavajatistas, que por ingenuidade – usando viseira de cavalo nos olhos e achando ser Ray Ban – achavam defender uma cruzada contra a corrupção, mas na verdade defendiam várias cruzadas na defesa de interesses próprios de procuradores, juízes, políticos, grande mídia, empresários, Forças Armadas e, claro, dos xerifes do mundo, os Estados Unidos.

Fora os iludidos, a outra parte sempre foi desonesta. Sabia de toda a armação, mas aplaudia, porque sempre valeu tudo para tirar Lula ou o PT do jogo político. Inclusive eleger um fascista incompetente, que agora afunda o país numa crise econômica e sanitária sem precedentes.

Como ficou claro, havia um propósito ali, como disse o próprio Dallagnol: eleger um membro do Ministério Público Federal em cada estado. Deltan, inclusive, escrevia longas mensagens para si mesmo, com ar de delírio. Se via como eleito ao Senado. Se via como herói. Se via como messias. Ele, o todo. Algo tão sintomático de uma sociopatia grave, individualista e que beira sim a psicopatia.

Vladimir Safatle, filósofo e professor da USP tinha falado algo em um evento que participou meses antes da consumação do impeachment de Dilma e lembro bem porque concordei na época. Que, o golpe contra ela estava sendo articulado por vários setores, mas não tinha liderança. Como num acordo obscuro, esse grupo de interesse, esses asseclas temporários queriam derrubar a presidente, mas quando isso acontecesse, cada um correria para defender seus próprios interesses. Acho que está bem provado agora com tudo isso.

Foto: Reprodução

Como os militares. Como mostrou o antropólogo Piero Leirner, especialista nas Forças Armadas. Segundo Leiner, em 2014, eles já levavam Bolsonaro em instituições como a Academia Militar das Agulhas Negras, em óbvio posicionamento de lançamento de campanha para 2018. Claramente, as nossas “Forças de Defesa”, atacavam na linha de frente – como um Barcelona da era de ouro de Messi em sua melhor forma -, por ter sido um dos grupos conspiradores na derrubada de Dilma.

E venceram de goleada. Não sem o apoio desses demais grupos, numa nova temporada dessa série de horror! Isso fez os militares voltarem ao poder sem um golpe clássico. Mas, sim, através de outros golpes: a destituição de uma presidente legitimamente eleita, a articulação de um esquema gigante de fake news, com influência de gente como Steve Bannon, uma mídia torcedora e tendenciosa, além, claro, daquela mãozinha dos juízes do jogo, no caso, Moro, Deltan e toda a galera do “VAR”, em expulsar o jogador mais forte, sem que esse tivesse cometido uma falta que eles pudessem provar.

Na Bienal do Livro de Pernambuco que se encerrou no último dia 12, aqui no Recife, o sociólogo Jessé Souza, lançando seu mais recente livro “Como o racismo criou o Brasil”, afirmou: “Quem elegeu Bolsonaro foi o racismo”. Aqui, claro, ele fala de muitos racismos. O maior dele sendo o racial, étnico, mas obviamente o de classe. O ódio da nossa elite e classe média pelo pobre – consequentemente pelo negro – foi o pilar, que permitiu que toda essa gente se unisse para derrubar Dilma e tentasse expurgar o PT da cena política brasileira. Mas não por ser PT, poderia ser qualquer partido que tivesse conseguido formatar minimamente uma política de inclusão social.

Isso abriu caminho para que todos esses grupos, cada um munido de seus próprios interesses, se unissem para fragilizar nossa democracia e depois apoiassem um fascista, que se mostra agora um genocida. E, por isso, essa falta de fidelidade, já que boa parte deles já abandonaram o barco, como faz todo rato esperto num naufrágio.

Aqui, nesse país, nós vendemos nossa história como uma série dramática e bem produzida que ganharia o Emmy ou o Globo de Ouro, mas não passa de uma produção de quinta categoria, um pastelão com péssimo roteiro e com tudo chupado de outros episódios do passado. O eterno retorno de Nietzsche, mas só com acontecimentos ruins. Um pesadelo recorrente. O erro de repetir sempre o pior do nosso passado de golpes, racismo e ódio aos pobres.

E nós amamos essa novela, que nunca alivia a dor de um eterno 7×1.

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