Carta a um filósofo iluminista acuado pela escuridão

Assim como nas Ciências Médicas um infectologista pode ser atingido pelas bactérias que combate, nas Ciências Humanas o filósofo que dissemina o humanismo não está imune às trevas que luta para banir. Parece que é isso o que aconteceu com o erudito 

O filósofo Renato Janine Ribeiro publicou no último domingo, dia 18, no caderno ''Mais'' do jornal Folha de S. Paulo, o artigo ''Razão e Sensibilidade'' no qual confronta e tensiona esses pólos da subjetividade humana para analisar o assassinato do menino João Hélio.


 


Ribeiro, estudioso do Iluminismo, num dos trechos do artigo ditados pela sensibilidade  afirma: ''(…) Se não defendo a pena de morte contra os assassinos, é apenas porque acho que é pouco. Não paro de pensar que deveriam ter uma morte hedionda, como a que infligiram ao pobre menino. Imagino suplícios medievais, aqueles cuja arte consistia em prolongar ao máximo o sofrimento, em retardar a morte (…)''.


 


Em, seguida a razão entra em cena e com seu arsenal para buscar mediar e filtrar a explosão da cólera: ''Todo o discurso que conheço, e que em larga medida sustento, sobre o Estado não dever se igualar ao criminoso, não dever matar pessoas, não deve impor sentenças cruéis nem tortura – tudo isso entra em xeque, para mim, diante do dado bruto que é o assassinato impiedoso.''


 


Mais, adiante a comoção parece triunfar, e o filósofo  profere sua sentença: ''Torço para que, na cadeia, os assassinos recebam sua paga; torço para que a recebam de modo demorado e sofrido.''


 


Como se vê, de fato, vivemos em tempos tenebrosos. Quando mesmo um filósofo estudioso do Iluminismo, titubeia, claudica, escorrega e se envereda no ''olho por olho, dente por dente'' é porque a pressão das misérias, da violência e das iniqüidades chegou a um grau fora do comum.


 


Como bem afirmou o editorial do Vermelho os meios de comunicação, o conservadorismo, desrespeitaram a memória da criança covardemente trucidada, desrespeitaram o luto de famílias, as lágrimas de seus pais para difundir suas falsas soluções para o justo anseio do povo à segurança e à paz nas cidades. Entre essas falsas soluções, há a tentativa de reduzir a maioridade penal.


 


Ribeiro, num trecho outro regido pela razão afirma: ''A pobreza não é causa da falta de humanidade. Quer isso dizer que defenderei a pena de morte, a prisão perpétua, a redução da maioridade penal? Não sei. Não consigo, do horror que sinto, deduzir políticas públicas, embora isso fosse desejável.''


 


Enfim, o artigo de Ribeiro cambaleia regido por esse dualismo ''razão e sensibilidade' e o que se vê é o retrato de um pensador acuado pela barbárie e contagiado por ela.


 


Que Ribeiro supere esse dualismo, que sua totalidade refeita, constituída de razão, sensibilidade e outros sentidos, valores e consciências, volte a nos oferecer mensagens densas e úteis à causa da humanidade, como a apresentação que escreveu para a obra de Victor Hugo, Os miseráveis, intitulada ''Um novo Olhar''.


 


Com a reprodução do trecho final dessa referida apresentação encerro essa mensagem:


''(…) É esse universo que Victor Hugo vai nos apresentar. As lutas sociais estão surgindo na cena pública. Antes, elas apareciam a reboque de outros movimentos. Constituíram o desdobramento radical da Revolução Inglesa, a de 1640, ou da Revolução Francesa, de 1789. Porém com a década de 1830, elas acontecem por conta própria. E Os miseráveis é a grande obra – ao lado de muitas outras, que vendiam bastante na época, não só a mostrar o espetáculo da pobreza, mas a despertar nossos sentimentos pelos mais pobres. É uma maneira de negar que os operários sejam perigosos. Podem parecê-lo, na sua fúria justa, mas não o são. Toda uma política de solidariedade com eles, de apoio aos explorados, vai ter nos sentimentos de compaixão, difundidos por Victor Hugo, o seu combustível. Essa política poderá até a ser criticada pelos marxistas, como lacrimosa, piegas, mas ela é fundamental para se entender uma cultura de massas, vendida aos milhares de exemplares, (hoje, diríamos aos milhões), passa a tematizar, não só o amor infeliz de ricas herdeiras órfãs, mas a infelicidade das massas trabalhadoras. É muito melhor do que a mania pela segurança pública que, hoje, a mídia constrói''.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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