Carnaval de Bolsonaro

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Foto: Marco Favero

Neste carnaval, as ruas de Olinda e do Recife estão desertas. Desertas de tudo, porque não mais esperamos os clarins anunciando o reinado da alegria, da libertação nas ruas. Em torno de nós há só o silêncio, como uma paz de cemitério.

Onde buscar o nosso carnaval? Nós nem podemos repetir o compositor Edu Lobo, que No Cordão da Saideira dizia ter composto a música “no frio, no inverno brabo de Paris em 1966. No Cordão foi uma música de flashes e saudade das coisas do Recife”.

Mas sem o lirismo evocativo da canção de Edu Lobo, perguntamos:

Onde as multidões com o suor bom que colava confetes? Em que lugar podemos encontrar as peles abrasadas, os sovacos mal raspados que eram em si mesmos fetiches de bocetas nuas, comprimidas, esbarrando-se num fogo que desejava a tudo queimar, arder até a alma pobre da gente? Onde a explosão de braços e pernas na dança, a multidão revolta, a humanidade negra, mulata, branca, revoltada?

Não faz muito, havia seis, oito, dez mil pessoas apertadas em um espaço estreito da rua. De repente, todo mundo enlouquecia, e desejava correr, mas não saía do lugar, porque estava cercado por todos os lados. Cada homem, cada mulher, cada menino, todos queriam ainda assim abrir espaço à sua volta, e todos queriam isso a um só tempo. Onde estão? Aquela gente estimulada, embriagada de álcool e alegria, excitada por uma música que não se ouve só com os ouvidos, porque ela se ouve com os braços, as mãos, a boca, os pés, a massa em alegria e liberta ao som do frevo, onde está?  

Com que sentimento estamos agora? Antes, estávamos com “Vem, vem fazer parte este cordão. O Recife tem um lugar pra você dentro do coração”

Agora, em vez do micróbio do frevo, temos o incontrolável, desgoverno do vírus da covid-19. O carnaval do tempo de Bolsonaro. Mas onde está a relação entre este carnaval sem gente nas praças, nos largos, nas avenidas, e a maldição bolsonara? Como se ligam este Saara e o fascismo no alto do Planalto?

Bem podemos dizer que as imensas tragédias na pandemia do coronavírus poderiam ter sido evitadas, se as ações de Bolsonaro não tivessem reforçado as desigualdades do Brasil e nem tivessem sido infernais para a saúde brasileira, como o horror de mortes por falta de oxigênio. Um crime odioso e sem perdão.

Para os especialistas, a maldição bolsonara trouxe desgraças nunca vistas para o Brasil e toda a terra. Sem dúvida, foi sistemático o desgoverno que alegou ser o coronavírus uma farsa ou uma gripezinha. E no seu descaso – “e daí? O que eu tenho a ver com a morte? Todos morrem” -, ele incentivou com o seu exemplo as aglomerações e a ausência de máscara. Além da ordem para a produção de 4 milhões de comprimidos de cloroquina, como remédio para o coronavírus.

O resultado é este: mais que a paz dos cemitérios, a multiplicação de covas no cemitérios brasileiros. Portanto, não perguntem jamais por quem choram em silêncio os clarins. Os clarins se tornam mudos para o carnaval de Bolsonaro. Para estas ruas sem povo, sem frevo, sem maracatu, sem samba, sem alegria. Aquilo que estava no livro “Soledad no Recife”, agora retorna com uma outra angústia:

“Mas sabemos todos, que vemos o Cabo Anselmo em 1972 por trás com os nossos olhos de hoje, que a sua cara oculta um ser trágico. Aquele que nos vê é um instrumento de morte para pessoas, para corações desarmados que pedem a mudança do mundo pelas armas. E por isso, é claro, ele não dançará o frevo. Essa música flamejante, aberta, contente, generosa, que se pula ao som de metais nas ladeiras e largos, a ele não cabe. Do boneco de Olinda, do homem da meia-noite, ele só guarda o engodo”.

Esse tempo volta, triste e mais uma vez cruel, neste carnaval de Bolsonaro.  

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