Chamando a mentira pelo nome

A campanha pelo voto manual desenvolvida pelo atual presidente da República é mais uma peça no quebra-cabeça autoritário e de retrocessos que vem tentando montar, busca pôr em dúvida o pleito de 2022, no pior estilo Trump.

Bolsonaro mente ao afirmar que a urna eletrônica tem risco de fraude

A História do Brasil precisa ser mais estudada pelo nosso povo, não pode ser esquecida, é rica, nos traz ensinamentos e lições, além de mostrar como os brasileiros construíram sua democracia com muita luta, em um país marcado por profundas desigualdades.

Aqui escolhemos apenas um dos vários nuances dessa complexa equação: o voto. Desde a Proclamação da República, em terras brasileiras o sufrágio segue sendo uma importante bandeira de luta. A garantia do voto livre, secreto, para todos, independente da renda, da classe social e do gênero não foi dada de bandeja e nem de presente.

O início da República foi marcado por profunda resistência ao direito do voto pelas mulheres, esse só sendo garantido em 1932 no Código Eleitoral. Os processos eleitorais logo após a Proclamação foram restritos, seguidos da consagração do voto de cabresto comandado pelos coronéis durante os anos 30 e 40. Curiosamente, o mesmo Código Eleitoral de 1932 do governo Vargas já fazia referência da necessidade de serem desenvolvidas “máquinas de votar” para garantir o sigilo do voto e a agilidade do pleito. Até 1964 foram sobressaltos eleitorais e reformas constantes nas leis que tratavam do voto.

Porém, sem dúvida alguma, o mais grave foi o que a ditadura militar fez ao sufrágio e a democracia brasileira. Restringiu, manipulou, proibiu e fraudou os pleitos para se manter no poder durante 21 anos, quando percebeu que perderia em alguns estados e grandes cidades instituiu a figura do governador, senador e prefeito biônicos, conduzidos ao cargo sem terem sido votados, por indicação do presidente ditador que estava no poder.

A Constituição de 1988 celebra toda uma pactuação para buscar construir eleições amplas, gerais e irrestritas, democráticas e com participação popular massiva. Foi assim em 1989, quando 22 candidatos ao cargo de presidente disputaram, tivemos pela primeira vez o segundo turno e a eleição de Fernando Collor de Melo, numa acirrada disputa com Lula.

Quem tem mais de 40 anos viveu a realidade do que foi a votação em cédula de papel em nosso país até meados da década de 90, de como eram as apurações que duravam semanas, das denúncias de fraude e manipulação de resultados. Quem já foi para uma apuração daquelas lembra das mesas escrutinando votos, separando em bolos, tentando fazer os chamados voto-camarão e voto-formiguinha (pilhas de cédulas em que eram inseridos alguns votos que não eram daquele candidato, alterando o resultado), interpretando ao bel prazer a letra dos eleitores (o voto era prioritariamente na pessoa e não no número), confusões com homônimos e nomes parecidos, principalmente nas eleições de vereadores. Candidatos e candidatas que dormiram eleitos e acordaram sem mandatos. Fragilidade eleitoral que privilegiou em vários momentos quem tinha mais poder econômico para manter fiscais remunerados noites a fio acompanhando voto a voto a apuração. De lá para cá o sistema eleitoral da Nova República se aprimorou e refinou.

É mentira que o voto manual garante a democracia, ao contrário: é um retrocesso democrático, institucional e republicano. É mentira que a fraude é presente no sistema eletrônico, ao contrário: o Tribunal Superior Eleitoral já auditou e testou o sistema, convidou hackers, entidades da sociedade civil, governos de outros países, Polícia Federal e outros para testarem e averiguarem o software de cada uma das eleições aqui realizadas desde 1996, ele nunca foi corrompido até o momento.

A votação eletrônica executada no Brasil inclusive já conta com comprovação em papel, está garantida nos Boletins de Urnas (BUs), afixados nas seções de votação ao final do dia do pleito e disponibilizadas pelos mesários aos fiscais dos partidos e coligações ali presentes também.

As eleições com urnas eletrônicas existem hoje em quase 30 países do mundo, e em alguns estados dos EUA. Todos esses pleitos foram até o momento acompanhados pela International Idea, instituto que prima pela democracia nos processos eleitorais no planeta, em nenhum foram encontrados indícios de fraude.

A campanha pelo voto manual desenvolvida pelo atual presidente da República é mais uma peça no quebra-cabeça autoritário e de retrocessos que vem tentando montar, busca pôr em dúvida o pleito de 2022, no pior estilo Trump.

Talvez se esqueça o presidente de que foi eleito nesse sistema eleitoral, embora ameaçasse constantemente já em 2018 não reconhecer o resultado, caso perdesse. Nosso sistema eleitoral é tão eficaz, democrático e seguro que permitiu até um candidato como Bolsonaro se eleger, registrou e respeitou a vontade popular naquele momento. O discurso de conveniência de Bolsonaro não pode passar, é uma mentira montada para ameaçar o voto livre, independente, universal e plural. Consiste em mais uma tentativa de intimidação aos democratas de nosso país. É preciso que todos se levantem contra isso e garantam que, qualquer que seja o resultado do pleito de 2022, ele será respeitado pelos brasileiros e brasileiras. Fraude é querer retroceder nosso sistema eleitoral e montar um processo que permita voto de cabresto, intimidação e toda sorte de violência antidemocrática.

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