Capanema, Mendoncinha e o Frota que os separa

Gustavo Capanema foi Ministro da Educação do primeiro governo Vargas, durante onze anos, entre 1934 e 1945. Expoente do pensamento católico conservador da época, homem muito à direita no espectro político, isso não o impediu de dialogar com parcela significativa da intelectualidade avançada do país.

Nacionalista, Gustavo Capanema encarnou como poucos, no Ministério da Educação, a chamada “modernização conservadora” que caracterizou o primeiro período Vargas. Não obstante as suas ligações e o pacto que fez com o conservadorismo católico de Alceu Amoroso, do padre Leonel Franca e de Dom Sebastião Leme, Capanema manteve suas portas abertas ao diálogo, dentro do possível em sua época, com setores importantes da cultura brasileira.

Procurou cercar-se de intelectuais ligados ao modernismo, como o poeta Carlos Drummond de Andrade, que foi seu Chefe de Gabinete; o também poeta Mário de Andrade, autor do anteprojeto de criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; e Rodrigo Melo Franco de Andrade, responsável pela implantação do SPHAN e seu diretor por trinta anos.

Um dos marcos da sua gestão foi a construção do prédio do Ministério da Educação no Rio de Janeiro, ícone da arquitetura moderna brasileira e representativo dos ideais de grandeza e de modernidade da elite artística e cultural. Construído entre 1937 e 1945, foi projetado por uma equipe que tinha nomes como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Jorge Machado Moreira, Afonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Ernani Vasconcelos, com a consultoria de Le Corbusier. O prédio abrigou um conjunto numeroso de obras de artistas como Portinari, Guignard, Pancetti, Jacques Lipchitz, Bruno Giorgi, Celso Antônio, Alfredo Ceschiati, além dos jardins projetados por Roberto Burle Marx.

Sobre os famosos painéis de Portinari, chamam a atenção os azulejos dos peixes com a cara de Capanema, motivo de rusgas entre os dois, que foram confeccionados e não utilizados, ficando durante décadas encaixotados.

Sete décadas depois, ocupa o lugar de Gustavo Capanema outro representante do pensamento conservador no Brasil, o Ministro Mendonça Filho, o Mendoncinha. Talvez não seja correto classificá-lo como representante do pensamento conservador. O atual ministro está mais próximo de uma direita hidrófoba que uiva nas redes sociais, aquela legião de imbecis que ganhou voz e sobre a qual, profético, nos alertava Umberto Eco. Uma direita que não pensa, apenas baba o seu ódio, o mais das vezes em palavras ininteligíveis e palavrões cabeludos.

Uma distância enorme separa Capanema de Mendoncinha. Não que o primeiro fosse um progressista, muito pelo contrário, mas era, ao menos, um homem afeito ao diálogo e um pensador que expunha sem medo o seu conservadorismo e o qual, do ponto de vista moral, político e intelectual, um verdadeiro abismo separa do segundo. Mendoncinha, ao que parece, ganhou o apelido não por um diminutivo carinhoso, por ter herdado o mesmo nome do pai, o Mendonção, mas porque o diminutivo combinaria melhor com a sua estatura política e intelectual.

Mendocinha chegou ao cargo não apenas porque foi, desde sempre, um conspirador e golpista alinhado aos propósitos do chefe Cunha e seu funcionário Temer, como classificados pelo insuspeito Jucá. Também por isso, é verdade, mas principalmente pela sua ação em defesa do setor privatista da educação. Inimigo confesso dos programas que buscaram facilitar o acesso dos mais pobres ao ensino superior, o atual ministro e seu partido, o DEM, tentaram barrar esses programas na justiça, inclusive recorrendo ao STF.

Agora, o próprio Mendoncinha encarregou-se de delimitar muito claramente a distância que o separa de Gustavo Capanema. Enquanto Capanema buscou aproximação com intelectuais com o reconhecimento de um Drummond, um Mário de Andrade, um Portinari, dentre tantos outros, Mendoncinha abriu as portas do Ministério, cínico e sorridente, para receber o ator pornô Alexandre Frota e o proprietário do grupo Revoltados Online, Marcelo Reis, além de outros do mesmo quilate. A indignação tomou conta do país. Afinal, que propostas pessoas com a ficha corrida desses dois brutamontes podem ter para a educação brasileira?

A indignação maior, entretanto, não deve ser com a imoral e caricata dupla de boçais. Não se poderia esperar deles o menor pudor ou recato, essa palavra colocada em moda nos últimos dias. Mas, houvesse nesse governo impostor e ilegítimo o menor traço de seriedade e decoro, o grupo não teria passado da portaria do prédio. Ao receber desavergonhadamente essa delegação em seu gabinete, Mendoncinha fez o Ministério descer ao rés do chão. Mendoncinha deu um tapa na cara da nação. Seu ato foi um escárnio, um deboche, uma provocação absurda, um louvor ao obscurantismo. A distância entre ele e Capanema nunca foi tão grande. O seu real tamanho político e intelectual, a sua diminuta estatura moral, nunca foram tão evidentes.

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