China venceu a pandemia e por isso é atacada

Existem verdades tão elementares que cabem nas asas de um colibri, escreveu José Martí. Tão elementares que nem devia ser preciso pronunciá-las em voz alta. Mas hoje é preciso que se diga: a China é bem sucedida no combate e na contenção do coronavírus e tem sido solidária com o mundo. Sua experiência acumulada e o envio de profissionais e equipamentos tem sido fundamentais para todos os países em luta contra a pandemia.

Ilustração: Tainan Rocha

Isso é reconhecido tanto pelos governos de países afetados pela doença (e carentes de ajuda) como pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS). O médico epidemiologista Bruce Aylward, chefe da missão que a OMS enviou à China, disse, sem meias palavras, uma evidência: a resposta da China ao vírus foi “ágil, em escala fenomenal e baseada em ciência”[1]. As medidas adotadas por Pequim, criticadas no início por muitos comentaristas distantes, mostraram seu acerto e são hoje replicadas. As recomendações atuais da OMS se baseiam na vitória chinesa contra o vírus.

No entanto, dói muito desse lado do hemisfério reconhecer isso…

A imprensa norte-americana oferece curiosos e confusos exemplos de mal estar. Um deles vem da prestigiada Foreing Affairs, revista norte-americana de política externa e relações internacionais que, em 18 de março, acusava a China de responsabilidade pela disseminação do vírus[2]. O texto repetia um roteiro que surpreende por sua difusão em meios tão diferentes como uma prestigiada revista acadêmica e o submundo das mensagens de whatsapp e tweets de Eduardo Bolsonaro: a China teria omitido informações no início da propagação da doença, teria perseguido médicos e até manipulado os testes para esconder os números reais da população contaminada. Claro, a Foreign Affairs não se preocupou em consultar os relatórios da insuspeita OMS…

É impressionante o malabarismo verbal feito pela matéria para forçar sua conclusão. Naquele roteiro, se Pequim determinou que empresas se enquadrassem na luta de toda a sociedade adaptando-se para produzir respiradores e equipamentos médicos, foi porque se tratava de uma ditadura brutal sem respeito pela propriedade privada. Se a China colabora com países em luta contra o vírus, apoiando em várias frentes, trata-se de puro interesse, frio cálculo político. Ora, para cada fato, o difamador apresenta uma interpretação eivada de preconceito e evidente má vontade.

No Washinton Post, um dramático colunista pedia para que não se culpasse a China, mas o Partido Comunista[3]. O combate ao vírus seria obra, conforme esse texto que circulou bastante, apenas do “povo chinês”, e não também de seu governo. Sim, as medidas adotadas pela China – governada por um Partido Comunista – elogiadas pela OMS e replicadas mundo afora, não são mencionadas… Por sua vez, o extremista Breitbart News, portal de Steve Bannon, sujeito especializado em difundir mentiras e apoiar candidatos ocos pelo mundo, diz que a China mente ao afirmar que controlou a epidemia. Na verdade, declara a fantasia divulgada, haveria já milhões de mortos[4].

Os exemplos seriam muitos e não se atém às mídias norte-americanas. O que chama a atenção é o nível de coordenação desse roteiro, denotando uma política orquestrada para, deliberadamente, solapar o eventual prestígio que a China venha a ganhar.

Aqui, no esgoto dos grupos de WhatsApp do Brasil, ecoando a mesma narrativa, surgem as histórias mais fantasiosas: um vídeo de Xi Jinping, com legendas falsas colocando na boca do presidente chinês ameaças de guerra; mensagens abertamente racistas, não só contra chineses, mas quaisquer orientais; falsos testemunhos macarrônicos de médicos chineses perseguidos pelo governo… Tudo no mesmo método que conhecemos nas eleições de 2018.

O que unifica a imprensa norte-americana e os robôs que difundem pelas redes mentiras para o consumo da extrema direita?

Em primeiro lugar, a necessidade política de negar a evidência do sucesso dos comunistas chineses (goste-se ou não deles) na contenção da pandemia. Em segundo lugar, impedir que a ajuda chinesa aos demais povos flagelados pela doença se converta em uma amizade duradoura e consolide a liderança asiática no sistema e economia internacionais.

Mas há ainda um terceiro elemento: o uso do ódio como prática política, hoje tão cotidiano que torna chocantes quaisquer gestos de solidariedade.

Nos EUA, Donald Trump vê as chances de sua reeleição caírem até mesmo diante do insípido Joe Biden. Seu vai e vem na negação da seriedade da pandemia atesta que, talvez pela primeira vez no seu mandato, ele tenha perdido o controle da narrativa. E está assustado! Claro, isso não o impede de aproveitar o contexto e tomar medidas que, em outro momento, chamariam a atenção até de uma Foreing Affairs tão preocupada em alertar o público contra a “maldade” dos chineses. Por exemplo, a mal disfarçada retirada das tropas norte-americanas de bases estratégicas no Iraque, desde a semana passada[5].

Ilustração: Tainan Rocha

Renovar sua campanha de ódio contra o estrangeiro e tudo o que difere do “American Wasp” é o que sobrou para Trump diante da tragédia que já é a propagação da covid-19 pelos EUA. Tirar da gaveta a construção de um muro na fronteira com o México (!) e chamar o coronavírus de “vírus chinês” é parte de uma estratégia que tenta arregimentar o ódio e direcioná-lo contra um pretenso “inimigo” escolhido em cada ocasião. Até agora, funcionou… Giuliano Da Empoli demonstrou como dá retorno fomentar e direcionar o ódio nos tempos de big data e hiperexposição em redes sociais[6]. Funcionará também contra a verdade das mortes que virão? Em um cenário em que a solidariedade é absolutamente necessária, como ficarão os promotores do ódio?

tweet anti-China de Eduardo Bolsonaro foi sim mais um episódio vergonhoso de servilismo diante de Washington. Mas, longe de ser um raio em céu azul aqui no Brasil, foi precedido por uma intensa campanha nas redes sociais da base do presidente. Semanas antes da manifestação do deputado, os grupos de WhatsApp recebiam mensagens naquele mesmo teor. Com a cama preparada, o 03 fez sua declaração já sabendo que falaria para um público interno previamente alimentado pela campanha mentirosa. Não podendo de novo inventar culpas para a esquerda brasileira, os Bolsonaro escolheram direcionar o ódio contra a China, encobrindo a nulidade que é esse governo por atrás de uma cortina de fumaça.

Porém, como bem disse o embaixador Yang Wanming, tratou-se de um tiro no pé. Atacar o maior parceiro comercial do país em um momento de crise econômica internacional foi a escolha errada de alvo. A reação foi tamanha que Bolsonaro recuou… agora, busca antagonizar com as medidas internacionalmente aceitas como as mais eficazes para evitar uma tragédia de proporções maiores. “Contra tudo e contra todos” é o mantra de um presidente sem condições de governar, incapaz de qualquer gesto de solidariedade e união, mas ciente de que essa postura tem sido eficaz para instrumentalizar o apoio de uma base fiel que lhe dê alguma sobrevivência política.

O problema é que, dessa vez, o inimigo é real e não pode ser combatido com disseminação de fake news… A estupidez de embarcar na campanha norte-americana contra a China, além de ser abjeta por si só, traz como resultado a negação das soluções e do apoio que podem salvar a vida de milhares de brasileiros. Essa, aliás, é outra verdade daquelas tão evidentes que nem deveríamos precisar dizer em voz alta.

[1] https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/reacao-da-china-contra-virus-baseada-em-ciencia-em-escala-fenomenal-diz-missao-medica-1-24271479

[2] https://www.foreignaffairs.com/articles/china/2020-03-18/coronavirus-could-reshape-global-order

[3]https://www.washingtonpost.com/opinions/global-opinions/dont-blame-china-for-the-coronavirus–blame-the-chinese-communist-party/2020/03/19/343153ac-6a12-11ea-abef-020f086a3fab_story.html

[4] https://www.breitbart.com/national-security/2020/03/24/21-million-chinese-cellphone-users-disappear-in-three-months-of-pandemic/

[5] https://www.independent.co.uk/voices/coronavirus-trump-iran-iraq-troop-withdrawal-afghanistan-a9412216.html

[6] EMPOLI, Giuliano Da. Os Engenheiros do Caos. São Paulo: Vestígio, 2019.

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